Carlos Lopes

Nota do tradutor: O escopo da psicologia é o primeiro capítulo do tratado The principles of psychology (Os princípios de psicologia) de William James (1842-1910), publicado originalmente em 1890. Nesse capítulo inaugural, James enfrenta uma questão central e perene na psicologia: a necessidade (e dificuldade) da demarcação do campo psicológico. Como representante de uma tradição que ainda falava da psicologia no singular, James vê na multiplicidade de assuntos, métodos e problemas da psicologia um desafio para uma disciplina que se pretendia científica. De um lado, era necessário assumir o caráter plural dos assuntos que merecem ser agrupados pela palavra psicologia, negando um reducionismo grosseiro, que, em favor de uma integração teórica, alijasse a “vida mental” de sua riqueza imanente. De outro lado, havia ainda a esperança de uma sistematização que pudesse evitar a completa fragmentação do campo psicológico. A história parece ter mostrado que a preocupação de James era, de fato, legítima, pois o que se viu a partir do século XX foi o fracasso de diferentes sistemas de psicologia, levando a um círculo vicioso no qual a dificuldade de demarcação do campo psicológico fragmenta cada vez mais a psicologia, o que, por sua vez, torna ainda mais distante a possibilidade de se encontrar critérios que possam sistematizar toda essa diversidade. Nesse sentido, O escopo da psicologia não é apenas uma introdução ao livro Os princípios de psicologia, mas uma introdução à psicologia moderna

O presente livro é um projeto corajoso e desafiador, mas um projeto já bem sucedido, pois não é sempre que em nosso país um livro acadêmico deste tipo chegue a uma segunda edição. É corajoso por convidar o leitor para dialogar com os autores e com duas escolas importantes da filosofia e da psicologia que são em geral mal compreendidas. É desafiador tanto para os autores quanto para seus leitores, pois o behaviorismo radical de Skinner (ou seu comportamentalismo, como os autores preferem) e o pragmatismo americano têm sido alvos de críticas que desconhecem seus fundamentos. Aproximar as ideias de Skinner, atualizando-as, daquelas dos pragmatistas, principalmente Dewey, Mead e, mais recentemente, Rorty, presta um inestimável serviço para a filosofia e para a psicologia. O diálogo que este livro propõe aborda temas que parecem extrapolar o domínio do tipo de psicologia experimental cujos fundamentos Skinner lançou e explorou em sua longa carreira. Mas esses temas são também objeto das reflexões de Skinner, sendo que seu texto em que isso é mais flagrante é o livro Beyond Freedom and Dignity (traduzido no Brasil com o título de O mito da liberdade). Os temas relativos à organização da sociedade, da convivência humana em larga escala, os temas éticos e políticos, não estão fora do escopo das considerações de Skinner e dos pragmatistas sobre o comportamento e a ação humana em geral. E este livro nos convida a explorar também este rico universo de conceitos e questões. Ao aceitar o convite dos autores para este diálogo, o leitor vai lidar com ideias das quais a filosofia tem se ocupado desde sempre (e Aristoteles é lembrado pelos autores mais de uma vez), mas que têm sido tratados com muita timidez pela psicologia, temas como a identidade pessoal e a liberdade. Mas para entendermos bem o behaviorismo radical, devemos refletir também sobre esses assuntos. Luiz Henrique de Araújo Dutra UFSC/UnB/CNPq