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Biografia sobre René DescartesEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaRENÉ DESCARTES: UMA BIOGRAFIA RENÉ DESCARTES: A BIOGRAPHY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - CAP-UFPE, IFPE-BJ e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. Nascido em 1596 em Haia, nas fronteiras de Touraine e Poitou, em uma família nobre, René Descartes vem ao mundo ao mesmo ano em que Johannes Kepler (1671-1630), em seu primeiro trabalho publicado (Mysterium cosmographicum), prova a superioridade da astronomia moderna (a de Nicolau Copérnico (14…Read moreRENÉ DESCARTES: UMA BIOGRAFIA RENÉ DESCARTES: A BIOGRAPHY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - CAP-UFPE, IFPE-BJ e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. Nascido em 1596 em Haia, nas fronteiras de Touraine e Poitou, em uma família nobre, René Descartes vem ao mundo ao mesmo ano em que Johannes Kepler (1671-1630), em seu primeiro trabalho publicado (Mysterium cosmographicum), prova a superioridade da astronomia moderna (a de Nicolau Copérnico (1473-1543)) da astronomia antiga (a de Ptolomeu (90-168 d.C.)). Ao mesmo tempo, Galileu Galilei (1564-1642), que detém a cadeira de matemática da Universidade de Pádua, funda o método experimental. As descobertas de Galileu tiveram forte impacto sobre o Colégio Real de La Fleche, realizado pelos jesuítas e onde Descartes recebeu, a partir de 1606, uma forte educação. Ele menciona, no Discurso do Método, seu “desejo extremo” em aprender, seguido, no final de seus estudos, de uma grande decepção: decepção com a filosofia ensinada, cujas controvérsias perpétuas revelam um caráter questionável, e que não pode fornecer um alicerce, em seu estado atual, para outras ciências. Também é proferido um desapontamento, mas esse desapontamento é inverso e diz respeito às matemática, capaz de fornecer esse fundamento que a filosofia não confere, mediante sua certeza e evidências, mas sobre o qual ainda não construímos nada. Numa Europa marcada pelo choque do tradicionalismo católico e do mercantilismo protestante, o lento declínio do poder espanhol e a luta dos Países Baixos pela sua independência, Descartes escolheu, primeiramente, após a graduação, a carreira militar. Engajado no exército do Príncipe Maurício de Nassau, ele é retirado da ociosidade da vida da guarnição pelo encontro, em 1618, de um jovem cientista holandês, Isaac Beeckman (1588-1637), que se tornou seu amigo íntimo por algum tempo. Conhecedor de todas as pesquisas científicas do momento e partidário da nova concepção “mecanicista” da natureza, Beeckman compartilhou com Descartes um entusiasmo que foi acompanhado, segundamente, da ambição de realizar a ciência universal por si mesma, mediante um método único: na noite de 10 de novembro de 1619, ele concebe em três “sonhos”, “os alicerces de uma ciência admirável”. Nos anos seguintes a essa iluminação decisiva, Descartes viajou por toda a Europa, estimando, como Michel de Montaigne (1533-1592), que a demonstração de boas maneiras e costumes diferentes podem gerar muitos preconceitos. Toda sua vida, além disso, esteve vagando, isto é, foi marcada por múltiplas mudanças de residências, e a recusa de estabelecer um vínculo muito de perto com alguém. Foi na Holanda que ele, finalmente, buscará a tranquilidade que não encontrara na França ainda abalada pelas guerras religiosas, antes de ser assim pelas convulsões da Fronda. Todavia, mesmo na Holanda, ele não pôde evitar os ataques de calvinistas e polemicas teológicas que o repugnaram, como evidenciado em suas discussões com a Universidade de Utrecht entre 1643 à 1645 e a Universidade de Leiden em 1647. Além de sua amizade com Beeckman, outro encontro teve uma influência indubitavelmente decisiva sobre o destino de Descartes: o encontro com o cardeal de Bérulle. Fundador da congregação do Oratório (ao qual pertencem Nicolas Malebranche (1638-1715) e Jean-Baptiste Massillon (1663-1742)), o cardeal de Bérulle enxerga na nova física mecanicista, um meio de lutar contra o naturalismo resultante do Renascimento e seu paganismo latente: em uma longa entrevista com Descartes, no outono de 1647, ele fez dessa última uma obrigação de consciência para se dedicar, nesse sentido, à filosofia. Em 1628, Descartes começa a escrever as Regras para a direção do espírito, um tratado inacabado e que não foi publicado durante a vida do autor. Em 1631, desenvolvera a geometria analítica que combina curvas geométricas com equações algébricas. Em 1633 escreveu O Tratado do Homem e preparava-se para publicar O Tratado do Mundo quando a notícia da condenação de Galileu Galilei pelo Santo Ofício (a Inquisição) o deixou receoso e decide, por prudência, não publicar o seu Tratado no qual a tese do movimento da Terra ao redor do Sol é apoiada. Alguns anos depois, foi divulgado em público cultivada de algumas de suas descobertas científicas: além da geometria, a dioptria (a teoria da refração da luz) e meteoros (teoria dos fenômenos atmosféricos luminosos). Esses três tratados aparecem no apêndice do Discurso do Método, e como “ensaios” desse método, em 1637. No século XIX, Victor Cousin (1792-1867) publicou pela primeira vez o Discurso sozinho, sem os ensaios. Então vem a principal obra de Descartes no ramo da metafísica: as seis Meditações, aumentadas pelas objeções dos mais famosos filósofos da época (incluindo Thomas Hobbes (1588-1679), Antoine Arnauld (1612-1694) e Pierre Gassendi (1592-1655)), e as respostas a essas objeções, apareceram em 1641. Ansioso para expor sua filosofia para que pudesse ser ensinada, ele também a caracteriza em forma de manual com os Princípios da Filosofia de 1644. Além dos trabalhos publicados, foi por meio das cartas trocadas com personalidades do mundo erudito que Descartes encontrou a oportunidade de esclarecer vários pontos de sua filosofia. Seus principais correspondentes foram o Prade Marin Mersenne (1588-1648), o Padre Denis Mesland (1615-1672), Pierre Chanut (1601-1662), Claude Clerselier (1614-1684), Christiaan Huygens (1629-1695) e Henry More (1614-1687). A partir de 1643, Descartes sustentou, com a Princesa Isabel da Boêmia (1596-1662), uma correspondência dedicada essencialmente a questões morais, que lhe permitiu a formulação de suas ideias nesse campo: esse esforço conduziu, em 1649, ao tratado das Paixões da alma. Nesse mesmo ano, 1649, a Rainha Cristina da Suécia (1626-1689) o convida para ir a Estocolmo, que ele aceitou após muita hesitação. Recebido com todas as honras, mas forçado a um modo de vida bastantemente distinto daquele que era acostumado, e submetido a um clima do qual não se adequou, ele sucumbiu a pneumonia em fevereiro de 1650. Descartes deixou-nos uma espécie de autobiografia intelectual na primeira parte do Discurso do Método: em seus anos de treinamento, seus entusiasmos e suas decepções. O discurso é, também, o primeiro livro para quem busca compreender o projeto filosófico cartesiano desde sua gênese até sua realização. Existem expostos, o método claro (na segunda parte), mas também a moral (terceira parte), a metafísica (quarta parte) e finalmente a física (quinta e sexta partes).
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O Método de René DescartesEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaRENÉ DESCARTES E O MÉTODO CARTESIANO RENÉ DESCARTES AND THE CARTESIAN METHOD Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - CAP-UFPE, IFPE-BJ e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. INTRODUÇÃO Antes de abordar a metafísica tal qual Descartes a propõe como uma sólida “fundamentação” das ciências e, também, antes de falar das ciências construídas para a busca desse fundamento, é necessário analisar o método cartesiano, salve que é a alma desse presente art…Read moreRENÉ DESCARTES E O MÉTODO CARTESIANO RENÉ DESCARTES AND THE CARTESIAN METHOD Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - CAP-UFPE, IFPE-BJ e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. INTRODUÇÃO Antes de abordar a metafísica tal qual Descartes a propõe como uma sólida “fundamentação” das ciências e, também, antes de falar das ciências construídas para a busca desse fundamento, é necessário analisar o método cartesiano, salve que é a alma desse presente artigo. Não se trata apenas de relatar os preceitos do método ao seu modelo matemático, e sim, também, para entender porque o método em si necessita de uma fundamentação alicerçada na metafísica. Mas isso é a maneira pelo qual o projeto revolucionário de Descartes substituiu a autoridade da tradição pela autoridade da razão. I – UM PROJETO REVOLUCIONÁRIO No se pode deixar atingir-se, lendo o Discurso do Método, pelo caráter revolucionário que Descartes queria conferir ao seu projeto. É notável, e vale salientar o cuidado que Descartes toma na primeira parte, sublinhando o que seu projeto tem de singular: “Assim, meu propósito não é ensinar aqui o método que cada um deve seguir para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo procurei conduzir a minha” (DESCARTES, 1996. p. 5). Ainda mais notável é o fato escolhido por Descartes e destacado na segunda parte, a da casa que deve ser derrubada para reconstruí-la: É verdade que não vemos demolirem-se todas as casas de uma cidade só com o propósito de refazê-las de outra forma e de tornar as ruas mais belas, mas não é incomum vermos muitos mandarem derrubar as suas para reconstruí-las, e até, por vezes, a isso são obrigados quando elas correm o risco de cair por si mesmas e os alicerces não estão muito firmes (DESCARTES, 1996. pp. 17-18). Descartes enfatiza explicitamente a oposição entre tal abordagem e a estratégia reformista de “redigitar” a sua casa, organizando-a, reparando-a aqui e ali. Certamente ele está combatendo a ideia revolucionária na política, o design ambicioso daqueles que querem perturbar o Estado, porque nesta área a destruição tornaria a reconstrução futura impossível. Mas o que é insano sobre “uma cidade inteira” torna-se possível quando se trata de cada um de sua própria casa. O que é possível torna-se necessário, quando a casa ameaça entrar em colapso, uma vez que seus alicerces são vulneráveis. Casa vacilante, que seria inútil só querer reparar, é assim que Descartes considera o todo “opiniões” que lhe foram transmitidas em sua educação. Essas opiniões são, acima de tudo, incertas: pode haver alguma verdade nelas, mas provavelmente também há o lado falso, e essa mistura indissociável faz com que todas sejam falsas, a verdade só tem valor para nós se pudermos distinguir com certeza do erro. O julgamento negativo de Descartes de tudo o que ele tem, como escreve, “recebido em dívida”, pressupõe, é claro, uma crítica do conteúdo dessas opiniões e, acima de tudo, uma crítica aos princípios sobre os quais eles descansam. Mas isso não é o suficiente para fazer as pessoas entenderem a escolha inicial de uma abordagem revolucionária, de preferência ao empreendimento reformista, que seria criticar, uma após a outra, as opiniões recebidas, e consolidar, pouco a pouco, a sua “Casa”. Mais do que o conteúdo peculiar das opiniões recebidas, é o próprio fato que elas são recebidas, em uma aquisição desordenada e perigosa, o que importa. E se temos que revolucionar o conhecimento, se temos que destruir essas opiniões antes de substituí-las por outras é, antes de mais nada, uma questão de substituir conquista controlada da desordem e chance de sua aquisição, em vez de se limitar a correções que só aumentariam essa confusão. Nisso, a decisão primeira de Descartes ultrapassa as circunstâncias históricas do seu aparecimento, e conserva em todos os tempos o valor de um modelo para o pensamento: a filosofia nasce de uma ruptura, não com esta ou aquela tradição, mas com a tradição como tal. II – DESCARTES E A TRADIÇÃO A tradição é um pensamento sem sujeito: pensamento que ninguém pensa, não pensa. Descartes se opõe ao requisito essencial, para toda ciência, de ser a matéria de um sujeito: não há ciência até que toda verdade seja reconhecida em seu poder de sugerir notícias, de acordo com uma sequência que deve ser reconhecida, para que eu (Descartes) possa reivindicar, de forma legítima, a ciência universal. Quando Descartes expressa essa afirmação, em seu próprio texto, em seus textos de juventude, o que nos parece ser a marca de uma excessiva arrogância, expressa, antes, uma condição inscrita na própria natureza do conhecimento. O projeto revolucionário está assim ligado à uma ideia que Descartes enuncia no início da segunda parte do Discurso do Método: “[...] não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pelas mãos de vários mestres, como naquelas em que apenas um trabalhou” (DESCARTES, 1996. p. 15). Certamente, por “perfeição, Descartes entende menos a magnitude e a riqueza essa ordem e consistência. Ele reconhece que algumas áreas são, irremediavelmente, entregues à imperfeição. Este é o caso do Estado e das instituições políticas em geral: resultados não intencionais de uma multidão de ações históricas entrelaçadas, nossas instituições nunca correspondem a um projeto consciente, e não seria razoável empreender sua reforma de acordo com tal projeto. Descartes não ignora as virtudes da cooperação para a execução de atividades materiais complexas. Porque as aptidões corporais dos homens são distintas e capazes de se especializar, os indivíduos podem interferir uns com os outros e se harmonizar visando a colaboração do todo. Não obstante, as obras de pensamento, as ciências em particular, não conseguem encontrar a perfeição de que são susceptíveis por serem construídas por sucessivas sedimentações históricas, de acordo com a descoberta uma das outras, fazendo com que todas essas descobertas, a ciência, não seria obra de ninguém. Se o exercício de uma atividade manual nos impede de praticar outra (porque as mesmas mãos dificilmente podem se exercitar ao mesmo tempo para cultivar os campos e tocar a cítara), o conhecimento de uma verdade nos ajuda a encontrar outras verdades. Finja que esse conhecimento é apenas uma contribuição fragmentada para uma síntese coletiva da qual o princípio nos escapa, é desconsiderar sua fecundidade, isto é, o que faz dele um verdadeiro conhecimento. O que Descartes está lutando, essa necessidade de que todos participem de uma instituição já iniciada e que ninguém pode dominar, essa herança de aceitar, enriquecer e transmitir é o que chamamos de tradição: então ele escreve o Discurso do Método não em latim, linguagem de transmissão histórica do conhecimento, mas em francês, linguagem “vulgar”. Certamente, Descartes luta contra a tradição científica e filosófica em vigor em seu tempo, a herança já enfraquecida do pensamento de Aristóteles, transmitida durante a Idade Média pelas Universidades (o que denominamos de “escolasticismo”), mas ele luta acima de tudo em sua pretensão de manter seu valor de ser, precisamente, uma tradição. Esta não é uma luta em nome da “novidade” ou da “modernidade”, que são sempre definidas em relação a uma tradição, mas uma luta em nome da verdade, o que é mais antiga do que qualquer tradição. III – A LIGAÇÃO ENTRE AUTORIDADE E A VERDADE Descartes assim fórmula seu projeto, na segunda parte do Discurso do Método: [...] mas, quanto às opiniões que até então eu aceitara, o melhor que podia fazer era suprimi-las de uma vez por todas, a fim de substituí-las depois, ou por outras melhores, ou então pelas mesmas, quando eu as tivesse ajustado ao nível da razão (DESCARTES, 1996. p. 18). Que uma opinião poderia ter sido recebido por ele em sua vida, sem ter sido ajustada ao nível da razão, significa que foi considerada a sua verdade, sem que ele tenha que se pronunciar sobre o julgamento do que declarava verdadeiro. Então foi um preconceito, que ele achava que era verdade apenas para tê-lo recebido, isto é, por causa de sua fonte. Que a afirmação de uma opinião como verdadeira é validada por sua fonte, e isso corresponde ao que denominamos como “argumento de autoridade”: é verdade porque Platão, ou Aristóteles, disseram isso. Agora é possível, é claro, descobrir verdades lendo Platão ou Aristóteles, desde que essas descobertas sejam não apenas para conferir Platão, Aristóteles, ou qualquer outro autor (“autoritário”), mas para encontrar a si mesmo com as verdades em questão. Parece, portanto, que a revolução cartesiana visa romper o elo entre as concepções de verdade e autoridade. Todavia, olhando mais de perto, veremos que esse não é o caso. Quebrar o elo entre autoridade e verdade é ser crítico, enquanto Descartes encara sim o “espírito da dúvida”. Ser crítico é estar interessado apenas no conteúdo das ideias e ser perfeitamente indiferente à sua fonte. Descartes, como supracitado, não se compromete a criticar suas antigas opiniões uma após a outra, o que seria o passo mais oposto ao princípio de autoridade, quanto mais indiferente à questão da fonte. O que Descartes propõe é bem diferente: ele propõe substituir, com todas as autoridades que estão fora dele (em seu exterior), pela autoridade que está nele (em seu interior), e que muitas vezes é até confundida, veremos isso. Agora é sobre “ajustar as opiniões ao nível da razão”: a razão, isto é, a razão de Descartes, tal qual o fala e presente em cada um, deve ser autoritária em matéria de verdade, deve ser o tribunal diante do qual tudo aparece. É uma interiorização do argumento de autoridade, não é uma rejeição deste argumento. A interiorização da autoridade explica o lugar central da certeza na filosofia de Descartes. O que importa na verdade é a certeza de possuí-la, e essa certeza é uma ato de confiança em relação às fonte autorizada da verdade: tudo que é “ajustado ao nível da razão” será certo, se a razão for o que é autoritário. Duas questões orientadoras sucessivas inspirarão a investigação da certeza: 1 – A primeira consistirá em estabelecer o que ele realmente tem certeza, delimitando o domínio da certeza autêntica daquilo que é garantido pela autoridade da razão. 2 – A segunda consistirá em se perguntar se ele está certo em ter certeza sobre algo, porque a autoridade internalizada deve se questionar. A primeira questão, considerada isoladamente, leva à ideia cartesiana de método. O conjunto das duas questões, a passagem da primeira para a segunda, depois da segunda para a primeira, constitui a metafísica de Descartes. IV – O QUE É A RAZÃO ? O que significa ter razão em um tribunal? As primeiras linhas do Discurso do Método definem a razão como sendo um senso comum, isto é, a faculdade de distinguir a verdade da mentira, o que nos diferencia dos animais. Em outras palavras, a razão é o poder, não para racionar, mas degenerar, pensando na medida em que se pronuncia sobre qualquer objeto que se apresente. Separado em um sentido de outras faculdades do pensamento, este poder está envolvido em qualquer operação de pensamento: a memória supõe um julgamento sobre o passado, o desejo um julgamento sobre o que procurar, o amor um julgamento sobre o que é digno de ser amado... Nesse sentido, a razão se confunde com o próprio pensamento. É até confuso, para todos, consigo mesmo, pois ninguém pode julgar sua razão sem voltar a agir: mesmo aqueles que estão acostumados a reclamar do que foi dado a eles nunca reivindicam, nota Descartes, uma razão de melhor qualidade: pois isso equivaleria a desqualificar essa afirmação conforme a expressam. Coextensiva com o pensamento, a razão está em nós como uma luz natural. Como a luz do Sol que ilumina a variedade das coisas no mundo sem perder sua identidade, permanecendo a mesma luz, o pensamento julgador mantém sua unidade sem nunca se quebrar ou se perder, seja qual for os objetos aos quais se aplica: seja o que for que eu julgue, é sempre eu quem julgo. A ciência deve ser difundida mediante essa ideia, isto é, como um certo modo de julgar, ou pensar, e não dá diversidade de seus objetos. Rejeitar as opiniões recebidas, e julgadas boas porque foram recebidas, é recuperar o poder soberano de julgar aquilo que até então passou despercebido. Colocar a razão no tribunal não é uma novidade, mas uma revolução no sentido estrito, isto é, um retorno. A razão é o senso comum, o poder, não apenas para julgar, mas julgar bem, para distinguir o verdadeiro do falso. Julgar mal, tomar o falso pela verdade, não deve ser dotado de um “poder de julgar mal”, é errado usar nosso poder para julgar bem. A diferença entre o bem e o mal não está no poder, mas no uso desse poder, na maneira de usá-lo, de proceder quando se julga, em uma palavra, o método. É necessário romper com uma aquisição sem método de conhecimento, de acordo com as influências sofridas, e conferir a si mesmo um método firme, que será como o procedimento do tribunal da razão. E como nossa capacidade de comer é saudável por si só, esse método não deve ser tomado como uma técnica destinada para melhorá-lo, para torná-lo mais eficaz, e sim como uma higiene projetada para preservá-lo. Mas onde encontrar as regras desse método? Em um domínio, precisamente, onde nosso poder de regulação ou gerenciamento tem sido relativamente preservado, fazendo com que se possa explorar esse domínio, descobri-lo e extrair dele um procedimento universal. Porque o pensamento sendo esta luz que ilumina de igual forma as variedades de tudo que se apresenta a ela, o que torna-se verdadeiro nesse domínio deve ser de todos os outros. Essa área de referência é o domínio da matemática. V – O MODELO MATEMÁTICO Descartes acredita que é no domínio da matemática e, precisamente da geometria, que os antigos fizeram descobertas difíceis e duradouras. A geometria dos antigos e a dos modernos e, especialmente a de François Viète (1540-1603), acrescentou a análise na matemática, o que denominamos de “álgebra”. A descoberta em 1631 da geometria analítica, que relaciona curvas geométricas com equações algébricas, é também o principal título de fama de Descartes como matemático. No entanto, não devemos superestimar a importância que esta descoberta teve para o próprio Descartes. Seu principal interesse era, em sua opinião, metodológico: permitia libertar a mente para simplificar as técnicas de cálculo. Porque na matemática Descartes é compartilhado entre admiração pelo que eles permitem, e desprezo pelo que fazem com ele. A ideia de facilidade é o motivo comum dessa admiração e desprezo. Matemática é fácil, e sua virtude nos mostrar como o conhecimento é fácil, é fácil para o homem saber tudo o que ele pode saber, desde que o mesmo tenha tempo. Todavia, essa facilidade faz com que a atividade habitual dos matemáticos seja um pouco ridícula, a resolução de “problemas matemáticos”, que Descartes considerava como um mero divertimento, é dificilmente digna de consideração. É novamente em nome desse caso que Descartes mais uma vez repreende os antigos matemáticos por terem dado seus resultados mas obstruindo ou ocultando seu método, a fim de impressionar os crédulos, dificultando a aparência do que não é. O método está em contraste com o essencial do que pode ser aprendido com a matemática. Para identificar corretamente este método, é necessário abstrair os próprios objetos matemáticos (números, figuras etc.), que nos faz acreditar que a matemática é uma ciência especial ao lado das outras ciências, o que nos leva a uma divisão em ramos separados da mesma (aritmética, geometria, álgebra etc.). Então aparece uma matemática universal, consistindo no estudo de “vários relatórios ou proporções” que podem ser encontrados entre quaisquer objetos, para que possamos constituí-los em séries contínuas e deduzi-los uns dos outros, e chegar, daqueles que são conhecidos, àqueles que ainda não estão distantes, tão distantes como estão, tão ocultos como parecem ser. Não há nada difícil em tal conhecimento, há apenas o simples e o complexo, e o tempo necessário para alcançar o complexo mediante o simples. Não há nada difícil porque não há nada oculto: se “conhecer” era a perigosa empreitada de se aventurar na dimensão secreta das coisas, seria necessário um gênio e o uso de poderes ocultos. Mas “conhecer” é um exercício do senso comum que direciona sua luz para tudo que pode esclarecer: é, portanto, suficiente para um método. Nós todos sabemos que as primeiras verdades matemáticas são simples. Mas por que elas são? Porque elas nos contam tudo sem reservas, sem nada opaco, sobre tudo que estão falando e tratando: seu objeto é completamente iluminado, não há a necessidade de voltar à ele para aprofundá-lo indefinidamente, devemos passar para outro. Estas são representações estritamente adequadas ao que elas alegam, para representar o que Descartes denominou de ideais claras e distintas: claro, porque percebemos todos os elementos distintos, porque não podemos confundi-los com os outros. Se a primeira verdade é considerada simples, a segunda, por sua vez, não parece ser assim. Seria, sem dúvida, considerada difícil, reservando uma parte do desconhecido se o enfrentássemos de frente. Mas é apenas complexo, isto é, só podemos entendê-lo depois de ter compreendido o primeiro, e depois entender que não há mais nada para entender no primeiro, e sim passar adiante: basta respeitar essa ordem, que é a ordem do nosso entendimento, para que seja também considerado uma ideia claro e distinta. Até onde podemos prosseguir? Até o fim, de acordo com Descartes, até a conclusão do que podemos saber, uma vez que nossa mente, que agora é ordenada por nosso conhecimento, é limitada: limite claro, limite esse que não é misteriosamente abrigado no mundo ou na espessura da realidade. Abaixo desse limite, nosso conhecimento pode ser perfeito se for metódico. Abaixo do limite, nada oculto, nada profundo, tudo toma o seu lugar nas “longas cadeias de razões”; além do limite, nada escondido, apenas o que é não é nossa responsabilidade. Se não há nada escondido, a realidade que conhecemos não vai além do que sabemos sobre ela. Logo, o método não é apenas uma maneira humana de pedir objetos a nossa conveniência: atribuindo-lhes o seu lugar em nossa ordem, tornando-os claros para nós, envolve-os em seu verdadeiro ser. A revolução cartesiana consiste, então, no fato de que as condições de nosso conhecimento definem a verdade do ser conhecido. Não obstante, sempre perpetua-se uma “dificuldade”, que nada mais é do que o tempo. Se não há a necessidade de o gênio saber perfeitamente, leva tempo para ir do simples ao complexo. O homem só pode saber se tem tempo, muito tempo antes dele: essa preocupação para com a necessidade de tempo, retorna com uma obsessão sob a caneta e a perspectiva de Descartes. Essa necessidade, então, de ter tempo diferencia radicalmente, como veremos, o problema do conhecimento e da ação, da conduta a ser mantida na vida, da moralidade, uma vez que “as ações da vida muitas vezes não sofrem demora...”. VI – REGRAS DO MÉTODO: OS QUATRO PRECEITOS Podemos agora compreender os quatro preceitos aos quais, segundo Descartes, o método é reduzido (Discurso, segunda parte). VI.I - Regra de evidência O primeiro era de nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal; ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir em meus juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida (DESCARTES, 1996. p. 23). Mesmo que sua declaração o duplique, é de fato um mesmo preceito acerca do que deve ser concebido como verdadeiro. Receber com método é esperar até que a coisa se apresente para ele: essa paciência, esse “cuidado”, remove os preconceitos característicos das ideias recebidas antes da hora, a precipitação e a prevenção que fazem parecer obscuro o que é o tempo. Se, nessa apresentação para ele, ele tomou um cuidado de aderir (nada mais) ao que é claro e distinto, é sem reserva que uma “coisa” pode ser recebida, sem poder surgir o risco, a “oportunidade”, de ter que voltar mais tarde: ele teria visto a sua verdade, e está evidência foi o suficiente para que ele pudesse duvidar disso. VI.II - Regra de análise “O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las” (DESCARTES, 1996. p. 23). Ora, o que é apresentado como difícil de examinar, na verdade não o é, é apenas complexo, composto de múltiplas parcelas. Quantas parcelas? É a resolução da dificuldade que deve decidir essa questão: quando um matemático consegue estabelecer um teorema “difícil”, ligando-o às proposições mais simples por uma cadeia contínua de deduções, ele sabe que não há mais nada a saber em seu objeto, que contém exatamente tantas divisões quantas forem necessárias para formar está série. Logo, não precisamos nos preocupar com mais nada. VI.III - Regra de ordem O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer , para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos; e supondo certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros (DESCARTES, 1996. p. 23). Essa é a ordem, de acordo com os pensamentos de Descartes, o que pode ser visto no fato de que, entre os objetos mais simples e os mais complexos, a distinção está na ordem de facilidade, isto é, os primeiros são os mais fáceis de saber, enquanto o segundo, por sua vez, só pode ser conhecido quando dominamos a totalidade do primeiro. O importante é passar de um para o outro como por graus, numa série contínua, sem estar diante de um hiato como o conhecimento prévio não seria suficiente para deixar claro o novo conhecimento. E desde que está ordem de razões, fixando cada objeto em seu devido lugar, nos entrega em sua totalidade, é também a ordem objetiva, a ordem dos próprios objetos, tanto que não devemos hesitar em supor isso entre eles, mesmo quando o modo como se apresentam não revela ordem. VI.IV - Regra de enumeração “E, o último, fazer em tudo enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu tivesse certeza de nada omitir” (DESCARTES, 1996. p. 23). Omitir alguma coisa séria destruir o próprio princípio da ordem das razões, uma vez que qualquer objeto só pode ser visto clara e distintamente se todos que o precederam também tiverem sido vistos em seu lugar. Se a dedução atingir este objeto, significa que nada foi omitido até então. Porém, quando a dedução torna-se muito longa, torna-se, também, mais difícil de mantê-la inteira, como deveria, sob o olhar da mente; somos então tentados a confiar apenas em sua memória. O preceito de enumeração não deve ser entendido como uma preocupação retrospectiva (certifique-se de que nada o tenha esquecido), mas no sentido atual, como os meios de manter em mente todas as evidências do passado necessárias para a evidência presente. Dos quatro preceitos do método, é o único a ter um caráter de técnica e não de simples higiene: é aqui que se confronta a única dificuldade real do conhecimento, o fato de que leva tempo, e sua consequência, recorrer à memória, à faculdade pela qual as velhas ideias descartenses foram “concebidas em sua dívida”. VII – O MÉTODO EXIGE UM FUNDAMENTO METAFÍSICO O método permite responder à uma questão: do que tenho certeza? É certo que homens que seguem ideias aceitas também conhecem esse estado psicológico chamado “certeza”. Todavia, entre esse estado psicológico e a verdadeira certeza do conhecimento metódico, há uma diferença de que o primeiro está imune a “oportunidades” de duvidar, já que ele não tem autoconfiança. Toda oportunidade de dúvida que se apresenta transformaria essa “certeza” em incerteza: por isso que é sensato duvidar em princípio das opiniões recebidas, sem esperar, por assim dizer, oportunidades de duvidar, e decretar antecipadamente seu conteúdo incerto, não necessariamente substituí-lo por outro conteúdo, mas aceitar apenas o que lhe fora assegurado. Poderia ser o mesmo com a certeza do conhecimento metódico? Pode ser apresentado a ele como uma oportunidade para duvidar, e seria sábio também duvidá-lo antecipadamente, submetendo-o a uma dúvida de princípio? Seria então uma dúvida muito diferente da anterior. Descartes exclamou que: “Se alguma vez duvidei um dia do que me aperfeiçoei seguramente, tal dúvida deveria permanecer fora da certeza: não a destruiria, nem mesmo a enfraqueceria, a colocaria em suspenso no vazio; ele não sugeriria para mim que eu talvez esteja menos certo do que pensava, mas sim que posso estar errado em ter tanta certeza. Eu vou manter minha certeza enquanto duvidoso, porque não haveria nenhuma esperança para eu encontrar melhor do que ela: minha única esperança seria descobrir que ela é verdadeiramente fundamentada, que eu confio com razão, e não porque eu não posso contrário.” Mas por que uma oportunidade para duvidar dessa maneira? A própria razão, na medida em que é incontestavelmente autoritária, deve levantar essa dúvida por sua própria autoridade. É porque é autoritária que tem o direito de se perguntar sobre o que o autoriza, sobre o que o investe com tal autoridade. Afinal, a certeza de sua autoridade é uma certeza, que não pode ser classificada entre as certezas que ela nos ensina, uma vez que reconhecemos essa autoridade. Por isso, é importante encontrar, para essa certeza, um fundamento para abrigá-lo, de uma vez por todas, desta suspeita sobre si mesmo. A busca por esse fundamento deve ser metódica, mas deve ao mesmo tempo abalar nossa confiança no método, a fim de encontrar o que o justifica. Essa busca paradoxal é o que Descartes denomina de "metafísica". Desdobra-se principalmente nas seis Meditações da Primeira Filosofia de 1641, geralmente chamadas de Meditações Metafísicas. Seu exame pode ser dividido em duas partes: • o primeiro diz respeito à dúvida e ao seu trabalho; • o segundo diz respeito à fundação de certas ciências, ou seja, a existência de um Deus verdadeiro. REFERENCIAL TEÓRICO DESCARTES, R. Discurso do método. Trad. Maria Ermantina Galvão. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ______________. Discurso do método. Coleção Os pensadores, vol. XV. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. 1ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Estimule a criatividade, respeite o direito autoral. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva © 2019
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Filosofia como "Produto" ou como "Processo"?Emanuel Isaque Cordeiro da SilvaFILOSOFIA COMO PRODUTO OU COMO PROCESSO? PHILOSOPHY AS A PRODUCT OR AS A PROCESS? Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA Nos trabalhos anteriores, na área filosófica, trabalhei a importância da filosofia no ensino médio e a responsabilidade pedagógica do professor. Doravante, compartilho agora da experiência daqueles que já se debruçaram sobre aquelas questões, acrescentando …Read moreFILOSOFIA COMO PRODUTO OU COMO PROCESSO? PHILOSOPHY AS A PRODUCT OR AS A PROCESS? Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA Nos trabalhos anteriores, na área filosófica, trabalhei a importância da filosofia no ensino médio e a responsabilidade pedagógica do professor. Doravante, compartilho agora da experiência daqueles que já se debruçaram sobre aquelas questões, acrescentando outras indagações: "Que fins pretendo alcançar com meu curso de filosofia?"; "Que conteúdos são importantes para o aluno iniciante?", "Como ensinar filosofia?". As respostas a essas indagações variam conforme os pressupostos epistemológicos que servem de base ao trabalho do professor. Na escola tradicional prevaleceu a tendência empirista, que privilegia a transmissão de conhecimentos acumulados. Geralmente, os adeptos dessa tendência propõem programas enciclopédicos, com amplo conteúdo. Trata-se da ênfase no produto, na transmissão da herança deixada pelos filósofos, mas o risco dessa metodologia é a passividade do estudante. A pedagogia do século XX, ao criticar a excessiva centralização na figura do mestre, deslocou o foco para o estudante, reservando ao professor o papel de facilitador da aprendizagem. A ênfase foi posta no processo, e não no produto, com a vantagem de permitir a atuação mais participativa do estudante, embora exista o risco de se descuidar do conteúdo (o produto) nos casos em que debates infindáveis não se apoiam na rica herança filosófica. Postas essas premissas, destaco que o ensino de filosofia se sustenta pela referência à história da filosofia e, por isso, o produto é indispensável, caso contrário a intervenção dos estudantes permaneceria espontaneísta, girando em torno do que eles já sabem. Por sua vez, o educando tem o direito de expressar sua experiência, inicialmente fragmentada e difusa e em seguida reexaminada à luz de textos relevantes, para se apropriar do processo reflexivo. Portanto, os dois aspectos -a filosofia como produto e como processo - são indispensáveis e encontram-se intimamente relacionados. 1. DEFININDO O FOCO PRINCIPAL Diante da importância da história da filosofia, a questão que se coloca é a de definir o foco para abordá-la, ou seja, se escolhemos tomar a história da filosofia como centro ou como referencial. a) História da filosofia como centro Definir o foco da didática de filosofia tendo como centro a história da filosofia não significa privilegiar a simples cronologia, mas descobrir o pensamento do filósofo pulsando nas relações com o mundo em que vivia. Pois o filósofo problematiza a realidade e cria conceitos para tentar compreendê-la. A sequência cronológica nos mostra como aquelas soluções foram retomadas pelos seguidores e contraditadas pelos que a elas se opuseram. E ainda é possível estabelecer ligações fecundas daquelas ideias com os problemas atuais. É bem verdade que não posso concluir haver uma "evolução", um "'progresso", como ocorre com o conhecimento científico, mas sim uma constante e atualizada problematização. b) Foco temático como centro A opção por privilegiar temas ou áreas de investigação filosófica oferece mais liberdade ao professor por se desprender da estrita cronologia. Isso não significa, porém, desprezar a história da filosofia, que permanece como referencial constante dos temas escolhidos. Em ambas as perspectivas - história da filosofia ou filosofia temática -, é indispensável o contato com textos filosóficos ou, quando de outra natureza, lidos de maneira filosófica. O professor Franklin Leopoldo e Silva adverte sobre a importância dessas leituras: Aqui, trata-se da difícil tarefa da leitura dos próprios textos filosóficos. Ninguém ignora as imensas dificuldades envolvidas nessas leituras, o mais das vezes áridas e de difícil compreensão, exigindo em muitas ocasiões um domínio razoável de terminologia específica. Apesar de tudo isso, não há como fugir à necessidade dessas leituras, se se quiser proporcionar ao aluno uma visão razoavelmente precisa do pensamento dos autores tratados e dos diferentes estilos de reflexão, coisas que só de forma um tanto abstrata são apreendidas através da leitura de manuais de história da filosofia. Cabe ao professor recortar textos de maneira a proporcionar uma compreensão mínima do assunto tratado, balanceando este recorte com os critérios da viabilidade didática e da importância estratégica dos textos (1986, p. 161-162). c) Problemas filosóficos Inspiradas no pensamento do alemão Friedrich Nietzsche e do contemporâneo Gilles Deleuze, existem propostas de uma didática do ensino de filosofia com base na concepção de que a filosofia é a atividade de criação de conceitos. Como os conceitos resultam de problemas, conclui-se que o foco das aulas estaria em criar condições para diversas etapas de trabalho visando problemáticas filosóficas que tenham significação existencial para os estudantes. Desse modo, os educandos aprenderiam por si mesmos a exercitar a criação de conceitos. Essa é a proposta defendida pelo professor Silvio Gallo. Embora as orientações anteriores possam levantar a questão da problematização filosófica e da busca do conceito, ele enfatiza procedimentos para valorizar a postura ativa do próprio estudante como condição para evitar o enciclopedismo do ensino tradicional. Em muitos livros didáticos de filosofia para o ensino médio, os autores optam pela abordagem temática. É notório que eles observam que, coerentes com o que já foi dito, a história da filosofia permeia todos os capítulos de suas respectivas obras. A participação ativa do estudante acompanha o processo de ensino-aprendizagem o tempo todo, e não apenas no processo final de avaliação. De fato, ao longo dos capítulos encontram-se diversas propostas, seja nos boxes "Para refletir" e "Para saber mais", seja nas várias imagens comentadas, muitas delas levando a indagações. Quatro infográficos que trazem para a atualidade a discussão de conceitos filosóficos. As sugestões não dispensam a criatividade do professor, que certamente saberá encontrar outros procedimentos para dinamizar sua aula e incentivar a participação dos estudantes. 2. A DISCIPLINA INTELECTUAL O termo disciplina tem vários significados. No entanto, o sentido que nos interessa é o de disciplina intelectual, como caminho para ler ou pensar melhor, o que pressupõe a descoberta pessoal de regras a serem seguidas para atingir os fins propostos. Disciplina intelectual significa o esforço do espírito treinado para a atenção continuada, a concentração na leitura, a capacidade de ouvir o professor, o colega, o autor que "fala" por meio do texto que está sendo lido. Ter disciplina intelectual consiste em desenvolver a capacidade de compreensão do que ouvimos ou lemos antes de nos aventurarmos numa crítica. E, ao discordarmos, fazê-lo de maneira organizada e com base nos critérios adotados. Ser capaz de disciplina é também selecionar leituras, concatenando-as com experiências pessoais, a fim de expor suas reflexões oralmente ou por escrito. Sabemos das dificuldades desse aprendizado. Muitos jovens não conseguem se deter por algum tempo na leitura, porque, pelo menos em um primeiro momento, a leitura consiste em uma atividade solitária em que o desafio do autocontrole depende do esforço de cada um para internalizar procedimentos livremente assumidos, sobretudo quando o interesse pela reflexão for criativamente estimulado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. ASPIS, R. L.; GALLO, S. Ensinar filosofia: um livro para professores. São Paulo: Atta Mídia e Educação, 2009. BECKER, F. A epistemologia do professor: o cotidiano na escola. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. GALLO, S.; KOHAN, W. O. (Orgs.). Filosofia no ensino médio. Petrópolis: Vozes, 2000. GALLO, S . Deleuze e a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. _________. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas: Papirus, 2012. KOHAN, W. O. (Org.). Políticas do ensino de filosofia. Rio de Janeiro: DP6A, 2014. SILVA, F. L. e. História da filosofia: centro ou referencial? In: NETO, H. N. (Org.) O ensino da filosofia no 2° grau. São Paulo: SEAP, Sofia, 1986. NOVAES, J. L. C.; AZEVEDO, M. A. O. de (Orgs.). A filosofia e seu ensino: desafios emergentes. Porto Alegre: Sulina, 2010. PIOVESAN, A. et al. (Orgs.). Filosofia e ensino em debate. Ijuí: Unijuí, 2002. PORTA, M. A. G. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2007. RODRIGO, L. M.. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas: Autores Associados, 2009. Estimule a criatividade, respeite o direito autoral. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva © 2019
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Reflexões sobre a Metodologia do Ensino de FilosofiaEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaREFLEXÃO SOBRE A METODOLOGIA DO ENSINO DE FILOSOFIA REFLECTION ON THE METHODOLOGY OF PHILOSOPHY TEACHING Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)9.8143-8399. Etimologicamente, a palavra método é constituída pelos termos gregos metá, "por meio de", e hodós, "caminho". O método é, portanto, um "caminho por meio do qual" chegamos a um fim, atingimos determinado objetivo. Vejamos qual é o desafio para…Read moreREFLEXÃO SOBRE A METODOLOGIA DO ENSINO DE FILOSOFIA REFLECTION ON THE METHODOLOGY OF PHILOSOPHY TEACHING Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)9.8143-8399. Etimologicamente, a palavra método é constituída pelos termos gregos metá, "por meio de", e hodós, "caminho". O método é, portanto, um "caminho por meio do qual" chegamos a um fim, atingimos determinado objetivo. Vejamos qual é o desafio para o professor estabelecer seu método, tendo em vista os fins pedagógicos do ensino de filosofia. Comecemos comparando a metodologia do filósofo com a do cientista, para constatarmos uma diferença fundamental: os cientistas procuram manter certa '"cumplicidade metodológica", caracterizada pelo que se chamou de paradigma, um modelo comum a todos os cientistas de um determinado campo do saber, durante um período do tempo; já os filósofos não são unânimes quanto às regras do método, de modo que os caminhos percorridos por eles são diferentes, como percebemos no contato com o pensamento de Platão, Descartes, Espinosa, Hegel, Husserl, para citar apenas alguns. Ao escolher o programa das aulas com o conteúdo a ser discutido em cada ano do curso, ocorre algo semelhante: nas disciplinas das áreas de matemática e ciências da natureza, por exemplo, o campo do saber é aceito pela comunidade científica, o que orienta o professor dessas disciplinas na composição daquele conteúdo. Já para a aula de filosofia, existe mais flexibilidade de escolha tanto do conteúdo como da metodologia empregada. A diferença entre o ensino das demais disciplinas e o ensino da filosofia nos coloca a seguinte questão: "Se não existe um método único para orientar os filósofos - já que não há uma filosofia, mas filosofias qual o sentido, aqui, de buscar um método para ensinar a filosofar?". De fato, o professor-filósofo possui sua visão de mundo, como todo ser humano integrado a seu tempo, ciente dos problemas éticos e políticos diante dos quais toma partido. Nesse sentido, ele teria também o seu próprio método, acrescido esse fato ao conhecimento que o professor dispõe de história da filosofia. Contudo, pode-se reavaliar essa objeção se destacarmos a possibilidade de alternativas metodológicas que poderão enriquecer a atividade pedagógica. 1. Riscos de instrumentalizar a filosofia O compromisso do professor com o exercício do filosofar decorre de não ser o seu objetivo encaminhar os alunos na direção "certa" ou "guiá-los como um farol" para que "não se extraviem". A aula de filosofia cria um espaço de discussão de conceitos, exposição plural de ideias e problematização para que permita aos educandos desenvolverem as competências necessárias para pensar por conta própria, ou seja, para a autonomia intelectual. Qual seria, então, o objeto do ensino de filosofia no ensino médio? Dizendo de outra forma, a aula de filosofia teria objetivos além do próprio filosofar? Vejamos alguns exemplos de risco de instrumentalização da filosofia. 1.1 O ensino de filosofia é neutro? Trata-se de uma questão metodológica indagar se seria possível a neutralidade do professor em filosofia. Podemos perguntar: "1Jm professor de filosofia cristão ou ateu, liberal ou marxista, platônico ou nietzschiano pode ou não repercutir nas aulas sua formação e suas preferências?". É ilusório imaginar a total neutralidade nesse campo. Podemos destacar na formação do professor-educador três aspectos importantes: • qualificação: o professor precisa adquirir os conhecimentos indispensáveis ao ensino de um conteúdo específico; • formação pedagógica: a atividade educativa supera os níveis do senso comum para se tornar uma atividade sistematizada; • formação ética e política: o professor educa com base em valores. Assim diz o professor Antônio Joaquim Severino, a propósito da formação de todo e qualquer educador: Sem dúvida, um curso de formação de educadores pressupõe necessariamente um mínimo de habilitação técnica, fundada n um campo de conhecimentos científicos. [...] Também ao educador, como a qualquer outro profissional, impõe-se a exigência da competência, entendida como domínio de conteúdos, dos métodos, das técnicas especializadas relativas à área dos conhecimentos educacionais. [...] Mas, sem prejuízo deste compromisso com a competência, os cursos de formação de educadores têm que assumir um outro compromisso: o de dar sólida formação política, mediante adequada conscientização dos aspectos políticos, económicos e sociais da realidade histórica em que se desenvolvem os processos educacionais nos quais atuará o futuro educador. [...] Todo projeto educacional será necessariamente um projeto politico e não há como evitá-lo. A educação, como qualquer outra atividade humana, não é um processo neutro. Considerá-la assim é reforçar posições politico-ideológicas consolidadas (1966, p. 13-14). (Temas Básicos de Educação e Ensino). No entanto, espera-se que, no ensino médio, o professor não se restrinja às suas preferências, porque a sala de aula é o espaço por excelência do pluralismo e da diversidade. Desnecessário dizer que não é desejável qualquer tipo de proselitismo, que abre caminho para uma doutrinação sectária. Ao contrário, é salutar oferecer um leque maior de concepções filosóficas. Não nos referimos, no entanto, a uma "assepsia" pela qual os alunos não tenham acesso às posições assumidas pelo professor. Evitar a parcialidade em temas socialmente controversos não significa abster-se de opinar, desde que sua posição esteja ancorada em argumentações firmadas na sua experiência com a história da filosofia e aberta ao debate plural. Com essas ponderações, não se pretende indicar regras de conduta ao professor, mas apenas acenar com a necessidade de refletir sobre alternativas entre parcialidade e neutralidade do ensino a fim de não instrumentalizar a filosofia. 1.2 A filosofia “ensina” cidadania? Uma polêmica despertada pelo artigo 2° da LDB de 1996 nos ajuda a refletir um pouco mais sobre o tema do risco da instrumentalização da filosofia: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996). No que se refere ao ensino de filosofia, a pergunta é a seguinte: "Pode-se dizer que um dos objetivos da filosofia no ensino médio é ensinar cidadania?". Esse questionamento não visa negar a importância de educar para a cidadania, mas convém saber como fazê-lo. Posicionando-se sobre esse debate, vejamos o que diz o documento do MEC Orientações Curriculares para o Ensino Médio, elaborado em 2006: Independentemente, neste momento, de qualquer avaliação acerca da concepção que se apresenta na legislação, cabe ressaltar, em primeiro lugar, que seria criticável tentar justificar a filosofia apenas por sua contribuição como um instrumental para a cidadania. Mesmo que pudesse fazê-lo, ela nunca deveria ser limitada a isso. Muito mais amplo é, por exemplo, seu papel no processo de formação geral dos jovens (BRASIL, 2006, p. 25-26). Após ressaltar que preparar para a cidadania é "um papel do conjunto das disciplinas e da política pública voltada para essa etapa da formação", lemos na mesma página do referido documento: A pergunta que se coloca é: qual a contribuição especifica da filosofia em relação ao exercício da cidadania para essa etapa da formação? A resposta a essa questão destaca o papel peculiar da filosofia no desenvolvimento da competência geral de fala, leitura e escrita — competência aqui compreendida de um modo bastante especial e ligada à natureza argumentativa da filosofia e à sua tradição histórica. [realce nosso] Cabe, então, especificamente à filosofia, a capacidade de análise, de reconstrução racional e de crítica a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos quanto textos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania (BRASIL, 2006, p. 25-26). A educação para a cidadania, portanto, não se reduz necessariamente à leitura de textos específicos sobre cidadania, embora estes não sejam desconsiderados. O ensino de filosofia tem como objetivo desenvolver a competência discursivo-filosófica. Não há cidadania se não for alcançada a autonomia do pensar crítico, que, na filosofia, tem o seu diferencial pelo recurso à tradição filosófica. Ao levantar problemas, a filosofia estimula a indagação e fortalece a capacidade de conceituação e argumentação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Ciências humanas e suas tecnologias. In: Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2006. ______________________________________. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio: Bases Legais. Brasília: MEC, 1999. FOLSCHEID, D.; WUNENBURGER, J. J. Metodologia filosófica. São Paulo: Martins Fontes, 1997. GALLO, S. Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas: Papirus, 2012. KOHAN, W. O. (Org.). Políticas do ensino de filosofia. Rio de Janeiro: DP6A, 2014. SEVERINO, J. A. Educação, ideologia e contraideologia. 1ª ed. São Paulo: EPU, 1966. Estimule a criatividade, respeite o direito autoral. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva © 2019
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SOCIOLOGIA DO TRABALHO: O TRABALHO E A SUA EVOLUÇÃO CONCEITUAL AO LONGO DA HISTÓRIA – SOBRE A DEFINIÇÃO DE TRABALHO SOCIOLOGY OF WORK: WORK AND ITS CONCEPTUAL EVOLUTION THROUGH HISTORY – ON THE DEFINITION OF WORK Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. RESUMO Começamos, diminuto, com uma análise da complexidade do conceito de “trabalho”. Apresento ao leitor as várias interpretações que o me…Read moreSOCIOLOGIA DO TRABALHO: O TRABALHO E A SUA EVOLUÇÃO CONCEITUAL AO LONGO DA HISTÓRIA – SOBRE A DEFINIÇÃO DE TRABALHO SOCIOLOGY OF WORK: WORK AND ITS CONCEPTUAL EVOLUTION THROUGH HISTORY – ON THE DEFINITION OF WORK Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. RESUMO Começamos, diminuto, com uma análise da complexidade do conceito de “trabalho”. Apresento ao leitor as várias interpretações que o mesmo termo obteve ante as mais diversas culturas. Para essa análise, gozamos de elementos da história e da filosofia do trabalho, tendo como objetivo supremo, culminar numa perspectiva genérica e integral o suficiente para a compreensão dos mais variados trabalhos humanos existentes na história da humanidade e, com isso, sugerir um novo olhar para a sociologia do trabalho, deixando de lado, juntamente com outras disciplinas científicas, um conceito vago, defasado e reduzido, bem como sem potencialidade para o futuro do trabalho, como um trabalho formal e primordialmente assalariado. Palavras-chave: Conceito, Trabalho; História; Definição. ABSTRACT We begin, diminutive, with an analysis of the complexity of the concept of “”work. I present to the reader the various interpretations that the same term has obtained before the most diverse cultures. For this analysis, we enjoy elements of the history and philosophy of work, having as supreme objective, to culminate in a generic and integral perspective sufficient for the understanding of the most varied human works existing in the history of mankind and, thus, to suggest a new look at the sociology of work, leaving aside, together with other scientific disciplines, a vague, laggard and reduced concept, as well as without potentiality for the future of work, as a formal and primarily salaried work. Keywords: Concept; Work; History; Definition. BASES TEMÁTICAS DESSE TRABALHO O trabalho é um conceito construído socialmente; A modernidade trouxe consigo mudanças significativas quanto à valorização do trabalho; A origem dos mercados de trabalho, juntamente com o surgimento do capitalismo, minimizaram o trabalho como um mero emprego assalariado; O trabalho, no entanto, apresenta múltiplas manifestações nas nossas sociedades. 1. SOBRE A DEFINIÇÃO DO TRABALHO Gostaríamos de começar esse texto com uma introdução à definição de trabalho, uma questão de importância indiscutível, considerando o trabalho não apenas como o objeto de estudo da Sociologia do Trabalho, mas também como um tema de discussão contemporânea que obteve inúmeros conceitos de grandes autores ao longo da história, desde o trabalho como algo “escravista” ao homem, até a supervalorização do mesmo mediante ao homem. O trabalho, nas palavras de Yves Simon (1903-1961) , é um daqueles termos que são precedidos por fatos da vida cotidiana do homem, que se escondem por trás do mistério do habitual ou usual. É um termo, portanto, que possui uma riqueza factual muito superior à qualquer definição que se pode concentrar. Santo Agostinho (354-430), referindo-se ao tempo, sabia o que era, mas se o perguntassem como defini-lo, apontou que não sabia como fazê-lo (“Si nemo ex me quaerat, scio; si quaerenti explicare velim, nescio”), traduzindo (“Se ninguém me perguntar, sei o que é; mas se quiser explicá-lo a quem me perguntar, não sei”). Assim como Agostinho, algo parecido acontece conosco quando nos pedem para definir o trabalho. Assim como diria Werner Sombart (1863-1941), a palavra pode não ter um significado real, apesar de seu uso frequente. E é que o trabalho, como uma atividade criativa, faz parte da história humana desde sua gênese, há mais de 2 milhões de anos atrás, quando o homo habilis mostrou-se capaz de criar conscientemente e por si próprio (e não por mera carga genética como acontece com várias espécies animais) seus próprios instrumentos. O supracitado Yves Simon, escolheu em seu texto mais representativo sobre o tema, uma maneira mais razoável de se definir o trabalho. Começou com o método de caso mais óbvio. Nesse sentido, mostrou que a ambivalência entre o trabalho manual e intelectual que o tempo parece não deixá-lo ir completamente, optara pelos “trabalhadores ao invés dos advogados, comerciantes ou homens de letras”. Essa ordem de prioridade não significa exclusão, mas sim graus de aceitação que considero fazer parte do critério ainda mantido por muitos a respeito do termo “trabalho”. Nesse sentido, argumenta-se que o trabalho manual corresponde a sua ligação direta com a natureza física. O termo “direto” não ignora a mediação de máquinas e ferramentas, apenas comenta seu caráter relacional com a natureza. Logo, o trabalho significa a modificação de algo. Entre as características desse trabalho, ao menos o manual, Simon ressalta que é uma atividade apenas transitória. Isso significa que o trabalho produz um efeito fora do agente que o executa. É o caso de um carpinteiro que age sobre a madeira para moldá-la e transformá-la em um bem de uso posterior como uma mesa, um banco, etc. O mesmo autor ressalta que, se o efeito reside apenas no agente e não em um assunto externo, estaríamos enfrentado algo que chamaríamos de jogo, esporte, exercício ou mesmo a “imitação do trabalho”. Por outro lado, o trabalho é uma atividade útil, isto é, propício para produzir um bem que seja útil e desejável por alguém. Finalmente, a racionalidade é um elemento que distingue o trabalho dos homens em relação com os animais. Essa ideia remonta com Hume (1711-1776), que insistia que o trabalho distingue os homens dos animais. Essa visão também será desenvolvida com Marx (1818-1883), que reproduzimos mediante uma célebre passagem do primeiro livro de O Capital. [...] Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera (MARX, 1996, p. 297/98). Na tradição marxista, foi Engels (1820-1895) quem parou mais nesses questões. Em seu ensaio particular escrito em 1876 e intitulado “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, sintetiza a ideia de que é o trabalho quem cria e faz o homem. Passando para o trabalho intelectual, Simon ressalta que, na verdade, a medida em que contribui para o trabalho manual desenvolvido por outros, a atividade intelectual também poderá ser denominada de trabalho. Avançando nessa concepção do filósofo, posteriormente, ele aponta “para que uma atividade seja qualificada como trabalho, ela deve ser não apenas honesta mas, também, socialmente produtiva”. Essa concepção de utilidade produtiva é a mais generalizada no momento de distinção do trabalho com demais atividades. Como exemplo, podemos citar Friedmann (1902-1977) que aponta que a utilidade é a primeira característica do trabalho humano. E ainda cita economistas como Colson (1853-1939). Ressalta ainda que “o trabalho é o meio pelo qual o homem exerce suas capacidades físicas e morais para a produção de riquezas ou serviços”. Por outro lado, o filósofo Bergson (1859-1941) escreveu que “o trabalho humano consiste em criar utilidade”. Não obstante, Friedmann se pergunta se a teleologia do trabalho é a única variável a ser tomada em conta para a construção da definição do conceito. Nesse sentido, ele aponta a necessidade de se incluir outros fatores relevantes para essa edificação do conceito, uma vez que os animais também “criam utilidade”. Logo, a distinção poderia estar presente no “marco de uma luta social contra a natureza”. Mediante isso, o trabalho seria “essencialmente através da técnica, a transformação que o homem faz da natureza que, por sua vez, reage ao homem modificando-a”. É a mesma visão marxista que fizemos referência anteriormente, segundo o qual o “trabalho é, em primeiro lugar, um processo entre o homem e a natureza, como o qual o homem regula, realiza e a controla por meio de suas ações, sua troca de assuntos com a natureza. Coloca em ação suas forças naturais que configuram sua corporeidade, seus braços e pernas, cabeça e mãos, para que desse modo, possa assimilar, sob uma forma útil à sua própria vida, os materiais que a natureza o proporciona. E ao mesmo tempo que age na natureza externa e a transforma, transforma também sua própria natureza, desenvolvendo, assim, as faculdades antes adormecidas em si”. Inteligentemente, Friedmann foi capaz de assegurar que, no mundo contemporâneo, tal definição é parcial, uma vez que, nem todas as atividades do homem são rurais e manufatureiras, onde a relação-transformação com a natureza é mais evidente. As atividades denominadas terciárias, segundo a tradicional tipologia de Colin Clark (1905-1989), e que ampliarei posteriormente no conceito de trabalho intelectual, também devem ser levadas em consideração. Nesse sentido, Friedmann ressalta que, no século XX, o homem no trabalho não é sempre e menos ainda, no sentido clássico do termo, um homo faber. Todavia, isso força Friedmann a pensar em um conceito diferente de trabalho e, para isso, ele confia que “determinada imposição” é específica e o diferencia de outras atividades que não são trabalho. Dessa maneira, para um trabalho ser tal deverá ter uma quota indispensável de obrigações. Tantas indagações e reflexões acerca do supracitado, nos obriga a perguntamo-nos: a pessoa “trabalha” apenas se for obrigada a fazê-lo? Os animais não trabalham/produzem? Em condições de alienação desenvolvida e, portanto, o homem desconhecendo o fim último do seu labor, não estamos lidando com um trabalho? Quem age sobre a natureza, afim de destruí-la logo, não lhe conferindo valor, está trabalhando? A dona de casa que não produz para o mercado de trabalho não está trabalhando? Todas essas perguntas, se respondidas, fariam menção a um conceito de trabalho que, sem dúvida, ainda não foi unanimemente construído pela humanidade. De fato, quando vemos culturas e povos distintos, notamos que eles lidaram com conceitos muito diferentes sobre o que é e o que não é trabalho. Mesmo dentro dessas culturas – incluindo a nossa- e aqueles tempos - incluindo o nosso -, podemos notar uma pluralidade de abordagens que obedece a perspectivas distintas e, por vezes, conflitantes. Acrescenta-se a isso que, hoje em dia, temos herdado muitos atributos do trabalho das culturas anteriores, o que torna nossa sociedade representada, sociologicamente, por um caldeirão de comportamentos e conceitualizações relacionados ao trabalho, o que dificulta a partir de critérios mais ou menos consensuais. Posteriormente, veremos quais são esses critérios e como eles evoluíram ao longo da história para alicerçar nossa perspectiva contemporânea acerca do trabalho. Hannah Arendt (1906-1975), dado às dificuldades supracitadas, decidiu traçar a etimologia dos termos de trabalho em questão, em sua famosa obra A condição humana de 2007, em que aclara os termos e as distinções entre trabalho e labor. Etimologicamente temos o grego distinguindo a partir de ponein e ergazesthai; o Latim entre laborare e facere ou fabricare; o inglês com labor e work e, por fim, o alemão entre arbeiten e werken. Em todos eles, aponta Arendt, apenas os equivalentes de “trabalho” significam, sem infortúnio, sofrimento e infelicidade. O Arbeiten alemão foi aplicado somente para designar as atividades de campo exercida pelos servos e não ao trabalho dos artesãos, denominado Werken. Outros autores sinalam que em francês Travailler que tem uma substituição do termo “trabalho”, vem do “Tripalium” (do latim “Tripaliare”, uma espécie de instrumento de tortura usado na antiguidade para castigar os escravos). De qualquer forma, todos os supra conceitos não são aceitos por todos os etimologistas. Essas distinções são eloquentes na medida em que reproduzem a visão de diferentes e inúmeras culturas em relação ao trabalho. Nesse sentido, seguindo o pensamento arendtiano, existe um conceito que faz menção à uma avaliação notadamente negativa, e é o que deu origem à conformação do termo “labor”. Por outro lado, a mesma etimologia distingue outro termo (a obra) que representa conotações positivas. O que distingue os dois termos e o que popularizou Locke quando se referiu ao “trabalho de nossos corpos e trabalho de nossas mãos”? A diferença está, de acordo com Arendt, em que o trabalho cria bens fúteis dedicados ao mero consumo promovendo assim, com o passar dos anos, uma sociedade de massas onde desaparecerá o trabalho dito bem feito, típico de artesãos, que criam objetos de uso durável ao longo do tempo, mediante um processo de fabricação e que, em nenhum momento, implica o tédio ou a alienação características de uma sociedade de massa. Os gregos, segundo a pensadora, e então vamos confirmar isso, nunca praticaram essa diferença: tanto o trabalho quanto o artesanato na antiguidade grega eram reservados para os escravos, uma vez que todas as obrigações tinham uma natureza servil. Estes se opuseram à contemplação de quaisquer tipos de atividades. Nos chama a atenção que em nossa sociedade, a partir da idade moderna, houve a inversão da perspectiva acerca do trabalho, isto é, houve uma “glorificação” do mesmo em que foi conferido uma elevação do animal laborans sobre o animal racional. A pensadora alemã ainda nos diz que em vez da distinção trabalho-labor, surge outras que devemos nos atentar, são a relação entre trabalho produtivo e improdutivo; entre trabalho qualificado e não qualificado e, finalmente, entre o já conhecido binômio do trabalho manual-intelectual. A primeira dessas distinções, a relação entre produtividade e improdutividade, foi a mais transcendente e primordial nas origens das ciências econômica e social. Adam Smith (1723-1790) e Karl Marx desprezaram o trabalho improdutivo a tal ponto de não considerar o mesmo como trabalho ao menos que enriquecesse o mundo. Essa distinção se aproxima do supracitado trabalho-labor do princípio. A elevação do trabalho produtivo, acima das visões antigas; é expressamente perceptível em alguns autores clássicos. É o que acontece com as contribuições do filósofo Marx, para quem o trabalho é uma fonte de produtividade (originada na energia humana não exaurida e que produz a mais-valia); com Smith, para quem o trabalho é uma fonte de riqueza; e com Locke, para qual o trabalho é fonte de propriedade. Em relação ao trabalho qualificado e não qualificado, Arendt nos diz que não tem mais sentido na atualidade a sua discussão, uma vez que, esse praticamente desapareceu sob a influência das modernas tecnologias organizacionais. Logo, a distinção entre trabalho e labor estaria obsoleta e abandonada em favor do próprio trabalho. A distinção entre trabalho manual e intelectual tornou-se amplamente interessante desde a perspectiva arendtiana. Com efeito, como cada ocupação deve mostrar sua utilidade para toda a sociedade em seu conjunto, e a utilidade da ocupação intelectual -diz Arendt- chega a ser mais que duvidosa quando confrontada com a glorificação do trabalho, seria mais que natural que os intelectuais quisessem conformar a população laboriosa, algo inimaginável entre os gregos. A isso se soma a demanda que o mundo contemporâneo faz do trabalho intelectual. O pensamento revolucionário do século XX não era alheio a essa distinção. Haya de la Torre (1895-1979), um pensador e líder da oposição peruana do século XX, disse afirmando claramente uma leitura de classe que divide o trabalhador do explorador: “A revolução está em uma distinção que todos podemos fazer por si só: há aqueles que vivem do seu próprio trabalho e há aqueles que vivem do trabalho dos outros. Todos, de acordo com sua consciência, poderá decidir a qual dessas duas classes pertence” (1924, pp. 24-25). (Tradução própria). Se rastrearmos por uma linha histórica, no entanto, veremos como esse trabalho intelectual não foi considerado trabalho, uma vez que partiu do mundo do lazer e da contemplação entre os gregos. Apenas com a “glorificação” do trabalho, antes supracitada, é que o “intelectual” assume uma perspectiva de ser considerado trabalho, não obstante, sob pena de ser considerado improdutivo em uma sociedade onde o valioso parece ser tudo aquilo que tem poder produtivo. Posteriormente, traçaremos uma linha histórica sobre os conceitos e perspectivas acerca dos trabalhos manual e intelectual desde os gregos, passando pela “glorificação” na era moderna até os dias atuais. REFERENCIAL TEÓRICO ARENDT, H. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Posfácio de Celso Lafer. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. AZEVEDO, G. C.; SERIACOPI, R. História geral e do Brasil. Vol. Único. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2008. BAVA, A. C. Introdução a sociologia do trabalho. 1ª ed. São Paulo: Ática, 1990. BOMENY, H. et al. Tempos modernos, tempos de sociologia. 2ª ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2013. BRAICK, P. R.; MOTA, M. B. História: das cavernas ao terceiro milênio. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. FRIEDMANN, G.; NAVILLE, P. Tratado de Sociologia do Trabalho. 1ª ed. São Paulo: Cultrix, 1973. MACHADO, I. J. de R.; AMORIM, H. J. D.; BARROS, C. R. de. Sociologia hoje. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2013. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. 1ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Col. Os Economistas. NOGUERA, J. A. El concepto de trabajo y la teoría social crítica. Barcelona: Papers, 2002. OLIVEIRA, P. S. de. Introdução a sociologia. 24ª ed. São Paulo: Ática, 2001. SIMÓN, Y. R. Work, society and culture. 1ª ed. Nova Iorque: Fordham University Press, 1971. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. TORRE, V. R. H. de la. Moral Revolucionaria. In: Bohemia azul, Lima, n° 7, 1924. Estimule a criatividade, respeite o direito autoral. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva © 2019
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Mudanças, Revoluções e suas ImplicaçõesEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaMUDANÇAS, REVOLUÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES CHANGES, REVOLUTIONS AND THEIR IMPLICATIONS Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE - [email protected] / [email protected] e WhatsApp: (82)98143-8399 PREMISSA A mudança social é um tema presente na Sociologia desde o seu início. Seria possível dizer que o surgimento da Sociologia está vinculado à discussão sobre as transformações sociais, ou seja, falar sobre a ciência da sociedade é falar sobre esse tema. Por isso mesmo, a…Read moreMUDANÇAS, REVOLUÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES CHANGES, REVOLUTIONS AND THEIR IMPLICATIONS Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE - [email protected] / [email protected] e WhatsApp: (82)98143-8399 PREMISSA A mudança social é um tema presente na Sociologia desde o seu início. Seria possível dizer que o surgimento da Sociologia está vinculado à discussão sobre as transformações sociais, ou seja, falar sobre a ciência da sociedade é falar sobre esse tema. Por isso mesmo, abordar o tema da mudança social pressupõe lidar com a questão das resistências às possíveis transformações. Quando uma comunidade ou uma sociedade se depara com mudanças, de origem interna ou externa, há sempre resistência, pois há uma espécie de acomodação ao que já existe. Assim, as relações de poder, por exemplo, podem se modificar, num complexo jogo de resistência contra o poder e desejo de conquistá-lo ou ampliá-lo. Desse modo, confrontos e conflitos compõem o itinerário das mudanças e revoluções sociais. Aqui serão objetos de análise dois grandes tipos de mudanças sociais: aquelas que, por seu caráter universal e multifacetado, afetaram toda a humanidade e aquelas de conotação sociopolítica, que atingiram determinadas sociedades e, depois, tornaram-se referência para outras mudanças. Serão, portanto, abordadas as revoluções agrícola e industrial e as recentes transformações e os episódios mais marcantes das revoluções políticas contemporâneas em todo o mundo. A REVOLUÇÃO AGRÍCOLA Esta revolução transformou radicalmente a forma de produção de alimentos das populações humanas. A expressão “revolução agrícola” foi criada pelo arqueólogo australiano Gordon Childe (1892-1957). Ela também é chamada de “revolução do Neolítico”, pois foi o período em que a humanidade desenvolveu a agricultura e as técnicas de cultivo de alimentos, como também aprendeu a domesticar e criar animais. Isso alterou o processo de obtenção de alimentos, pois as populações deixaram de ser coletoras e caçadoras e passaram, paulatinamente, a ter uma relação diferenciada com animais e plantas. Essas mudanças não ocorreram ao mesmo tempo em todos os lugares. Elas se iniciaram no Oriente Médio (há 9 ou 10 mil anos). Depois, no Egito (9 mil), na Índia (8 mil), na China (7 mil), na Europa (6,5 mil), na África tropical (5 mil) e na América, principalmente no México e no Peru (4,5 mil anos), através do deslocamento de hordas humanas ou movimentos independentes. O processo foi muito longo. Inicialmente, percebeu-se que os grãos que eram coletados para alimentação poderiam ser enterrados, isto é, “semeados”, a fim de produzir novas plantas iguais às que eram coletadas anteriormente. Assim, foi possível produzir trigo, cevada, milho, arroz e tubérculos (vários tipos de batatas); posteriormente, também árvores frutíferas. A partir de então, em consequência da experiência e da observação do que acontecia no meio ambiente, passou-se a selecionar sementes e outras árvores para plantio. Através da experiência prática, desenvolveu-se um conhecimento dos diferentes tipos de solo e de plantas, o que ajudou a aprimorar as técnicas de plantio e colheita, incluindo a observação da melhor época para o desenvolvimento de cada uma das culturas. Determinante para a fixação de grupos humanos (sedentarização) há milhares de anos, a agricultura ainda é a principal atividade de parte expressiva da população mundial. Essa atividade é a eminente na questão de desenvolvimento do Brasil, uma vez que o setor a cada ano emprega mais, a cada ano produz mais e a cada ano supera os índices de lucratividade anteriores, sendo, por fim, o baú do tesouro brasileiro. Voltando para a Revolução, outro elemento essencial desse processo foi a domesticação de animais. Junto com a agricultura, esse foi um passo muito importante para a alteração do modo de vida da humanidade, já que eliminou a necessidade do deslocamento para obtenção da carne e das peles necessárias ao conforto e também do leite dos rebanhos. A domesticação deve ter surgido espontaneamente em vários locais, resultado do processo de aproximação e observação dos animais no decurso das caçadas. O primeiro animal domesticado foi o cão; na sequência, animais para a alimentação e tração, como a cabra, o carneiro, o boi e o cavalo. Paralelamente a essas mudanças, alguns instrumentos foram sendo confeccionados, como a foice, o arado, a roda e outros que eram utilizados para arar a terra e até na colheita: novas tecnologias para um processo revolucionário. Esse processo intenso de subdivisões e deslocamentos provocou uma onda de difusão da agricultura e da atividade pastoril através das migrações. Imagine-se por um momento vivendo em grupos ou fazendo parte de hordas humanas, reproduzindo-se e subdividindo-se, migrando para outros locais, plantando e desenvolvendo a criação de animais em vários lugares, deslocando-se à procura de novos espaços e invadindo territórios de outros grupos, convivendo entre si ou em conflito, aprendendo e ensinando aos grupos com os quais estabeleceram alguma comunicação e submetendo-se ou sendo submetidos pelos habitantes com quem entraram em contato. Esse é apenas um pequeno esboço do que ocorreu nesse processo de transmissão e absorção de novas formas revolucionárias de viver. A grande revolução agrícola (que foi, em essência, a síntese de centenas de revoluções localizadas no tempo e no espaço e marcadas pela diversidade de ações e resultados) foi aquela que alterou de fato e profundamente toda a humanidade. Mas ela continua até hoje, uma vez que as transformações que ocorrem na produção de alimentos não estacionaram e mantêm um processo de mudança contínuo. Entretanto, existem ainda formas de organização social, como a de alguns poucos povos caçadores e coletores, que utilizam a agricultura e a domesticação de animais à moda antiga. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL O que se chama de Revolução Industrial na Europa nos séculos XVIII e XIX não é uma revolução puramente industrial, nem começou repentinamente nesses séculos. Foi um processo lento de transformação que se desenvolveu desde o século XV e atingiu grandes setores da produção, como o mineiro, o metalúrgico e o têxtil. A expansão da produção nesses setores envolveu a invenção de novas técnicas e máquinas, além de uma estrutura (a fábrica) que permitisse a concentração de equipamentos e trabalhadores num só lugar. Situadas quase sempre nas cidades, as fábricas requeriam muita mão de obra. Atraindo as pessoas que deixavam o campo em busca de trabalho, as cidades cresceram vertiginosamente. Transformava-se, assim, a forma de produzir bens e serviços, alterando as formas de viver e revolucionando as relações sociais. Mas isso não aconteceu de maneira uniforme no mundo todo. Para que se tenha ideia da multiplicidade das mudanças trazidas pela urbanização e pela industrialização, a Inglaterra conheceu esses fenômenos típicos da modernidade em torno de 1860; o Brasil, por volta da década de 1930; a China, a partir do final do século XX. A Revolução Industrial começou no setor têxtil, na produção da lã e do algodão, com o uso das máquinas de fiar conhecidas como Spinning Jenny (1764) e Spinning Mule (1789), inventadas, respectivamente, por James Hargreaves e Samuel Crompton. Nessa época, a produção era feita manualmente, com rocas de baixíssimo rendimento. Pode-se dizer que, paralelamente à Revolução Industrial, houve na Europa uma segunda revolução agrícola. Ela teve início com a mudança na estrutura da propriedade rural, quando os proprietários de terras se juntaram a ricos comerciantes das cidades interessados em investir na agricultura e promoveram a introdução de novas técnicas de cultivo, entre as quais a rotação de culturas sem pousio (parcela de terras em repouso), de forma a retirar o máximo proveito das terras; a drenagem de terras pantanosas; o abate de florestas; e a ocupação de terras comunais. No intuito de melhorar a produção, promoveram a seleção das espécies mais produtivas, de sementes e o apuramento dos melhores rebanhos. Além disso, foram introduzidas máquinas e houve melhora nos transportes no espaço agrário. Isso permitiu relativa abundância em produtos agrícolas essenciais (carne, leite e derivados, legumes, tubérculos, cereais etc.), que juntamente com a indústria extrativa do sal, indispensável para a conservação dos alimentos, propiciou a melhoria gradual na dieta alimentar. Essas mudanças e a diminuição crescente da mortalidade propiciaram o que se pode chamar de revolução demográfica. Para se ter uma ideia, na Inglaterra, onde a Revolução teve início, a população em 1750 era de 6,5 milhões; em 1801 passou a 16,3 milhões e, em 1851, somava 27,5 milhões. Isso exigiu um aumento da produção e de matérias-primas vegetais e animais (transformadas nas fábricas). No século XIX, outras transformações ocorreram em face da emergência de novas fontes energéticas (eletricidade e petróleo) e de novos ramos industriais, o que resultou em alteração profunda nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Todas essas transformações propiciaram mudanças nas comunicações (telégrafo e telefone), nos meios de transporte (navio e trem a vapor, automóvel) e também em todas as esferas da vida (familiar, educacional, jurídica, governamental etc.). Além disso, provocaram o surgimento de inovações na arte, na literatura e nas ciências. AS REVOLUÇÕES CONTEMPORÂNEAS Há uma grande transformação em curso nas sociedades humanas. Os grandes artífices dessas mudanças cada vez mais radicais são as inovações tecnológicas e os resultados alcançados pela evolução dos processos científicos. É difícil demarcar espaços que estejam imunes a essa era de revoluções múltiplas e de largo alcance: de algum modo, todas as culturas estão imersas nessa nova fase da aldeia global, em que tudo e todos parecem estar condenados à interconexão e às novas realidades na microeletrônica, na genética de laboratório e na nanotecnologia, para citar apenas alguns dos “admiráveis mundos novos”. A microeletrônica revolucionou a escala produtiva de bens e serviços mediante o desenvolvimento de sistemas computacionais. Provocou uma mudança significativa também nos meios de comunicação. O uso de celulares, smartphones, computadores pessoais e portáteis, tablets e outros tantos equipamentos está alterando a forma de as pessoas e organizações públicas e privadas se comunicarem e se estruturarem. Novos componentes eletrônicos produzidos com base na nanotecnologia poderão revolucionar o que hoje conhecemos por computação, permitindo a produção de computadores pessoais com muitos processadores, extremamente rápidos e com enorme capacidade de armazenamento. No futuro, os nanoprocessadores provavelmente estarão presentes na maioria dos objetos que utilizaremos. Por meio da microeletrônica e da nanotecnologia, o nível de desenvolvimento da bioengenharia (ou engenharia genética) beirará a ficção científica. A manipulação genética, com o aprofundamento do conhecimento do DNA humano, de plantas e animais, será ampliada. As pesquisas mais divulgadas nessa área se referem às possibilidades de intervenção no campo da Medicina, como as vinculadas à utilização de células-tronco, à produção de vacinas e medicamentos específicos, à produção sintética de elementos essenciais à saúde humana (como a insulina e a albumina), à análise genética das doenças e à consequente terapia gênica, aos transplantes, ao mapeamento genético dos indivíduos, à formação de bancos de genoma de espécies em extinção, à recuperação de DNA de espécies extintas e até à clonagem de animais. Essas transformações podem gerar, entretanto, novos desafios e suscitar questões atreladas, por exemplo, à privacidade dos indivíduos, ao acesso desigual à tecnologia, aos riscos ambientais (aos seres vivos, incluindo os humanos), às relações sociais e de trabalho, às mudanças de valores e normas sociais e, principalmente, às possibilidades de maior liberdade e igualdade ou maior opressão/controle, além de maior ou menor desigualdade social. A Sociologia, que, como vimos, nasceu na Europa no contexto de grandes transformações, propõe debates sobre essas novas tecnologias e as mudanças sociais provocadas pelo uso delas. São necessários novos olhares, novos conceitos e teorias para dar conta desses elementos que estão afetando a vida humana em todos os sentidos. A utilização de novos saberes e tecnologias alterará a pesquisa em todas as ciências, permitindo mais aprofundamento, através de novos equipamentos, com modificações sensíveis nos modos de conhecer o mundo. A aplicação e o desenvolvimento científicos exercerão impacto na maioria das indústrias existentes, em áreas como as de sistemas de construção, transportes, comunicações, maquinário agrícola, e, é claro, na prestação de serviços. Será possível fabricar materiais cem vezes mais resistentes que o aço, carros cuja lataria não estará sujeita a riscos, espelhos antiofuscantes, aviões mais leves, jornais eletrônicos de plástico semelhante ao papel, tintas que mudam de cor etc. No cotidiano, roupas que não amassam ou que não cheiram mesmo depois de absorver muito suor poderão ser compradas em supermercados; do mesmo modo, tecidos que controlam a temperatura do corpo, adaptando-o confortavelmente à temperatura do ar, serão vendidos a preços acessíveis em toda parte, ao lado de vestimentas que auxiliam no emagrecimento e em diversas atividades orientadas por médicos e profissionais de saúde e esporte. O futuro, então, logo trará roupas impermeáveis, inodoras e que não mancham, as chamadas roupas interativas. Esses são exemplos simples do que já existe, mas ainda não em escala industrial para consumo massivo. A presença de robôs no processo produtivo já é uma realidade insofismável e pode-se prever que em pouco tempo eles farão serviços domésticos e outras várias atividades que hoje são desenvolvidas por pessoas de carne, osso e alma. Veículos autônomos, ou os automóveis que andam sozinhos, estão sendo desenvolvidos e alguns já são utilizados para a alegria e o espanto de muita gente. Na área ambiental, a revolução tecnológica poderá ocorrer em muitos campos. Ganharão muita visibilidade o uso de materiais alternativos e a utilização do que hoje chamamos de resíduos industriais ou domésticos na fabricação de mercadorias. Todos esses resíduos, que hoje são descartados, inclusive os chamados não recicláveis, podem passar a ser matérias-primas para diferentes setores da economia. A máxima de Lavoisier (1743-1794) seria então plenamente consagrada: Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Nem tudo são flores, entretanto. Acesso desigual aos frutos dessas mudanças; prejuízos ao meio ambiente (riscos aos seres vivos, incluindo os humanos), às relações sociais e de trabalho, aos valores e normas sociais e, principalmente, às possibilidades de maior liberdade e igualdade ou mais opressão e controle, além de maiores ou menores desigualdades sociais. Um conjunto de situações novas para as quais ainda não se tem respostas pode surgir da expansão tecnológica e do desenvolvimento da ciência. Assim como a energia atômica trouxe benefícios extraordinários e malefícios estarrecedores à humanidade, novas tecnologias e inovadores processos científicos poderão trazer grandes soluções e reviravoltas nas formas de ser e de viver, bem como enormes e imprevisíveis prejuízos e destruições. BREVE CONCLUSÃO As revoluções do passado e do presente se estenderão ainda por muito tempo, uma vez que são expressões da atividade humana, a qual transforma o meio e é por ele transformada. Não há transformações que não retenham algo do passado e, ao mesmo tempo, delineiem alguns traços do futuro, pois as mudanças, por mais radicais que sejam, sempre conservam algo. Além disso elas não ocorrem em todos os lugares nem atingem a todos da mesma forma, deixando abertas as portas da história. Essa imprevisibilidade da ação humana, calcada no tempo anterior e orientada para os dias posteriores, dá graça e mistério à existência, tornando a vida em sociedade um desafio de conquistas fabulosas e um palco de derrotas lampejantes. REFERENCIAL TEÓRICO ALMOND, M.; BATISTA, G. O livro de ouro das Revoluções. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. TOMAZI, N. D.; ROSSI, M. A. Sociologia para o ensino médio. Vol. Único. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Todos os direitos reservados para Emanuel Isaque Cordeiro da Silva © 2019 Estimule a criatividade, respeite o direito autoral.
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SOCIOLOGIA: TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS SOCIOLOGY: SOCIAL AND POLITICAL TRANSFORMATIONS Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE - [email protected] e [email protected] e WhatsApp:(82)98143-8399 1. PREMISSA Muitas foram as transformações sociais e políticas vividas em nossa sociedade. Algumas foram violentas e transformaram radicalmente as sociedades. Outras levaram à independência do jugo colonial ou neocolonial. Há também aquelas que brotaram de acordos en…Read moreSOCIOLOGIA: TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS SOCIOLOGY: SOCIAL AND POLITICAL TRANSFORMATIONS Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE - [email protected] e [email protected] e WhatsApp:(82)98143-8399 1. PREMISSA Muitas foram as transformações sociais e políticas vividas em nossa sociedade. Algumas foram violentas e transformaram radicalmente as sociedades. Outras levaram à independência do jugo colonial ou neocolonial. Há também aquelas que brotaram de acordos entre classes dominantes ou que se constituíram movimentos liderados pela burguesia ascendente. Merecem destaque aquelas que eclodiram no século XX, consideradas populares por terem registrado significativa participação do povo nos países onde ocorreram. 2. TRANSFORMAÇÕES LENTAS E GRADUAIS As transformações em algumas sociedades foram lentas e graduais, permeadas por acordos, conciliações, reformas. Em alguns momentos houve até atos violentos, coordenados por quem estava no poder e sempre em acordo com as novas classes dominantes e os grupos mais poderosos dos momentos históricos precedentes. São exemplos desse tipo de mudança social o que aconteceu na Inglaterra, no Japão e na Alemanha. A Revolução Inglesa foi um movimento em que uma parcela dos senhores de terras e comerciantes se insurgiu contra o poder absoluto do rei e de seus associados (principalmente a nobreza e o clero, que nada produziam). Iniciada em 1642, tinha como objetivo limitar e condicionar esse poder a determinadas funções, impedindo o controle do comércio e da indústria e a criação de impostos pelo rei sem autorização do Parlamento. Após prolongado conflito civil, as forças políticas que lutavam contra o absolutismo derrubaram a monarquia, em 1649, e proclamaram a república. Esse movimento tornou possível a eliminação dos últimos laços que prendiam os ingleses a uma sociedade feudal. A monarquia foi restaurada em 1660, mas o rei e os nobres perderam os poderes anteriores. O Parlamento havia adquirido força política e dividia o poder com a monarquia. Era o grande passo para que o mercantilismo se expandisse e, como consequência, o processo de industrialização se desenvolvesse a partir do século seguinte. O fundamental nesse processo foi a implantação de uma série de direitos que hoje são considerados universais. Mas foi um movimento em um único país e alterou substancialmente a situação apenas em uma sociedade. Só posteriormente teve repercussão maior. A Inglaterra pode ser considerada o paradigma das transformações lentas e graduais mesmo tendo passado por algumas revoltas e irrupções políticas, uma vez que conseguiu manter a monarquia e também um sistema político e jurídico estável por muito tempo. Pode-se dizer que a Revolução Inglesa é resultado de um acordo entre as várias classes dominantes existentes. Constituiu-se, assim, uma integração cultural em torno da ideia de nacionalidade. Na Alemanha e no Japão também aconteceram mudanças políticas decorrentes de um pacto social entre as classes dominantes: os grandes proprietários de terras e a burguesia industrial e comercial emergente. Mesmo com as características próprias de cada país, o que houve foram alterações políticas e econômicas necessárias para o desenvolvimento de sociedades industriais modernas. Apesar de mudanças significativas nos processos e nas relações de produção, houve poucas alterações na estrutura do Estado e os detentores do poder político continuaram os mesmos. Assim, os proprietários da terra não perderam sua fonte de poder e continuaram conduzindo de forma compartilhada com a nova burguesia os destinos do Estado nacional. No Japão, o período entre o início do século XVII até a segunda metade do século XIX (1600-1868) foi marcado por um governo autoritário assentado sobre a grande propriedade rural feudal. Esse período ficou conhecido como Era Xogunato Tokugawa, família que tinha apoio dos famosos guerreiros samurais. A chamada Revolução ou Restauração Meiji refere-se ao período de renovações políticas, religiosas e sociais profundas que ocorreram no Japão entre 1868 e 1900. É também chamado de “Renovação”, já que transformou o Império japonês num estado-nação moderno, o que levou o país a entrar na corrida imperialista do século XIX, principalmente na Ásia, tendo como fundamento o domínio econômico e o expansionismo militar. Essa reforma propriamente dita, apesar de ter assistido a revoltas e batalhas, não resultou na abolição das relações de produção no campo nem na derrubada da monarquia absoluta. Nesse contexto é que os antigos samurais e a pequena nobreza, composta de classes instruídas e já comandantes da burocracia estatal e de parte do exército, passam a ser uma força significativa no Estado japonês. Pode-se dizer, portanto, que houve uma “revolução conservadora” ou apenas uma conciliação de interesses e objetivos que visava manter os mesmos grupos e classes no comando das ações do Estado. Somente depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é que se iniciou no Japão a reforma agrária, o que alterou profundamente a estrutura de propriedade da terra. Na Alemanha, as mudanças passaram pelo processo de unificação de muitas unidades políticas, territoriais e culturais. A Alemanha de hoje é fruto de vários movimentos militares, políticos e culturais. Entre 1860 e 1871, foram incorporados novos territórios, demonstrando a força dos exércitos da Prússia – antigo Estado que fazia parte da então Alemanha pré-unificação –, concomitante à ideia de um inimigo externo e comum a todos que desejavam a unificação. Como consequência dessas necessidades, perpetrou-se guerra contra a Dinamarca, depois contra a Áustria e, finalmente, contra a França, em 1870, o que concorreu para o aumento do território. Com a vitória na Guerra Franco-Prussiana, em 1870, a Prússia conseguiu unificar a Alemanha. O rei Guilherme I foi coroado kaiser (imperador) da Alemanha e considerado o líder máximo do país. Mas, mesmo quando o Império alemão se constituiu como tal, ainda existiam 22 estruturas políticas e territoriais diferenciadas, como principados, ducados, grão -ducados, grandes reinos (como os da Baviera e da Prússia) e até cidades livres (como Bremen e Hamburgo). Apenas depois de 1870 foram possíveis a unificação nacional e a transformação da Alemanha em um país industrializado e desenvolvido, uma vez que, além das questões militares, houve outras ações urgentes para que a união se efetivasse. Otto von Bismarck – chefe de governo que estava à frente do processo de unificação alemã e uma das figuras mais proeminentes da política europeia do século XIX – desenvolveu um intenso projeto educacional que incluía um programa curricular unificado, no qual a língua alemã era obrigatória. Além disso, passaram a ser produzidas histórias da nação germânica atreladas a uma formação religiosa protestante única, cujo objetivo era unir a língua, a história e a religião e identificá-las com o povo alemão, rejeitando a diversidade e postulando a falsa ideia de uma unidade alemã indissolúvel e harmônica. Assim, o pacto político orquestrado no interior dos Estados nacionais alemão e japonês aprofundou os laços políticos entre os grandes proprietários de terras e a burguesia, excluindo os operários e os camponeses do direito pleno à democracia e à cidadania, bem como ao acesso à terra. A burguesia não tinha poder para fazer a transformação, e os grandes proprietários não tinham como manter as coisas como estavam. Esse processo de modernização conservadora conduziu esses países à formação de uma sociedade industrial modernizada, mas cuja estrutura política se manteve conservadora. 3. REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS ANTICOLONIAIS O rompimento com os laços coloniais também configura um conjunto de movimentos em prol de mudanças sociais. Mais do que isso: como resultado de profundas conscientizações políticas por parte de populações historicamente exploradas e segregadas, esses movimentos anticoloniais estabelecem de modo bastante peculiar um novo patamar para o conceito de revolução. 3.1 Revoluções no continente americano pela independência A Revolução Americana, ocorrida em 1776, caracterizou-se como uma luta contra o colonialismo inglês. O movimento teve grande repercussão, principalmente nos países da América Latina, pois provocou o rompimento dos laços coloniais. Teve influência significativa também por pregar a liberdade individual como um dos pilares da sociedade que se formara na América do Norte. O Boston Tea Party foi um protesto de colonos ingleses considerado fundamental para a deflagração da Revolução Americana, o movimento de independência dos Estados Unidos. Na América do Sul, Simón Bolívar foi sumamente decisivo para a conquista da independência da Venezuela, proclamada em 1811, mas só consumada com a tomada de Caracas e outras regiões de importância estratégica que permaneciam até 1821 sob domínio da coroa espanhola. A maioria dos países da América Latina e do Caribe, seguindo o exemplo do que havia acontecido nos Estados Unidos e sob influência da Revolução Francesa, iniciou as lutas pela independência no início do século XIX, cujos desdobramentos se estenderam até 1820, aproximadamente. Foram necessárias muitas batalhas para que a Espanha aceitasse os termos de independência desses países. Após a emancipação, os países se organizaram politicamente na forma de repúblicas, abolindo a escravidão e o trabalho servil. O Brasil, antiga colônia portuguesa, foi o único país que manteve a monarquia e a escravidão. Com o fim dos laços coloniais, os países que obtiveram a liberdade política assumiram uma nova forma de dependência econômica, agora em relação à Inglaterra, posto que o interesse do capitalismo britânico era conseguir manter o fornecimento de matérias-primas e ampliar o consumo de seus produtos manufaturados em território latino-americano. 3.2 Independência das colônias no século XX A segunda fase do processo de descolonização desenvolveu-se no contexto do neocolonialismo, após a Segunda Guerra Mundial e até a última parte do século XX. Os palcos principais foram a África e a Ásia. O continente africano, no final do século XIX, tinha sido loteado pelos países europeus (com exceção de Portugal, que possuía colônias desde o século XVI), que buscavam matérias-primas para o desenvolvimento de suas indústrias e ampliação do mercado consumidor para os seus produtos manufaturados. Assim, a maior parte das estruturas políticas tribais foi sendo gradativamente destruída, bem como as formas de vida e de produção existentes. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, muitos povos africanos se organizaram e passaram a lutar por sua independência, criando, assim, uma série de novos países. A independência, no entanto, não significou autonomia, uma vez que os novos países surgidos após a descolonização enfrentaram problemas para promover o desenvolvimento econômico e social. As heranças deixadas pelos colonizadores, representadas tanto por uma economia sempre dependente do exterior, exportadora de matéria-prima e importadora de gêneros de primeira necessidade quanto pelo baixo nível educacional e técnico da população, impediram os projetos de desenvolvimento e provocaram a continuidade da dependência através do endividamento, mantendo esses países subordinados aos interesses das antigas metrópoles. Na Ásia, alguns países obtiveram sua independência mediante lutas ou acordos com as potências colonizadoras. Aqueles que foram invadidos durante a Segunda Guerra Mundial pelo Japão aproveitaram, depois da derrota nipônica em 1945, para iniciar ou retomar os vários movimentos pela independência. Do mesmo modo, o Vietnã, o Laos e o Camboja se tornaram independentes da França, e a Indonésia, da Holanda. Em alguns casos, houve acordo, como a Malásia e Cingapura, que conseguiram a independência da Inglaterra nos anos de 1957 e 1965, respectivamente. O caso da Índia – emblemático – reúne movimentos por independência e acordos com o país colonizador. A presença dos ingleses na Índia data do século XVII e foi se ampliando com o tempo. A dominação foi facilitada pela inexistência de um governo centralizado e também pela diversidade religiosa e de castas, o que não contribuía para uma visão de unidade nacional. Em 1920, logo após o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), surgiram movimentos pela independência, os quais, ao final da Segunda Guerra, quando o declínio do poder econômico e militar da Inglaterra ficou evidente, foram muito bem -sucedidos em suas lutas. Assim, a dominação na Índia não pôde ser mantida e em 1947 os ingleses reconheceram a independência indiana, que, em função das rivalidades religiosas, deu origem à União Indiana, com maioria hinduísta, e à Liga Muçulmana, com maioria islâmica, que veio a constituir o Paquistão (Ocidental e Oriental). O Ceilão, de maioria budista, tornava-se também independente, passando a ilha a se denominar Sri-Lanka. Posteriormente, o Paquistão Oriental se tornou o atual Bangladesh. 4. REVOLUÇÕES RADICAIS E POPULARES Muitas foram as revoluções radicais e populares. Aqui será abordada apenas a Revolução Francesa. 4.1 Revolução Francesa A Revolução Francesa eclodiu em 1789 como um movimento contrário ao poder monárquico e aos resquícios do feudalismo na França. Foi exemplo para a luta em várias nações do mundo ocidental contra os regimes absolutistas e pela eliminação da monarquia, uma vez que essas formas e sistemas de governo significavam opressão à maioria da população. Além disso, com a revolução foi alterada profundamente a estrutura da propriedade rural, eliminando entraves para o desenvolvimento de uma nova sociedade. Entretanto, o fato mais importante foi que os revolucionários lutaram em nome das pessoas (apesar de não incluir as mulheres), e não só dos franceses, o que transformou o movimento em paradigma das revoluções posteriores. 5. REVOLUÇÕES POLÍTICAS NO SÉCULO XX No século XX ocorreram várias experiências revolucionárias. Entretanto, foram poucas as que envolveram os mais explorados e, portanto, a maioria da sociedade. Duas delas serão aqui tratadas. 5.1 Revolução Mexicana A Revolução Mexicana começou em 1910 e foi uma resposta dos explorados no campo e nas cidades a uma situação insustentável de desigualdade e de exploração. Havia no México uma grande desigualdade social: 1% da população possuía 97% das terras, o que gerava uma situação de exploração e miséria muito grande. Três grandes grupos, representando classes sociais diferentes, participaram do movimento: o dos camponeses, que eram a maioria (seus líderes mais conhecidos foram Pancho Villa no norte e Emiliano Zapata no sul); o dos trabalhadores urbanos organizados em torno da Casa del Obrero Mundial (COM), de orientação inicialmente anarquista; e o da burguesia urbana e rural, liderada por Francisco Madero. Os camponeses exigiam o fim da concentração e a redistribuição das terras. A burguesia dissidente exigia que fossem definidas regras claras sobre as eleições para que se implantasse uma democracia de tipo liberal. Os trabalhadores urbanos, por sua vez, que não tinham nenhum direito nem liberdade de expressão e reunião, exigiam direitos garantidos pela Constituição. O movimento estendeu-se até 1917, quando foi promulgada uma nova Constituição para o México. Várias reivindicações dos camponeses foram atendidas, mas todas sob o controle do Estado. Grandes propriedades, principalmente as da Igreja, foram expropriadas e repartidas. Possibilitou-se a manutenção das terras comunais na forma de cooperativas, mas a reforma agrária (divisão dos latifúndios) propriamente dita não foi realizada e a restituição das terras usurpadas não se efetivou. Assim, os camponeses pouco tiveram a comemorar. Aos trabalhadores urbanos garantiu-se uma série de novos direitos, como jornada máxima de oito horas e a regulamentação do trabalho das mulheres e de menores, do trabalho noturno, do repouso semanal, das férias e das horas extras. Além disso, foram regulamentados a liberdade de organização sindical e o direito à greve, entre outros direitos. A burguesia industrial, os banqueiros, os grandes comerciantes e proprietários de terras, em nome da “revolução mexicana”, constituíram o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que se manteve no poder de 1929 até 2000. 5.2 Revolução Russa Enquanto os mexicanos conquistavam sua Constituição, na Rússia a sociedade fervilhava. A maior parte dos russos, tanto no campo como na cidade, vivia em condições precárias e, desde 1905, lutava pela construção de uma nova ordem social. A Revolução Russa de 1917 começou com a derrubada do czar, em fevereiro, e culminou com a tomada do poder pelos bolcheviques, liderados por Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin, e por Leon Trotsky, em outubro. O movimento teve como base os trabalhadores urbanos e os soldados. Os revolucionários organizavam-se em conselhos populares que expressavam a proposta de uma sociedade que se orientasse pela vontade da maioria. Esses conselhos populares eram chamados de sovietes e constituíram o fato mais inovador da revolução. Após a tomada do poder, com a constituição de uma nova estrutura estatal, os sovietes perderam pouco a pouco sua força. O termo, no entanto, ficou gravado no nome da unidade política e nacional formada em consequência da revolução: República Soviética. A situação na Rússia, que era terrível por causa da Primeira Guerra Mundial, tornou-se ainda pior no período de afirmação da revolução. Mesmo assim, a propriedade privada foi extinta e procurou-se alterar a estrutura estatal e de serviços, como a educação, a saúde, o transporte ferroviário e o sistema bancário. A grande dificuldade foi mudar a estrutura da propriedade rural, que ainda era medieval, e a condição dos camponeses, precária em todos os sentidos. Assim, foi necessário primeiro privatizar a terra para depois torná-la coletiva. Isso foi possível com a concentração do poder pelo Partido Comunista e pelo Estado. Em 1922 foi criada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), formada por 12 repúblicas, todas sob o comando político e militar da República Soviética Russa. Depois da Segunda Guerra Mundial, mais três repúblicas foram incorporadas à URSS. Em 1924, com a morte de Lênin, Josef Stálin assumiu o comando da URSS e aprofundou a concentração do poder no Partido Comunista e no Estado, eliminando a oposição. A partir de então, uma revolução que nascera com o propósito de transformar o sistema anterior e garantir a liberdade para todos gerou uma sociedade que teve parte dos problemas econômicos resolvidos, mas à custa da submissão a um Estado autoritário que oprimiu a maioria da população. A União Soviética desmoronou na década de 1980, tendo seu fim assinalado pela queda do Muro de Berlim, em 1989. Deixou oficialmente de existir em dezembro de 1991. Além da experiência russa, outras revoluções populares de orientação socialista ocorreram no século XX. Podemos citar alguns exemplos: na China, em 1949, a revolução liderada por Mao Tsé-Tung; em Cuba, em 1959, o movimento revolucionário encabeçado por Fidel Castro e Che Guevara; no Vietnã, de 1945 a 1954, o movimento liderado por Ho Chi Minh. 5.3 Um breve balanço Como se pode perceber, uma coisa é o início de uma revolução, com seus propósitos transformadores; outra é a situação pós-revolucionária ou a institucionalização da revolução, em que o momento inicial de tomada do poder e alteração das estruturas políticas, econômicas e sociais precisa ser deixado para trás. É necessário, então, criar novas instituições ou reformular as antigas para que a revolução possa se desenvolver. Com o passar dos anos, a liderança muda, e as situações interna e externa se modificam; aparecem interesses novos e são necessárias novas ações, que podem gerar maior emancipação ou não. Algumas revoluções, como a do México, são populares, mas depois do momento inicial as demandas da maioria do povo são deixadas de lado e, em nome delas, há uma reorganização das classes dominantes para continuar no poder. Os exemplos analisados aqui são de sociedades que alteraram sua estrutura e seu modo de vida, mas avançaram pouco no processo de liberdade e emancipação. Pode-se afirmar, então, que não são parâmetros para futuras mudanças, embora devam ser vistos como repletos de lições da história, da vida e dos rumos sempre otimistas e de esperança num mundo melhor. 6. E O QUE VEM PELA FRENTE? A transformação radical de uma sociedade – revolução – está sempre ligada à superação de um sistema por outro, havendo um movimento popular ou uma classe social oprimida organizada para ir à frente e derrubar o antigo regime. Na sociedade capitalista, segundo Marx, a classe social oprimida é o proletariado. Depois das muitas revoluções que ocorreram no mundo, há a possibilidade de a classe proletária, ou trabalhadora, organizar-se para derrubar o sistema capitalista? Há condições objetivas (crise do sistema, organização, poder, armas) e subjetivas (consciência social, aliança entre os diversos segmentos dos explorados) para que isso ocorra? Não se pode negar a existência de algumas dessas condições, principalmente nos países periféricos do sistema capitalista, mas, com as sociedades submetidas a forte esquema de massificação, torna-se cada dia mais difícil acontecer um movimento revolucionário nos moldes da Revolução Russa. Hoje, em todos os meios de comunicação, ouvimos declarações de que estamos vivendo em uma “nova” sociedade, em uma “era pós-moderna”, em uma “sociedade pós-burguesa”, em uma “sociedade pós-industrial” etc. Com isso, afirma-se que está se estruturando uma nova organização social, completamente diferente da anterior. Ora, na sociedade atual estão sendo levadas ao limite as potencialidades da modernidade estabelecida pela Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, sem mudanças nas estruturas de poder e na economia; mas há indícios de que uma transformação esteja ocorrendo. Em que direção? As respostas a essa questão são divergentes. É possível perceber que a ideia de uma revolução violenta, com a tomada do poder do Estado para desenvolver uma nova sociedade, está cada dia mais distante da realidade. Parece remota, também, a ideia de uma mudança significativa mediante ações lentas e graduais por parte das instituições políticas, pois estas estão muito amarradas às estruturas de poder existentes. Diante de uma possibilidade de mudança, a força da reação normalmente é muito grande e pode aniquilar qualquer tentativa de resistência. Além disso, devido à crise na democracia representativa, as pessoas já não acreditam que seus representantes possam tomar medidas que alterem profundamente a sociedade. Então não há alternativa? Parece difícil, porque a capacidade de cooptação por parte dos poderes vigentes é muito grande. Mas a consciência da desigualdade e do sofrimento que isso acarreta não é apagada ou silenciada e se expressa em manifestações populares e revoltas pontuais em várias partes do mundo. 6.1 Mobilizações e mudanças no século XXI Para pensar um pouco mais sobre as possibilidades de mudança social, é urgente atentar para o que está acontecendo no mundo. Se é verdade que a simples ideia de mudanças lentas e constantes, em termos políticos, não avança para uma grande transformação da vida em sociedade, é também verdadeiro que os sintomas da inquietude que se alastram pelo mundo contemporâneo permitem observar a gestação de novas realidades no curso do processo histórico. O filósofo italiano Antônio Negri (1933-) e o filósofo estadunidense Michael Hardt (1960-) destacaram ao menos três características que podem multiplicar os sintomas da inquietude social: • o nascimento de um grupo composto de novos e jovens sujeitos políticos, conectados com o mundo e inconformados com os limites e a mediocridade de sua vida cotidiana nas periferias das metrópoles, que já não aceitam a condição de subordinação e, para abandoná-la, estão dispostos a sacudir o status quo; • o cultivo de um projeto emancipador por esses jovens sujeitos políticos: eles querem organizar a produção e a distribuição de riquezas horizontalmente e em rede – sem os limites das hierarquias e da mercantilização atuais; • a prática de uma nova democracia, ainda em construção, numa época em que a representação tradicional está se tornando cada vez mais obsoleta e desprestigiada. Exemplos de inquietude social foram as Jornadas de Junho de 2013, quando as ruas do Brasil foram tomadas por insubmissas e plurais personagens. O mesmo aconteceu durante a ocupação, pelos estudantes, das escolas públicas paulistas, em 2015 e 2016, contrários às políticas do governo estadual. Conforme o sociólogo espanhol Manuel Castells (1942-), em termos tecnológicos, econômicos e culturais já há um longo caminho percorrido e muitas transformações efetivadas. De acordo com ele, o período atual é um tempo de eclosão de uma nova era em termos políticos e institucionais. É crucial que se estabeleça um alerta para as possíveis reações contrárias às mudanças sociais e políticas, posto que as forças conservadoras são robustas e poderosas e não desejam mudanças que possam ameaçar seus privilégios. É do confronto entre as correntes progressistas e conservadoras, no entanto, que poderá emergir uma nova era que seja constituída de saltos qualitativos na vida coletiva ou, então, que faça prevalecer o ritmo obscuro e perigoso do retrocesso histórico, rumo a um tempo que não garanta a existência de direitos, em que gritos não são ouvidos e em que as utopias não se alimentam. REFERENCIAL TEÓRICO ALMOND, M.; BATISTA, G. O livro de ouro das revoluções. 2ª ed. Nova Iorque: Harper Collins, 2018. ARRUDA, J. J. de A. A Revolução Inglesa. Vol. 82. 1ª ed. São Paulo: brasiliense, 1984. Col. Tudo é História. COTRIM, G. História global. Vol. Único. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. FUKASAWA, M.; ISI, M.; IRIMAJIRI, Y. Cultura japonesa 7: a era Meiji. Vol. 7. 1ª ed. São Paulo: Nikkey Shimbun, 2018. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. Vol. Único. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. VÁRIOS AUTORES. O livro da Sociologia. Trad. Rafael Longo. 1ª ed. São Paulo: Globo, 2015. 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Crítica à MetafísicaEmanuel Isaque Cordeiro da Silva and Alana Thaís Mayza da SilvaFILOSOFIA: CRÍTICA À METAFÍSICA PHILOSOPHY: CRITICISM TO METAPHYSICS Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - UFRPE Alana Thaís Mayza da Silva - CAP-UFPE RESUMO: A Metafísica (do grego: Μεταφυσική) é uma área inerente à Filosofia, dito isto, é uma esfera que compreende o mundo e os seres humanos sob uma fundamentação suprassensível da realidade, bem como goza de fundamentação ontológica e teológica para explicação dos dilemas do nosso mundo. Logo, não goza da experiência e explicação científica…Read moreFILOSOFIA: CRÍTICA À METAFÍSICA PHILOSOPHY: CRITICISM TO METAPHYSICS Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - UFRPE Alana Thaís Mayza da Silva - CAP-UFPE RESUMO: A Metafísica (do grego: Μεταφυσική) é uma área inerente à Filosofia, dito isto, é uma esfera que compreende o mundo e os seres humanos sob uma fundamentação suprassensível da realidade, bem como goza de fundamentação ontológica e teológica para explicação dos dilemas do nosso mundo. Logo, não goza da experiência e explicação científica com base na matemática, ciências, observação, análise, etc. e sim da explicação apenas teorética sem a análise empírica. Por fim, filósofos de divergentes escolas e eras da história da filosofia fundamentaram suas críticas quanto a Metafísica; e este breve trabalho tem como objetivo analisar as críticas dos filósofos e trazer uma conclusão clara e objetiva para os leitores, sejam leigos ou não. Palavras-chave: Metafísica. Crítica. Teoria. Suprassensível. Empírico. Experiência. ABSTRACT Metaphysics is an area inherent to philosophy, that is, it is a sphere that comprises the world and human beings under a supersensitive foundation of reality, as well as enjoying ontological and theological foundations for explaining the dilemmas of our world. Therefore, it does not enjoy the scientific experience and explanation based on mathematics, science, observation, analysis, etc., but only the theoretical explanation without empirical analysis. Finally, philosophers from divergent schools and eras in the history of philosophy based their criticism of Metaphysics, and this brief work aims to analyze the criticism of philosophers and bring a clear and objective conclusion to readers, whether lay or not. Keywords: Metaphysics. Criticism. Theory. Supersensitive. Empirical. Experience. INTRODUÇÃO Para uma fundamentação alicerçada na observação, análise e conclusões pragmáticas, é imprescindível aclarar o conceito de Metafísica como esfera inerente da Filosofia, bem como disciplina primordial para o currículo do Filósofo formado nas Universidades globais. Para isso, discorro acerca do conceito de Metafísica desde a alcunha aristotélica de 'Filosofia primeira', passando à análise modernista, em especial à kantiana e seu criticismo (Crítica da Metafísica é a alma desse trabalho), sob análise de autores didáticos e, por fim, sob a elucidação da esfera Metafísica mediante os dicionários de Filosofia de Japiassú e Marcondes, e de Nicola Abbagnano. No conjunto de obras aristotélicas entituladas de Metafísica, Aristóteles buscou elucidar 'o ser enquanto ser', isto é, buscar a objetividade das coisas e do mundo mediante a subjetividade e a realidade suprassensível dessas coisas. Logo, a explicação dos fenômenos que cercavam a Grécia clássica eram explicados além do alicerce das Ciências tradicionais da época (Física, Química, Biologia, etc.). Todavia, para Aristóteles, a Metafísica consiste na 'ciência primeira' no que se refere o fornecimento de um fundamento único para todas as demais ciências, ou seja, dar-lhes o objeto ao qual elas se referem e os princípios dos quais todas elas dependem. Por fim, a Metafísica implica ser uma enciclopédia das ciências um inventário completo e exaustivo de todas as ciências, em suas relações de coordenação e subordinação, nas tarefas e nos limites atribuídos a cada uma, de modo definitivo. Na modernidade, a Metafísica perde a centralidade do mundo da Filosofia, quem é o precursor de tal declínio é Immanuel Kant e seu criticismo. Tal descendência é elucidada e aclarada posteriormente no presente trabalho. A Metafísica moderna ganha uma nova interpretação, sendo alcunhada e levada por analogia à Ontologia, expressada, segundo Kant, como conceito de gnosiologia. Para Kant, Metafísica é a fonte inerente do estudo e explicação das formas alicerçadas na razão, bem como fundamento de toda realidade suprassensível que se deve basear para elucidar e aclarar o mundo moderno. Ainda segundo o filósofo, a Metafísica é a fonte de todos os princípios reais para a explicação da realidade. Sendo ela, por fim um 'sistema filosófico' alicerçado sobre uma perspectiva ontológica, teológica e/ou suprassensível da realidade. No nosso finalismo, a inerência da Metafísica à filosofia transcende a explicação de todo o universo e sua totalidade (matéria e forma como alcunha Aristóteles). Logo, na Filosofia Clássica com Platão e, especialmente em Aristóteles, o Mito passou a ser ciência e essa ciência era determinada de Metafísica. Vale salientar que a alcunha 'Metafísica' foi, primeiramente, usada por Andrônico de Rodes . Por fim, a Metafísica primordial para fundamentar as explicações necessárias para os fenômenos que se decorrera na Grécia antiga, foi perdendo centralidade ao passo da história da filosofia e, na modernidade, com Hume e Kant passa por uma grande crise, discorrida agora no trabalho. DA CRÍTICA À METAFÍSICA Platão criou um sistema metafísico de explicação da realidade e do mundo que influenciou muitos pensadores e religiosos. Boa parte da história da filosofia foi composta de sistemas metafísicos. Mas, se, por um lado, o pensamento metafísico tem uma vida longa e profícua, por outro, é alvo de críticas constantes, principalmente por filósofos modernos e contemporâneos, que questionam a validade das teses metafísicas, seja porque tratam de coisas que não podem ser conhecidas, como alma, Deus e formas inteligíveis, seja porque suas conclusões são consideradas enganosas. ARISTÓTELES E A FILOSOFIA PRIMEIRA As ciências teóricas ou teoréticas são aquelas que produzem um saber universal, válido em qualquer situação, e necessário, isto é, que não pode ser de outro modo. Essas ciências estão voltadas para a contemplação da verdade. O sábio que se dedica a elas encontra um fim em si mesmo, pois o resultado de sua investigação não gera nenhum objeto exterior, como uma construção ou uma escultura, mas beneficia sua própria alma. Elas estão organizadas em Metafísica, Matemática e Física, que inclui a Psicologia ou a ciência da alma. As principais obras teoréticas escritas por Aristóteles são Física, De anima e Metafísica. Filosofia Primeira, que chegou até nós com o nome de Metafísica, também chamada muitas vezes por Aristóteles de Teologia .com a ressalva de que Teologia aqui não tem o sentido que é dado a ela contemporaneamente), é a expressão que designava a mais elevada das ciências teoréticas, diferenciando-se da chamada Filosofia Segunda, ou Física. Aristóteles abre o Livro I da Metafísica com a célebre passagem: Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais [...l. (ARISTÓTELES, 1969). A busca pelo conhecimento encontra-se na própria natureza humana, desde o nascimento, mesmo que se manifeste em seu grau mais rudimentar. Prova disso é o conhecimento por meio das sensações ou dos sentidos, entre os quais se destaca o da visão. É o chamado conhecimento por empiria ou saber empírico, que não pode ser ensinado porque é adquirido imediata e concretamente quando percebemos as coisas sensíveis. Também há um saber que vem da técnica. O técnico é aquele que tem o conhecimento dos meios para chegar a um fim. Como ensina o historiador da Filosofia, Julián Marias, apesar de o saber técnico ser superior ao saber empírico, ambos são necessários em nossa vida: 1..l Portanto, a tékhne [técnica) é superior à empeiria; mas esta também é necessária, por exemplo, para curar, porque o médico não tem de curar o homem, e sim Sócrates, e o homem apenas de modo mediato. (MARIAS, J. 2015). O conhecimento metafísico é menos necessário em nossa vida cotidiana, mas nenhum outro lhe é superior. A Metafísica é o conhecimento pelas causas e, como vimos, o conhecimento é científico quando ele nos dá os princípios e as causas das coisas. Para Aristóteles, tudo o que existe é efeito de uma causa e ela é a responsável por esse algo ser necessariamente de um jeito e não de outro. De acordo com Aristóteles, conhecer algo é conhecer pela causa. Dessa forma, a explicação de algo ou o seu conhecimento deve sempre dizer por que algo é necessariamente de determinado modo. Sem esse tipo de explicaçào, não pode haver propriamente conhecimento. Daí se constata o caráter rigoroso da explicação científica: ela não apenas sabe que "algo é isto", mas é capaz de explicar por que algo é necessariamente isto. A definição aristotélica de Metafísica Chauí indaga em seu livro Iniciação à Filosofia a questão central do que Aristóteles entende por sua alcunha ou Metafísica. Chauí explana: Embora Aristóteles admita que para cada tipo de Ser e suas essências existe uma ciência teorética própria (física, biologia, psicologia, matemática, astronomia), ele também defende a necessidade de uma ciência geral, mais ampla, mais universal, anterior a todas essas, cujo objeto não seja esse ou aquele tipo de Ser, essa ou aquela modalidade de essência, mas o Ser em geral, a essência em geral. Essa ciência, para Aristóteles, é a Filosofia Primeira ou metafísica, que investiga o que é a essência e aquilo que faz com que haja essências particulares diferenciadas, que estuda o Ser enquanto Ser. (CHAUÍ, 2010). O objeto investigado pela Metafísica também é muito diferente do objeto conhecido pelo saber empírico ou pelo saber técnico. O saber empírico nos faz conhecer as coisas particulares, como Sócrates, o Oráculo de Delfos e a caneta esferográfica; o saber técnico nos faz conhecer as diversas técnicas, como os procedimentos médicos e a engenharia de construir templos. O que o saber metafísico, então, nos permite conhecer? Segundo Aristóteles, a Metafisica estuda o ser enquanto ser. Não considera o ser de modo particular como fazem as demais ciências — por exemplo, ao investigar Sócrates, os procedimentos médicos etc. mas busca o que é universal, o que envolve tanto Sócrates quanto os procedimentos médicos, tanto o Oráculo de Delfos quanto a arte de construir templos. Segundo Aristóteles, a Metafísica trata das causas primeiras, que são as quatro seguintes: • a causa material, que é a matéria de que é feita alguma coisa. Em uma escultura, por exemplo, a causa material pode ser o bronze ou o mármore; • a causa formal, que é a forma ou a essência das coisas. No exemplo da escultura, é a forma ou a aparência que possibilita que a reconheçamos como uma escultura (e não como um poste, por exemplo); • a causa eficiente, que é o agente que produz a coisa. Uma escultura é produzida por um artista; • a causa final, que é a razão ou a finalidade das coisas, A finalidade da escultura é o prazer estético. A Metafísica também se ocupa da substância. A substância responde pelos significados do ser. Mas o que é a substância? Trata-se de uma questão complexa no pensamento aristotélico. Aristóteles recusa-se a entender a substância como sendo a forma platónica. Ela nào é o suprassensível. Seria entao a substância o sensível individual? As coisas são matéria e forma; amatéria é o substrato da coisa (por exemplo, o mármore é a matéria da estátua). Sem sua forma, ela é apenas potencialidade, mas sem a matéria qualquer realidade sensível se desvaneceria. Assim, a matéria pode ser dita substância em sentido impróprio. A forma, por seu turno, é aquilo que determina a matéria, é a sua essência; ela é substancia em sentido próprio. Mas a matéria é também matéria enformada. As coisas sensíveis são, a um só tempo, matéria e forma. E esse composto também pode ser legitimamente chamado de substância. Aristóteles apresenta três gêneros de substâncias: • as substâncias sensíveis, que nascem, morrem e, por isso, passam por todo tipo de mudança; • as substancias sensíveis e incorruptíveis, que não passam por nenhum tipo de mudança, como os planetas e as estrelas; • a substância suprassensível, que é superior às outras duas: o Primeiro Motor Imóvel, o deus aristotélico, causa de todo movimento, mas sendo ele mesmo imóvel. (Ele precisa ser imóvel porque se ele também se movesse precisaria haver uma causa para esse movimento, o que levaria a uma espécie de regressão ao infinito). Assim como o demiurgo de Platão, o deus aristotélico nao é um deus criador. Não criou o Universo nem gerou o movimento dos corpos. Ao contrário, o deus de Aristóteles exerce uma atraçáo sobre o Universo, motivando sua existência, e sobre os corpos, gerando seu movimento, ou seja, atrai tudo para si como objeto de amor. Não é, portanto, causa eficiente do mundo e do movimento do mundo, mas causa final. O deus aristotélico nao cria o mundo do nada por um ato de vontade. Ele nao é causa eficiente do mundo, como indicamos ser o artista causa eficiente de sua escultura. A METAFÍSICA CLÁSSICA OU MODERNA Grandes revoluções no pensamento do século XVII deram estopim à uma grande crise na esfera metafísica. De modo resumido a Metafísica sofreu uma grande transformação e uma nova elaboração, sem a fundamentação embasada no pensamento platônico, aristotélico ou neoplatônico. Sendo assim a nova metafísica é caracterizada por: [...] afirmação da incompatibilidade entre fé e razão, acarretando a separação de ambas, de sorte que a religião e a filosofia possam seguir caminhos próprios, mesmo que a segunda não esteja publicamente autorizada a expor ideias que contradigam as verdades ou dogmas da fé [...] [...] redefinição do conceito de Ser ou substância. Os modernos conservam a definição tradicional da substância como o Ser que existe em si e por si mesmo, que subsiste em si e por si mesmo. Porém, em lugar de considerar que a substância se define por gênero e espécie, havendo tantos tipos de substâncias quantos gêneros e espécies houver, passa-se a definir a substância levando em consideração seus predicados essenciais ou seus atributos essenciais, isto é, aquelas propriedades ou atributos sem os quais uma substância não é o que ela é. Após o supracitado, os cartesianos e Descartes dirão que há somente três substâncias essenciais, divergindo totalmente do pensamento aristotélico, as substâncias cartesianas são a Alma, a matéria dos corpos e Deus. Para empiristas, só se é possível conhecer a substância corpórea, logo não se é possível elaborar uma metafísica, e sim uma geometria ou uma física que se ocupa do estudo dessas matérias corpóreas. Baruch Spinoza (1632-1677) explanou a primordialidade de se elaborar uma definição genérica e universal, comumente aceita por toda a comunidade de filósofos de Aristóteles a modernidade. Podemos reduzir o conceito proposto da seguinte maneira: “substância é aquilo que existe em si e por si e não depende de outros para existir”.Logo, diz Espinosa, que há apenas uma substância no Universo que não depende de outra para existir, tal substância é o próprio Deus ou a natureza. Nessa revolução do pensamento filosófico, em peculiar à metafísica, houve também a redefinição do conceito de causa e causalidade. Em Aristóteles haviam quatro tipos de causas, agora, na modernidade, se propunha apenas dois tipos: a eficiente e a final. Chauí explana que a Causa eficiente é aquela na qual uma ação anterior determina como consequência necessária a produção de um efeito, e que seu alcance é universal na natureza. Causa final é aquela que determina, para os seres pensantes, a escolha da realização ou não realização de uma ação, e que só opera na ação de Deus e nas ações humanas. Houve também, nessa revolução, uma quebra do paradigma metafísico, isto é, a metafísica não se dividia mais entre a teologia, a psicologia racional e a cosmologia racional. Agora, a metafísica ganha um novo rumo, um rumo próprio de estudo embasado em suas próprias fundamentações. Logo, a metafísica se apropria de três e apenas três ideias de substância. A substância infinita, ou o próprio Deus. A substância pensante que é a consciência como faculdade de reflexão e de representação da realidade alicerçada na razão. E, por fim, a substância extensa que é a natureza embasada nos princípios e leis regidas pela matemática e a mecânica. DAVID HUME E A CRISE DA METAFÍSICA O filósofo escocês David Hume (1711-1776) nos ajuda a entender em parte o teor das críticas ao pensamento metafísico. "Se tomarmos em nossas mãos um volume qualquer, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, façamos a pergunta: contém ele qualquer raciocínio abstrato referente a números e quantidades? Não. Contém qualquer raciocínio experimental referente a questões de fato e de existência? Não. Às chamas com ele, então, pois não pode conter senão sofismas e ilusão." (HUME, 2004) Hume critica a teologia e a metafísica escolástica, que foi a metafísica praticada principalmente nas escolas cristãs durante a Idade Média, porque suas concepções não tratam nem de conceitos matemáticos, que são formais e podem levar a conclusões seguras - por exemplo, "2 + 2 = 4" -, nem de afirmações sobre fatos, que podem ser verificados empiricamente, isto é, pelos órgãos dos sentidos —como "a aceleração de um corpo em queda livre é de 9,8 metros por segundo", Assim, Hume aconselha o leitor a jogar as afirmações metafísicas na fogueira, pois são consideradas ilusões, fantasias ou produto de erros de raciocínio e nada têm a acrescentar ao conhecimento humano. A partir de Hume, a metafísica, tal como existira desde os gregos, tornara-se impossível. O CRITICISMO KANTIANO E O FIM DA METAFÍSICA CLÁSSICA Entre a Dissertação de 1770 e a Crítica da razão pura, mais de dez anos se passaram. Apesar de a obra ser volumosa, a redaçào da Crítica da razão pura não chegou a cinco meses de trabalho. De início, Kant pretendia apenas revisar sua dissertação, mas o trabalho acabou por levá-lo a figurar entre os grandes nomes do pensamento filosófico, como Aristóteles e Descartes. Kant fez um diagnóstico bastante negativo da situação da Filosofia de sua época, em particular da Metafísica, que, embora fosse considerada a Filosofia Primeira, patinava em questões impossíveis de serem resolvidas. Ao mesmo tempo, buscou inserir a Filosofia no rumo seguido pelas Ciências Naturais, pela Lógica e pela Matemática, que já tinham encontrado o caminho da Ciência. Em alguns pontos, o projeto kantiano se aproximou de algumas características do projeto cartesiano. Descartes duvidou de todo o saber conhecido, pois queria encontrar um fundamento seguro que sustentasse a edificação da Filosofia e, mais particularmente, da Ciência. Diferentemente de Descartes, contudo, Kant nào duvidou de todo o conhecimento que havia aprendido. Para ele, bastava estabelecer os limites do conhecimento racional, ou seja, o que a razão podia conhecer e o que era impossível de ser conhecido. No fim do século XVIII, de acordo com a proposta de Wolff, a Metafísica era dividida em duas partes: Metafísica geral e Metafísica especial. A primeira tratava da Ontologia (ciência do ser enquanto ser, como definido por Aristóteles), e a segunda se ocupava do ser humano (Psicologia), do mundo (Cosmologia) e de Deus (Teologia racional), Os principais temas in-vestigados eram a imortalidade da alma, a liberdade a finitude ou infinitude do mundo e a existência de Deus. No entanto, de acordo com Kant, as questões metafísicas clássicas extrapolavam as capacidades de conhecimento do ser humano, pois estavam tão afastadas da experiência que a razão só podia pensá-las, sem conhecê-las realmente. As questões postas pela Metafísica clássica extrapolavam o terreno de qualquer experiência possível e, no entanto, a razão, por sua própria natureza, apresenta questões que não pode evitar, mas que também náo pode responder por não terem nenhuma pedra de toque na experiência. Disso decorre a pergunta fundamental sobre a possibilidade de haver um conhecimento metafísico. Publicada em 1781, a Crítica da razão pura foi uma tentativa de responder a essa pergunta. A obra instituiu um "tribunal da razao" para examinar a própria razão, e não para tomar partido no conflito entre racionalistas, como Descartes e Leibniz, que elaboraram sistemas metafísicos, e empiristas, como Locke e Hume, que basearam o conhecimento unicamente nos sentidos. Criticar a razão é determinar as possibilidades, os limites e o alcance do próprio conhecimento. A transformação foi tao grande para a Filosofia que essa obra nao pôde ser ignorada. A situação da Metafísica No texto a seguir, retirado do célebre prefácio à primeira edição de Crítica da razão pura, podemos ver o diagnóstico de Kant sobre a situaçao da Metafísica no período em que vivia. A razão humana, num determinado dominio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que náo pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar resposta por ultrapassarem completamente as suas possibilidades. Não é por culpa sua que cai nessa perplexidade. Parte de princípios, cujo uso é inevitável no decorrer da experiência e, ao mesmo tempo, suficientemente garantido por esta. Ajudada por estes princípios eleva-se cada vez mais alto (como de resto lho consente a natureza) para condições mais remotas. Porém, logo se apercebe de que, desta maneira, a sua tarefa há de ficar sempre inacabada, porque as questões nunca se esgotam; vê-se obrigada, por conseguinte, a refugiar-se em princípios, que ultrapassam todo o uso possível da experiência e, não obstante, estão ao abrigo de qualquer suspeita, pois o senso comum está de acordo com eles. Assim, a razão humana cai em obscuridades e contradições, que a autorizam a concluir dever ter-se apoiado em erros, ocultos algures, sem contudo os poder descobrir. Na verdade, os princípios de que se serve, uma vez que ultrapassam os limites de toda experiência, já não reconhecem nesta qualquer pedra de toque. O teatro destas disputas infindáveis chama-se Metafísica. (KANT, I. 2010). O fim da Metafísica clássica Podemos agora retomar o questionamento sobre os motivos pelos quais a física newtoniana é possível como ciência e entender também por que a metafísica racionalista tradicional não é conhecimento científico, segundo a teoria kantiana. A física trata de regras e leis dos fenômenos, das representações conformadas pela sensibilidade e pelo entendimento, ou seja, refere-se a objetos do conhecimento humano. A metafísica clássica, por sua vez, trata de coisas que não fazem parte da experiência sensível. Deus e a alma, por exemplo, não são apreendidos pela sensibilidade, não são impressões conformadas ou fenômenos e, portanto, não podem ser conhecidos pelo ser humano. Ideias ou conceitos dessa espécie podem ser pensados pela razão, mas é impossível conhecê-los, pois estão além da capacidade humana de conhecimento. Por esse motivo, a física é possível como ciência e a metafísica tradicional não. Com base nisso, Kant provocou uma revolução na teoria do conhecimento, que ele mesmo designou como "virada copernicana na filosofia", Se Copémico mudou a forma de entender o mundo ao defender a ideia de que o Sol está no centro do sistema solar, Kant mudou a forma de o ser humano compreender o mundo e a si próprio ao estabelecer a ideia de que o ser humano, e não os objetos externos, é o centro do conhecimento, O ser humano não é um agente passivo, que só recebe informações, mas atua decisivamente na constituição do conhecimento e do que se compreende como realidade. Os elementos a priori que determinam essa constituição do conhecimento são o escopo da filosofia kantiana, também conhecida como transcendental. Logo, o pensamento kantiano alterou profundamente a Metafísica. A existência de Deus ou a imortalidade da alma, por exemplo, passaram a ser questões que já não podiam ser respondidas. Se percebemos apenas as coisas que ocorrem em um tempo específico (antes, agora, depois), como seremos capazes de perceber algo que está na eternidade (Deus)? Como afirmar que a alma é imortal se não conseguimos percebê-la com os nossos sentidos? O conhecimento a partir de Kant, então, é sempre conhecimento de objetos, isto é, de conteúdos elaborados e modificados pelo sujeito que conhece. O conhecimento passou a se ocupar, assim, de fenómenos, e não mais da própria coisa, como pretendiam os metafísicos clássicos. Com a crítica kantiana, tornou-se impossível conhecer efetivamente os temas da Metafísica clássica e emitir qualquer opinião segura sobre assuntos que não podem ser assentados na experiência. Podemos pensar sobre Deus, podemos querer que nossa a seja imortal, mas jamais teremos a possibilidade de verificar esses assuntos em nossa experiência ou mesmo ter sobre eles verdadeiro conhecimento. Nada nos impede de acreditar em Deus ou na imortalidade da alma, porém não podemos exigir que a Filosofia se pronuncie a respeito desses temas. Na verdade, a crítica kantiana não diz que Deus existe nem que não existe, mas apenas que não é capaz de saben Deus, não obstante sua importância para a Filosofia do próprio Kant, é uma questão de fé. AUGUSTE COMTE E A METAFÍSICA NO SÉCULO XIX O filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo, fundamenta sua filosofia também em oposição às concepções metafísicas. Em seu entendimento, a busca por princípios gerais ou essências, entidades que estão além do que podemos observar ou perceber pelos órgãos dos sentidos, é algo infrutífero. Comte explana: "[...] não é supérfluo assinalar agora, de modo direto, a preponderância contínua da observação sobre a imaginação, como o principal caráter lógico da sã filosofia moderna, dirigindo nossas pesquisas, não para causas essenciais, mas para leis efetivas, dos diversos fenômenos naturais. Sem ser doravante imediatamente contestado, permanece este princípio fundamental muitas vezes desconhecido nos trabalhos especiais. Embora as diferentes ordens de especulações concedam, sem dúvida, à imaginação uma alta participação, isto é, constan temente empregada para criar ou aperfeiçoar os meios da vinculação entre os fatos constatados, mas o ponto de partida e a sua direçào não lhe poderiam pertencer em nenhum caso. Ainda quando procedemos verdadeiramente a priori, é claro que as considerações gerais que nos guiam foram inicialmente fundadas, quer na ciência correspondente, quer em outra, na simples observação, única fonte de sua realidade e também de sua fecundidade. Ver para prever: tal é o caráter permanente da verdadeira ciência. Tudo prever sem ter nada visto constitui somente uma absurda utopia metafísica, ainda muito seguida." (COMTE, 1978). A observação é considerada a única fonte de realidade. Abandonando a observação e apoiando-se única e exclusivamente na imaginação, como seria característico das especulaçôes metafísicas, o pensamento pode levar não para o conhecimento das coisas, mas para a fantasia. A ciência, então, deve ter como base as coisas que podem ser observadas. Todas as especulações e as teorias científicas, em última instância, devem ter como fundamento a realidade observável. LUDWIG WITTGENSTEIN E A METAFÍSICA CONTEMPORÂNEA O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) também se opõe às afirmações metafísicas por considerar que estas tratam de problemas (ou pseudoproblemas) que não podem ser formulados claramente e, portanto, não podem ser respondidos. “O método correto da filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, ou seja, as proposições das ciências naturais [...] e depois, quando alguém quisesse dizer algo metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foi dada uma denotação.” (WITTGENSTEIN, 1995). Quer dizer, as sentenças ou os termos metafísicos se referem a coisas, objetos ou seres enigmáticos ou misteriosos, que não podem ser tratados com clareza, isto é, não se sabe exatamente o que são, o que impossibilitaria a formulação de problemas e soluções reais. "Deus", "alma" ou "vida após a morte", por exemplo, são termos que se referem especificamente a quê? Os "problemas" metafísicos estariam no campo do mistério e não no da investigação racional. Por isso, como afirma Wittgenstein, "acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio". CONCLUSÃO (ÕES) Ora, a Metafísica na Grécia antiga foi imprescindível para o entendimento dos mais variados dilemas do mundo antigo, sejam perguntas simples, ou complexas. Iniciada como um sistema filosófico platônico, passando a ser filosofia primeira em Aristóteles, a metafísica incorporou elementos teológicos, psicológicos e cosmológicos durante o mundo antigo, e ainda mais durante o período medieval e a hegemônica Igreja Católica. No mundo moderno e embasado pelo “Luz da razão”, a metafísica começa a ser refutada pelos pensadores da época em questão, dentre eles o célebre cético Hume, e o emblemático Kant, além de Descartes e seus cartesianistas. Kant e seu criticismo incorporaram à Metafísica uma nova interpretação, esta que fez a mesma entrar em declínio e sair da centralidade do mundo filosófico. Kant, graças às indagações e refutações de Hume, pôde acordar do célebre “sono dogmático”. O que fez Kant se importa com a Metafísica. Kant trouxe à luz o fim da Metafísica clássica e deu legado ao início da metafísica contemporânea alcunhada de Ontologia. No decorrer da história da filosofia, a Metafísica teve intensa ascenção e vertiginosos declives, sendo seu maior declive o crítico Kant. Por fim, muitos filósofos se apropriaram de ser heterodoxos e enfrentaram de frente o mundo metafísica e a base do catolicismo sobre a realidade. Posta realidade que hoje, com o legado de Kant, da fenomenologia de Husserl, etc., originaram a nova escola filosófica chamada de Ontologia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5ª. ed. Trad. Ivone Castillo Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ARANHA, M. 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São Paulo: Moderna, 2006. WITTGENSTEIN, L. Tratado lógico-filosófico. 2ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – estudante, pesquisador, professor, agropecuarista, altruísta e defensor dos direitos humanos e dos animais. Alana Thaís Mayza da Silva – estudante, potterhead, pesquisadora, projetista, musicista, filantropa, defensora dos direitos humanos e dos animais, LGBT.
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HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA BRASILEIRA HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I THE BRAZILIAN SOCIOLOGY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA Como na França de Émile Durkheim, os primeiros passos da Sociologia no Brasil, em termos institucionais, ocorreram a partir de iniciativas para a inclusão dessa disciplina no ensino se…Read moreHISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA BRASILEIRA HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I THE BRAZILIAN SOCIOLOGY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA Como na França de Émile Durkheim, os primeiros passos da Sociologia no Brasil, em termos institucionais, ocorreram a partir de iniciativas para a inclusão dessa disciplina no ensino secundário (hoje, ensino médio). A primeira tentativa ocorreu em 1890, logo após a proclamação da República, com a reforma educacional de Benjamin Constant, que defendia o ensino laico em todos os níveis. O ensino secundário tinha por objetivo a formação intelectual dos jovens fora do contexto religioso, então predominante. Mas, sem nunca ter sido de fato incluída nos currículos escolares, a Sociologia foi expurgada pela Reforma Epitácio Pessoa, em 1901. Somente em 1925 a Sociologia retornou ao currículo do ensino secundário por meio da Reforma de Rocha Vaz, que tinha os mesmos objetivos da de Benjamin Constant. Em decorrência dessa reforma, o Colégio Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, implantou a Sociologia regularmente no seu currículo. Em 1928, a disciplina foi introduzida nas escolas de vários estados brasileiros, notadamente em São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Desde 1925, podem-se destacar alguns intelectuais que contribuíram para o ensino de Sociologia no ensino secundário, lecionando e escrevendo manuais para esse nível: Fernando de Azevedo (1894-1974), Gilberto Freyre (1900-1987), Carneiro Leão (1887-1966) e Delgado de Carvalho (1884-1980), em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Eles tinham por objetivo preparar intelectualmente os jovens das elites dirigentes, elevando o conhecimento daqueles que chegavam às escolas médias. Esses autores, em sua maioria, foram influenciados pela Sociologia desenvolvida na Europa e nos Estados Unidos. Em 1931, a reforma de Francisco Campos, no governo de Getúlio Vargas, introduziu a Sociologia nos cursos preparatórios ao ensino superior nas faculdades de Direito, Ciências Médicas, Engenharia e Arquitetura, além de mantê-la nos cursos normais (de formação de professores). No final do Estado Novo, em 1942, o governo de Getúlio Vargas, através de seu ministro da Educação, Gustavo Capanema, implantou a Reforma Capanema, que excluiu a Sociologia do ensino secundário brasileiro. Assim, a Sociologia fez parte do currículo do ensino secundário por 18 anos (1925-1942). Ela, contudo, permaneceu como matéria obrigatória do currículo das Escolas Normais, de nível secundário, destinadas à formação de professores do antigo ensino primário (o que corresponderia aos atuais 2º a 5º anos). 1. A SOCIOLOGIA NO ENSINO SUPERIOR: INÍCIO DO SÉCULO XX Nas primeiras décadas do século XX, a Sociologia no ensino superior estava presente de forma embrionária em vários estados brasileiros (Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo) e principalmente nos cursos de Direito. Desenvolveu-se de forma mais consistente, contudo, nos estados que passavam por um processo de industrialização e urbanização crescente desde o final da década de 1910. Essas transformações da estrutura econômica e social repercutiram nas esferas culturais e educacionais, propiciando um crescente interesse pelos estudos científicos da realidade social da época. Em decorrência disso, foram publicados importantes trabalhos que contribuíram para o desenvolvimento das ciências sociais no Brasil. Uma das preocupações dos pensadores daquele período era a busca do entendimento do Brasil por meio de seus componentes históricos, tendo por base as muitas vertentes europeias e estadunidenses das ciências humanas. Esses pensadores defendiam a ideia de que havia uma ligação entre o passado colonial e a configuração social em que viviam. Para eles, esse condicionamento do passado deveria ser superado para que o país saísse do atraso. As preocupações desses pensadores giravam em torno do futuro do Brasil e das possibilidades de mudança social e das resistências a elas. Entre outros, podem ser citados: Francisco José de Oliveira Vianna (1883 -1951), Caio da Silva Prado Júnior (1907-1990), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Gilberto Freyre (1900-1987) e Fernando de Azevedo (1894-1974). Pode-se afirmar que foi entre as décadas de 1920 e 1940 que a Sociologia fincou alicerces no Brasil. Nesse período, procuraram-se definir mais claramente as fronteiras entre a Sociologia e as áreas do conhecimento afins, como a Literatura, a História e a Geografia, e institucionalizou-se o curso de Sociologia e/ou Ciências Sociais em faculdades e universidades. Foram fundadas a Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP) em São Paulo, em 1933, e as Universidades de São Paulo (USP) e do Distrito Federal (UDF), esta no Rio de Janeiro, respectivamente em 1934 e 1935, nas quais foram instituídos cursos de Ciências Sociais. Vários professores estrangeiros vieram ao Brasil para trabalhar nessas universidades e contribuíram de modo significativo para o desenvolvimento da Sociologia no Brasil. Entre outros, podem ser citados: Donald Pierson (1900-1995), Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), Claude Lévi -Strauss (1908-2009), Georges Gurvitch (1894-1965), Roger Bastide (1898-1974), Charles Morazé (1913-2003) e Paul-Arbousse Bastide (1901-1985). A revista Sociologia, da Escola Livre de Sociologia e Política, foi um exemplo da produção sociológica da época. Criada em 1939 e publicada até 1981, em São Paulo, constituiu um verdadeiro marco de estudo, pesquisa e divulgação das Ciências Sociais no Brasil. 1.1 De 1940 a 1960: disseminação da Sociologia na universidade A partir do final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1960, disseminaram-se as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, em universidades ou fora delas, e a Sociologia passou a fazer parte do currículo dos cursos de Ciências Sociais ou a apresentar-se como disciplina obrigatória em outros cursos. Uma nova geração de cientistas sociais passou a ter presença marcante no Brasil. Entre eles, podem ser citados: Florestan Fernandes (1920-1995), Antonio Candido (1918-2017), Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018), Juarez Rubens Brandão Lopes (1925-2011), Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), Luiz Aguiar da Costa Pinto (1920-2002) e Hélio Jaguaribe (1923-2018), que influenciaram muitos cientistas sociais em todo o território nacional. Os principais temas de pesquisas, análises e discussões nesse período foram: imigração e colonização, estudos de comunidades, educação, folclore, questão rural e urbana, teoria e método das Ciências Sociais, estratificação e mobilidade sociais e sociologia da arte e da literatura. Cabe um destaque para o tema das relações étnico-raciais envolvendo a questão do negro no Brasil, graças a um projeto de pesquisa financiado pela Unesco. Nesse período, a Sociologia tornou-se disciplina hegemônica no quadro das Ciências Sociais no Brasil, e a primeira a formar uma “escola” ou uma “tradição” em São Paulo, tendo em Florestan Fernandes um dos seus mentores. 1.2 De 1960 a 1980: consolidação da Sociologia no Brasil Mesmo sob a ditadura civil-militar no Brasil, a partir de 1964, a Sociologia começou a se expandir, principalmente nos grandes centros urbanos, e a se relacionar com outros campos das ciências humanas. As discussões sobre o processo de industrialização crescente no país foram o centro das atenções. Um dos temas de discussão era o desenvolvimento, incluindo as teorias da dependência e da modernização. Outros temas de debates e pesquisas da época foram o trabalho industrial e o sindicalismo, a formação da classe trabalhadora, a urbanização crescente e as transformações no campo, os problemas da marginalidade social, a presença do capital estrangeiro e a indústria nacional. A questão educacional também esteve presente, pois de alguma forma os problemas sociais estavam vinculados à precariedade do setor. Foram bastante debatidos, ainda, o autoritarismo, principalmente depois do golpe militar de 1964, e o planejamento, criando-se uma interface com a ciência política. Além disso, destacaram-se, nesse momento, os estudos sobre a América Latina. Em razão desses debates, foram incluídas nas universidades disciplinas como: Sociologia do Desenvolvimento, Sociologia Urbana, Sociologia Rural, Sociologia Industrial e do Trabalho (incluindo a questão sindical), Sociologia do Planejamento, Sociologia da Educação e da Juventude e Sociologia da Arte e Literatura. Muitos foram os estudiosos que, em diferentes áreas do pensamento sociológico, desenvolveram pesquisas nessas décadas. Alguns dos que formaram a segunda geração de sociólogos no Brasil são: Octavio Ianni (1926-2004), Marialice M. Foracchi (1929-1971), Fernando Henrique Cardoso (1931-), Leôncio Martins Rodrigues (1934-), Heleieth Saffioti (1934-2010), Maurício Tragtenberg (1929-1998), Francisco de Oliveira (1933-), Luiz Pereira (1933-1985), Luiz Eduardo W. Wanderley (1935-), José de Souza Martins (1938-), Gabriel Cohn (1938-), Roberto Schwarz (1938-), Elide Rugai Bastos, Luiz Werneck Vianna (1938-) e Simon Schwartzman (1939-). 1.3 Diversificação da Sociologia no Brasil A partir da década de 1980, ampliam-se os cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) em Ciências Sociais e, em particular, de Sociologia em todo o território nacional, elevando o nível, em número e em qualidade, das pesquisas e do ensino da área. Os estudos sociológicos passaram a ser mais específicos, ocorrendo uma fragmentação dos temas/objetos, como: violência, gênero e sexualidade, corpo e saúde, religião, cotidiano, comunicação e informação, indústria cultural, representações sociais, consumo, cidadania, direitos humanos, questão ambiental, globalização, ciência e tecnologia, urbanização, juventude, família, trabalho, classes e mobilidade social, questões étnico-raciais, Estado e sociedade civil. Novas gerações de sociólogos se formam nas universidades em quase todos os estados da federação, e há centros de ensino e pesquisa na maioria das universidades, disseminando-se assim a formação de sociólogos, sob diversas influências teóricas. A formação em Sociologia, que havia se estabelecido a partir de São Paulo e Rio de Janeiro, na década de 1930, expandiu-se para todo o território nacional em pouco mais de 50 anos. 1.4 O retorno da Sociologia ao ensino médio Oficialmente extinta do currículo do ensino médio em 1942, a Sociologia voltou a marcar presença em um ou outro estado da federação, de modo intermitente, a partir da década de 1980, com os primeiros ensaios de democratização da sociedade brasileira, conforme diz o sociólogo brasileiro Amaury C. Moraes, na esteira de mudanças na legislação educacional realizadas pelo governo ditatorial pós-1964. A Lei n° 7.044/82 flexibilizou o ensino médio (então 2º grau) e profissionalizante, abrindo espaço para a presença da Sociologia, não em caráter obrigatório, mas por escolha das escolas. Nesse sentido, ela começou a ter uma presença crescente nos currículos escolares. Aqui cabe citar as Orientações Curriculares para o ensino médio, (p. 104-105). Há uma interpretação corrente que (...) deve ser bem avaliada criticamente; ela afirma que a presença ou a ausência da Sociologia no currículo está vinculada a contextos democráticos ou autoritários, respectivamente. No entanto, se se observar bem, pelo menos em dois períodos isso não se confirma, ou se teria de rever o caráter do ensino de Sociologia para entender sua presença ou ausência. Entre 1931 e 1942, especialmente após 1937, a Sociologia está presente e é obrigatória no currículo em um período que abrange um governo que começa com esperanças democratizantes e logo se tinge de autoritarismo, assumindo sua vocação ditatorial mais adiante. Em outro momento, em plena democracia, o sentido do veto do Presidente da República (2001) à inclusão da Sociologia como disciplina obrigatória traz uma certa dificuldade para essa hipótese. O que se entende é que nem sempre a Sociologia teve um caráter crítico e transformador, funcionando muitas vezes como um discurso conservador, integrador e até cívico – como aparece nos primeiros manuais da disciplina. Não se pode esquecer que a Sociologia chegou ao Brasil de mãos dadas com o positivismo. No caso recente, deve-se entender que a ausência da disciplina se prende mais a tensões ou escaramuças pedagógico-administrativas que propriamente a algum conteúdo ideológico mais explícito (BRASIL/MEC, 2006). Paralelamente, algumas associações de sociólogos, em diferentes estados brasileiros – mas principalmente em São Paulo –, iniciaram um movimento pela volta da Sociologia ao ensino médio, almejando a ampliação de espaço de trabalho para os formandos dos cursos de Ciências Sociais. Apesar de não haver a obrigatoriedade da disciplina, os cursos de Ciências Sociais continuavam a formar professores de Sociologia. Em alguns estados brasileiros, ao longo dos anos, foram abertos concursos para professores de Sociologia. Com a Constituição de 1988 e a consequente formulação das constituições estaduais, sociólogos em todo o país passaram a reivindicar a presença da Sociologia no ensino médio. Assim, leis estaduais de alguns estados e as constituições estaduais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais tornaram a Sociologia obrigatória no ensino médio. A partir do ano 2000, organizações representativas de sociólogos (sindicatos e associações de sociólogos e de cientistas sociais) de várias tendências, assim como pequenos grupos nas universidades do país, começaram a desenvolver um movimento em defesa da obrigatoriedade do ensino da Sociologia no nível médio, considerando que os conteúdos dessa disciplina contribuíam para melhor formação do jovem estudante. O movimento estendeu-se ao início do século XXI, conquistando o apoio de instituições de ensino, associações científicas, intelectuais, sindicatos e associações de categorias profissionais. Finalmente, pela Lei n° 11.684, de 2 de junho de 2008, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Sociologia retornou oficial e obrigatoriamente ao currículo do ensino médio brasileiro. A título de conclusão, e ainda refletindo sobre a Sociologia e sua contribuição para a formação dos estudantes, é importante destacar o que as Orientações Curriculares para o ensino médio afirmam com muita clareza: A presença da Sociologia no currículo do ensino médio tem provocado muita discussão. Além dessa justificativa que se tornou slogan ou clichê – “formar o cidadão crítico” –, entende-se que haja outras mais objetivas decorrentes da concretude com que a Sociologia pode contribuir para a formação do jovem brasileiro, quer aproximando esse jovem de uma linguagem especial que a Sociologia oferece, quer sistematizando os debates em torno de temas de importância dados pela tradição ou pela contemporaneidade. A Sociologia, como espaço de realização das Ciências Sociais na escola média, pode oferecer ao aluno, além de informações próprias do campo dessas ciências, resultados das pesquisas as mais diversas, que acabam modificando as concepções de mundo, a economia, a sociedade e o outro, isto é, o diferente – de outra cultura, “tribo”, país etc. Traz também modos de pensar (...) ou a reconstrução e desconstrução de modos de pensar. É possível, observando as teorias sociológicas, compreender os elementos da argumentação – lógicos e empíricos – que justificam um modo de ser de uma sociedade, classe, grupo social e mesmo com unidade. Isso em termos sincrônicos ou diacrônicos, de hoje ou de ontem. Um papel central que o pensamento sociológico realiza é a desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Há uma tendência sempre recorrente a se explicarem as relações sociais, as instituições, os modos de vida, as ações humanas, coletivas ou individuais, a estrutura social, a organização política etc. com argumentos naturalizadores. Primeiro, perde -se de vista a historicidade desses fenômenos, isto é, que nem sempre foram assim; segundo, que certas mudanças ou continuidades históricas decorrem de decisões, e essas, de interesses, ou seja, de razões objetivas e humanas, não sendo fruto de tendências naturais (BRASIL/MEC, 2006). REFERENCIAL TEÓRICO BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio: ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2006. FILHO, E. D. L. A sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Sociologias , Porto Alegre, n. 14, p. 376-437, dezembro de 2005. MARTINS, C. B.; MICELI, S. (Org.). Sociologia brasileira hoje. São Paulo: ateliê editorial, 2017. SILVA, A. Sociologia em movimento. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia PUCRS - PPG em Ciências Sociais Avenida Ipiranga, 6681 - Partenon CEP: 90619-900 - Porto Alegre, RS [email protected] Estimule a criatividade, respeite o direito autoral. ©2019 - Emanuel Isaque Cordeiro da Silva
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O Mundo Contemporâneo: Crescimento e Distribuição da População MundialEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaO MUNDO CONTEMPORÂNEO: CRESCIMENTO E DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL THE CONTEMPORANY WORLD: GROWTH AND DISTRIBUTION OF WORLD POPULATION Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - IFPE-BJ/CAP-UFPE/ /UFRPE. [email protected] e [email protected]. (82)9.8143-8399 PREMISSA A população da Terra supera os 7,7 bilhões de habitantes , que se distribuem de forma desigual pela superfície do planeta. Em 2030, estima-se que serão mais de 8,6 bilhões de pessoas. As medidas para planejar o crescimento s…Read moreO MUNDO CONTEMPORÂNEO: CRESCIMENTO E DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL THE CONTEMPORANY WORLD: GROWTH AND DISTRIBUTION OF WORLD POPULATION Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - IFPE-BJ/CAP-UFPE/ /UFRPE. [email protected] e [email protected]. (82)9.8143-8399 PREMISSA A população da Terra supera os 7,7 bilhões de habitantes , que se distribuem de forma desigual pela superfície do planeta. Em 2030, estima-se que serão mais de 8,6 bilhões de pessoas. As medidas para planejar o crescimento sustentável da população devem ser tomadas desde já. 1. CRESCIMENTO POPULACIONAL A população mundial cresceu aceleradamente no século XX. O primeiro bilhão de habitantes do planeta foi registrado em 1800. O segundo bilhão, em 1925; o terceiro, em 1958; o quarto, em 1974; o quinto, em 1987; o sexto em 1999 e o sétimo bilhão em 2011. Estima-se que em 2050 haverá 9,3 bilhões de habitantes. Observe o gráfico que detalha o supracitado texto. BAIXE O PDF! O crescimento da população mundial se mede pela diferença entre o número de nascimentos e mortes em um ano. Quanto maior for essa diferença em favor dos nascimentos, maior será o crescimento da população. A taxa de natalidade, que é a relação entre os nascimentos em um ano e o total da população, tem apresentado queda nas últimas décadas. O crescimento populacional no século XX está associado principalmente à diminuição das taxas de mortalidade. A diminuição da mortalidade teve várias causas, entre elas a revolução sanitária, que significou a expansão do saneamento básico e trouxe melhores condições de higiene principalmente nas cidades, reduzindo o número de doenças. Junto a isso, os avanços na medicina, como a descoberta dos antibióticos, possibilitaram que as pessoas vivessem mais, aumentando a expectativa de vida. Os países ricos se beneficiaram primeiro, efeito que lentamente foi se espalhando pelo mundo. Nas nações muito pobres, principalmente as localizadas na Ásia e na África, onde a maior parte da população é rural, os avanços ainda são lentos. 1.1 A queda desigual nas taxas de natalidade As taxas de natalidade estão em queda no mundo todo por várias razões, entre as quais figura a crescente urbanização e o modo de vida nas cidades. O planejamento familiar, pelo qual os casais decidem o número de filhos que terão, e o uso de métodos anticoncepcionais se popularizaram, liberando a mulher para o estudo e o mercado de trabalho. Nas nações com elevado desenvolvimento humano, as taxas de natalidade são muito baixas. Na Alemanha, por exemplo, em 2007, a população era de 80,9 milhões de habitantes, e sua taxa de natalidade igual a 8,2 nascidos por 1000 habitantes. Estima-se que, em 2020, o total de alemães será de 82,5 milhões e, em 2025, de 82,4 milhões, ou seja, a população absoluta vai diminuir. A taxa de fecundidade, que corresponde ao número médio de filhos que uma mulher teria ao final de sua idade reprodutiva, também está em queda no Brasil. Em 1970, a mulher brasileira tinha, em média, 5,8 filhos. Em 2000, a média era de 2,3 filhos e, em 2007, de 2,0 filhos. Observe um censo da ONU, sobre a queda da fecundidade no Brasil. BAIXE O PDF! Em muitos países pobres, com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), onde a população é predominantemente rural e as condições de vida são precárias, as taxas de natalidade, embora com tendência de queda, ainda são altas. Observe o gráfico que elaborei para uma elucidação mais clara do supracitado. BAIXE O PDF! No continente africano, elas são superiores a 2% ao ano. A população do Congo, por exemplo, em 2007, era de 65,7 milhões de pessoas, e a taxa de natalidade era de 3,4% ao ano. Prevê-se que, em 2020, o total de habitantes desse país será de aproximadamente 89,5 milhões e, em 2025, o país deverá ter 104 milhões de pessoas. Na Nigéria havia 141,4 milhões de habitantes em 2005. As projeções indicam que a população nigeriana será de 206 milhões em 2020. 2. DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL A população mundial não se distribui de forma homogênea pela superfície da Terra. Observe o mapa. Você perceberá que algumas regiões do planeta são fortemente povoadas, enquanto outras apresentam-se despovoadas. Essa distribuição está associada a fatores naturais, históricos e políticos. BAIXE O PDF! Fonte: IBGE. Acesso em Julho de 2019. 2.1 Fatores desfavoráveis à ocupação De maneira geral, fatores como relevo plano, clima ameno, solos férteis, grande quantidade de água disponível e proximidade de rios e mares tornam determinadas áreas mais propícias à ocupação humana. A maior parte da população mundial mora em cidades, sobretudo nas regiões litorâneas, onde os portos estimularam o desenvolvimento de atividades econômicas. Os vales dos rios também apresentam elevada concentração populacional, devido à fertilidade dos solos, à disponibilidade de água e alimento (pesca) e à possibilidade de os rios servirem como vias de transporte e comunicação. 2.2 Ocupação de áreas pouco favoráveis A tecnologia facilita a ocupação de áreas pouco favoráveis à ocupação humana. A irrigação permite que se cultive em regiões desérticas e que ocorra a fixação de populações. Em regiões muito frias, onde as temperaturas podem ser inferiores a -40 °C no inverno, a engenharia criou soluções para o aquecimento dos ambientes e permitiu a construção de áreas de comércio e circulação subterrâneas, onde a temperatura é controlada. REFERENCIAL TEÓRICO BACCI, M. L. Breve história da população mundial. 1ª ed. Portugal: Edições 70, 2013. BARREAU, J. C.; BIGOT, G. Toda a geografia do mundo. 1ª ed. Portugal: Teorema Portugal, 2008. DUPÂQUIER, J. A população no século XX. 1ª ed. Portugal: Edições Piaget, 2002. VESENTINI, J. W. Geografia – o mundo em transição. 1ª ed. Vol. Único. São Paulo: Ática didáticos, 2009. © Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - PE, 2019
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HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I THE SOCIOLOGY CONTEMPORANY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399. PREMISSA Se até a década de 1960 podia-se falar em uma Sociologia dividida por países, após essa época, tendo em vista um processo significativo de circulação de informações pelos mais va…Read moreHISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I THE SOCIOLOGY CONTEMPORANY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399. PREMISSA Se até a década de 1960 podia-se falar em uma Sociologia dividida por países, após essa época, tendo em vista um processo significativo de circulação de informações pelos mais variados meios de comunicação, pode-se dizer que os principais cientistas sociais se tornaram globalizados, assim como a literatura sociológica. As questões sociais, que até então podiam estar localizadas em países ou em blocos de países, também se tornaram mundializadas, e vários pensadores passaram a refletir sobre temas chamados de pós-modernos, hipermodernos ou simplesmente contemporâneos, e que afetam um país, uma região ou todo o mundo. A Sociologia contemporânea, porém, mantém uma relação significativa com as grandes vertentes da Sociologia anterior: • a marxista ou histórico-estrutural, com suas variações; • a durkheimiana ou funcionalista, com o desenvolvimento de um neofuncionalismo; • a weberiana ou compreensiva, com o desenvolvimento da fenomenologia e da hermenêutica; • a teórica e pragmática estadunidense, com variadas linhas. Além dessas vertentes, pensadores como Jean-Gabriel de Tarde e Georg Simmel, que estavam um tanto esquecidos, pelo menos no Brasil, em razão da ênfase em Émile Durkheim, num caso, e em Max Weber, em outro, retomaram seus lugares de destaque. Essas vertentes inspiraram outros tantos pensadores, que – refletindo sobre a realidade em que vivem, mesclando ou não contribuições de diferentes linhas teóricas e formulando uma série de conceitos – demonstram as possibilidades e a diversidade do pensamento sociológico e fazem a Sociologia avançar muito no processo de compreensão da realidade contemporânea. A combinação de diversas vertentes teóricas torna difícil fazer qualquer enquadramento ou mesmo tentar classificar determinados autores. Muitos analistas veem nisso uma crise de paradigmas na Sociologia contemporânea. Essa “crise” poderia ser entendida do ponto de vista epistemológico; entretanto, sempre houve diversidade de epistemologias na Sociologia. Acreditamos que essa diversidade epistemológica, de teorias, de objetos e de métodos, concorrentes ou não, na explicação de fenômenos sociais deve ser vista como indicativo de vigor, e não de decadência. Por fim, indico a seguir, em ordem alfabética, alguns dos pensadores e sociólogos contemporâneos cujo trabalho tem dado especial contribuição à Sociologia desenvolvida no Brasil: Alain Touraine (1925-), Anthony Giddens (1938-), Axel Honneth (1949-), Boaventura de Sousa Santos (1940-), David Harvey (1935-), Edgard Morin (1921-), François Dubet (1946), Gilles Lipovetsky (1944-), Howard S. Becker (1928-), Immanuel Wallerstein (1930-), István Mészáros (1930-2017), Jean Baudrillard (1929-2007), Jürgen Habermas (1929-), Manuel Castells (1942-), Marshall Bermann (1940-2013), Michael Löwy (1938-), Michel Maffesoli (1944-), Néstor García Canclini (1939-), Niklas Luhmann (1927-1998), Norbert Elias (1897-1990), Peter Ludwig Berger (1929-2017), Ralph Dahrendorf (1929-2009), Raymond Boudon (1934-2013), Richard Sennett (1943-), Serge Moscovici (1928 -2014), Thomas Luckmann (1927-2016), Ulrich Beck (1944-2015) e Zygmunt Bauman (1925-2017). REFERENCIAL TEÓRICO CUIN, C. H.; GRESLE, F. História da Sociologia. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ensaio, 1994. NERY, M. C. R. Sociologia contemporânea. 1ª ed. Curitiba: IESDE, 2007. NOVA, S. V. Introdução a Sociologia. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia PUCRS - PPG em Ciências Sociais Avenida Ipiranga, 6681 - Partenon CEP: 90619-900 - Porto Alegre, RS [email protected] Emanuel Isaque Cordeiro da Silva © 2019 Estimule a criatividade, respeite o direito autoral.
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O Pensamento Social dos Estados Unidos: uma abordagem históricaEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaHISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA NOS ESTADOS UNIDOS HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I SOCIOLOGY IN UNITED STATES Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA A Sociologia nos Estados Unidos desenvolveu-se no contexto de dois grandes eventos que marcaram profundamente a história do país. O primeiro foi a Guerra de Secessão (també…Read moreHISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA NOS ESTADOS UNIDOS HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I SOCIOLOGY IN UNITED STATES Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA A Sociologia nos Estados Unidos desenvolveu-se no contexto de dois grandes eventos que marcaram profundamente a história do país. O primeiro foi a Guerra de Secessão (também conhecida como Guerra Civil Americana), que ocorreu entre 1861 e 1865 e gerou ressentimentos e atritos entre a população do sul e a do norte dos Estados Unidos. Em contrapartida, houve a urbanização das terras do oeste e das áreas centrais do país, o que contribuiu para o crescimento da economia e a expansão industrial. No norte, graças ao esforço de guerra, houve um grande crescimento, principalmente na metalurgia, no transporte ferroviário, na indústria de armamentos e na indústria naval. O comércio também se expandiu de maneira exponencial em todo o território estadunidense. O padrão de cultura dos Estados Unidos passou a ser o ideal nortista de “trabalho duro, educação e liberdade econômica a todos”. Houve ainda um grande desenvolvimento de escolas e instituições de ensino superior. O segundo grande evento que marcou a história estadunidense foi a chegada em massa de estrangeiros. Entre 1860 e 1900, os Estados Unidos passaram de país agrícola, com população em torno de 4 milhões, para país industrial, com uma das maiores economias do mundo e com 75 milhões de habitantes. O incremento populacional e a industrialização redundaram em um processo de urbanização sem precedentes que continuou até a década de 1930. Para se ter uma ideia, em 1860 viviam em Chicago 102 260 pessoas; em 1900, a população da cidade passou a 1 698 575 e, em 1930, a 3 375 329. Em virtude desses fatores, consolidaram-se nos Estados Unidos uma burguesia industrial, comercial e financeira significativa, uma classe trabalhadora majoritariamente formada por imigrantes e uma classe média em ascensão. As principais cidades passaram a ser um espaço de conflito e alvo de preocupações. Temas como imigração, aculturação, conflitos étnicos, comportamentos desviantes e políticas públicas foram importantes na Sociologia desenvolvida inicialmente no país. Entre os principais fundadores da Sociologia nos Estados Unidos estão William Graham Sumner (1840 -1910), Lester Frank Ward (1841-1913), Albion Woodbury Small (1854-1926), Franklin Henry Giddings (1855-1931), Thorstein Bunde Veblen (1857-1929), William Isaac Thomas (1863-1947), Robert Ezra Park (1864-1944), Charles Horton Cooley (1864-1929) e George Herbert Mead (1863-1931). A herança cultural desses fundadores é muito diversa: foram influenciados principalmente pela tradição religiosa protestante disseminada em quase todo o território, pelo liberalismo econômico clássico conservador, do tipo laissez-faire, pelo evolucionismo do inglês Charles Darwin (1809-1882) e pelo darwinismo social de Herbert Spencer (1820-1903). Acrescente-se a esse cadinho de concepções de mundo e ciência o pragmatismo do filósofo e psicólogo William James (1842-1910) e do filósofo Charles Pierce (1839-1914). Essa herança permite compreender as duas grandes características da Sociologia nos Estados Unidos: • multiplicidade de temas, problemas e propostas e diversidade teórica e metodológica; • desenvolvimento desse campo do conhecimento em universidades, nas quais as atividades eram financiadas pelo Estado e pelo setor privado (Fundação Rockefeller, comitês e associações normalmente religiosas). Por causa dessa segunda característica, optei por analisar o desenvolvimento da Sociologia nos Estados Unidos em três importantes universidades estadunidenses: a de Chicago, Harvard e Columbia. 1. A Universidade de Chicago A Universidade de Chicago foi fundada em 1890 pelo magnata do petróleo John D. Rockefeller e recebeu os primeiros alunos em 1892. Nela foi criado o primeiro departamento de Sociologia dos Estados Unidos, sob a direção de Albion Woodbury Small. No início de seus trabalhos sociológicos, a Universidade de Chicago deu primazia à pesquisa empírica, procurando conhecer, por meio da observação direta, a dinâmica das relações sociais. Desenvolveu uma forte tendência pragmática e microssociológica, que viria a ser conhecida como a Escola de Chicago. A maior preocupação dos integrantes dessa Escola foi com os problemas das grandes cidades dos Estados Unidos, como a marginalidade social, o alcoolismo, as drogas, a segregação racial e a delinquência, estabelecendo uma relação entre a pesquisa sociológica e a intervenção dos organismos públicos na sociedade. Os sociólogos de Chicago também se dedicaram ao que chamaram de ecologia humana, em oposição à ecologia animal e vegetal. Em 1895, Albion Woodbury Small fundou o American Journal of Sociology e, em 1907, participou ativamente da fundação da Sociedade Americana de Sociologia. Ele publicou, com Georges Vincent, em 1894, talvez o primeiro manual de Sociologia para estudantes, intitulado Introdução ao estudo da sociedade. Tendo estudado na Alemanha, Small foi o principal divulgador do pensamento de Georg Simmel nos Estados Unidos. Entre os integrantes da Escola de Chicago mais conhecidos no Brasil, podemos citar William I. Thomas (1863-1947) e Florian Znaniecki (1882-1958), cuja principal obra foi O camponês polonês na Europa e na América, editada em 1918. Destacam-se ainda Robert E. Park (1864-1944) e Ernest W. Burgess (1886-1966), que escreveram, entre outras obras, Introdução à ciência da Sociologia, em 1921. Os dois, com Roderick Mackenzie, escreveram o clássico A cidade, em 1925. Outro membro de destaque foi Louis Wirth (1897-1952), autor de O gueto, escrito em 1928, e de um artigo que se tornou famoso, “Urbanismo como modo de vida”, publicado em 1938, no American Journal of Sociology. A Escola de Chicago congregou, ainda, sociólogos e antropólogos com ligação com a Psicologia Social, que desenvolveram uma abordagem sociológica das relações sociais conhecida como interacionismo simbólico. A principal figura dessa vertente foi George Herbert Mead (1863-1932), que trabalhou em diversas áreas, sobretudo como psicólogo social e como professor de várias gerações de antropólogos e sociólogos. Seus escritos foram sistematizados por seus alunos e publicados com o nome Mind, self and society (A mente, o eu e a sociedade), em 1934. Além da tradição intelectual dos Estados Unidos, os integrantes da Escola de Chicago receberam a influência de Jean-Gabriel de Tarde, Émile Durkheim e Georg Simmel. Seus continuadores foram Herbert Blumer (1900-1987) e Everett C. Hughes (1897-1983). 1.1 Erving Goffman (1922-1982) O representante da Sociologia desenvolvida na Universidade de Chicago mais influente no Brasil é Erving Goffman, que nasceu em Manville, Alberta, no Canadá, em 1922, e faleceu nos Estados Unidos em 1982. Obteve o grau de bacharel pela Universidade de Toronto, em 1945, e concluiu mestrado (1949) e doutorado (1953) na Universidade de Chicago, onde estudou Sociologia e Antropologia Social. Em 1958, tornou-se professor da Universidade da Califórnia e, em 1968, ingressou na Universidade da Pensilvânia, onde foi professor de Antropologia e Sociologia. Entre 1981 e 1982, Goffman foi presidente da Sociedade Americana de Sociologia e realizou pesquisas na linha da Sociologia interpretativa e cultural, iniciada por Max Weber, desenvolvendo a ideia de que o mundo é um teatro e cada um, individualmente ou em grupo, interpreta papéis de acordo com as circunstâncias em que se encontra. Essas circunstâncias são marcadas por rituais e posições distintivas em relação a outros indivíduos ou grupos. Para ele, é possível distinguir indivíduos, grupos e classes com base, por exemplo, em aspectos como as formas de vestir ou de se apresentar publicamente. O sociólogo considera a interação social como um processo fundamental de identificação e de diferenciação dos indivíduos e grupos, analisando-a no cotidiano, especialmente em lugares públicos. Goffman estudou com especial atenção o que chamou de “instituições totais”, lugares onde o indivíduo é isolado da sociedade, como prisões e manicômios. De acordo com o sociólogo brasileiro Édison Gastaldo: O trabalho de Goffman trouxe à luz aspectos da vida cotidiana que não se julgavam “sociologicamente relevantes”. Seus insights sobre as interações ordinárias, sobre o deslocamento dos pedestres, sobre a ocupação social dos espaços públicos, sobre a atuação dos vigaristas, mendigos, loucos, espiões, jogadores e de todos aqueles que passam cotidianamente debaixo de nossos narizes sem que prestemos atenção modificaram o pensar sociológico no mundo. Sua descrição etnográfica de um hospital para doentes mentais colaborou decisivamente para deflagrar a luta antimanicomial no mundo inteiro. Vinte e dois anos depois de sua morte, os temas e os conceitos desenvolvidos por Goffman ainda estão em pleno uso e vitalidade (GASTALDO, 2004, p. 9/10). Suas três obras mais conhecidas são: A representação do eu na vida cotidiana (1959), Manicômios, prisões e conventos (1961) e Estigma: notas sobre a manipulação da identidade (1963). 2. A Universidade Harvard A história de Harvard começa em 1636, quando foi fundada, na cidade de Cambridge, no estado de Massachusetts, uma instituição de ensino denominada New College. Em 1639, essa instituição recebeu o nome de Harvard College, em homenagem a John Harvard, seu principal mecenas. A Sociologia desenvolvida na Universidade Harvard é marcada por uma preocupação teórica e tem dois sociólogos como expoentes: Pitirim Alexandrovich Sorokin (1889-1968) e Talcott Edgar Frederick Parsons (1902-1979). Este último influenciou muito o desenvolvimento da Sociologia no mundo e no Brasil. 2.1 Talcott Parsons (1902-1979) Talcott Parsons nasceu no Colorado, nos Estados Unidos. Em 1924, graduou-se em Biologia e Filosofia na Faculdade Amherst. Em 1925, pós-graduou-se em Ciências Sociais na Escola de Economia de Londres, na Inglaterra, e, em seguida, doutorou-se na Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Nos Estados Unidos, lecionou Economia e Sociologia na Universidade Harvard durante 45 anos (1927-1973). Em 1944, tornou-se presidente do Departamento de Sociologia, transformando-o, dois anos depois, no Departamento de Relações Sociais, a fim de unir a Sociologia a outras ciências sociais. Assim como Sorokin, Parsons voltou-se para a Sociologia europeia, tendo por base as ideias de Max Weber, Vilfredo Pareto (1848-1923) e Émile Durkheim, além das do economista inglês Alfred Marshall (1842-1924). Fundamentado nesses autores, desenvolveu uma grande obra teórica, que dominaria a Sociologia estadunidense desde então. Parsons é o sociólogo estadunidense mais conhecido no mundo. Em geral, seus críticos entenderam-no como um pensador conservador, preocupado basicamente com o bom ordenamento da sociedade. Seu interesse era determinar a função que os indivíduos desempenhavam na estrutura social. Entendia o indivíduo como expressão dessa estrutura, a qual devia ser mantida e preservada. Caso isso não ocorresse, deviam entrar em ação os mecanismos de controle social (moral, ética, sistema jurídico e penal etc.), como instrumentos preventivos ou corretivos. Seu trabalho exerceu influência em diversos países e ambientes acadêmicos (particularmente nas décadas de 1950 a 1970), até mesmo na então União Soviética, onde, em 1964, ministrou aulas sobre a Sociologia estadunidense a convite da Academia de Ciências da União Soviética (URSS). Suas principais obras foram: A estrutura da ação social (1937), O sistema social (1951), Economia e sociedade (1956, com N. Smelser), Estrutura e processo nas sociedades modernas (1960), Sociedades: perspectivas evolucionárias e comparativas (1966), Teoria sociológica e sociedade moderna (1968), Política e estrutura social (1969), Sistemas sociais e a evolução da teoria da ação (1977) e Teoria da ação e a condição humana (1978). 3. A Universidade Columbia A King’s College foi fundada em 1754, em Nova York, nos Estados Unidos. Quando as colônias inglesas se declararam independentes da Grã-Bretanha, a instituição passou a se chamar Universidade Columbia. A partir da última década do século XIX, essa universidade se destacaria por uma importante produção no campo da Sociologia, tendo como pioneiro Franklin Giddings (1855-1931), fundador da cadeira de Sociologia. Fortemente marcado pelo evolucionismo e pelo pragmatismo, foi um dos primeiros a usar métodos quantitativos e experi-mentais no estudo dos fenômenos sociais. Dois sociólogos de Columbia merecem destaque, por serem muito conhecidos no Brasil: Robert K. Merton e Charles Wright Mills. 3.1 Robert King Merton (1910-2003) Merton nasceu na Filadélfia e faleceu em Nova York. Graduou-se em Sociologia na Universidade Temple e pós-graduou-se na Universidade Harvard, onde trabalhou com Pitirim Sorokin e Talcott Parsons até a defesa de seu doutorado, em 1936. Em 1941 Merton transferiu-se para a Universidade Columbia, onde permaneceu durante 38 anos, até aposentar-se. Nessa universidade procurou integrar teoria à prática sociológica. Estudou o comportamento desviante e os processos de adaptação social, tendo por base pesquisas qualitativas e quantitativas do exercício profissional em ambiente de solidariedade e de conflito. Com Paul Lazarsfeld (1901-1976), desenvolveu o Departamento de Pesquisa Social Aplicada. O nome de Merton está vinculado à proposta de criação de teorias de alcance médio, segundo a qual os sociólogos seriam mais úteis à sociedade se deixassem de lado as grandes teorias (criticando Parsons) e criassem outras de médio alcance. Essas teorias estariam situadas entre as hipóteses de trabalho rotineiras na pesquisa e as amplas especulações. Mediariam, dessa forma, as abstrações, generalizações e fundamentos empíricos da pesquisa. Merton tinha uma visão humanista da função social da ciência, demonstrando influência clara de Max Weber. Concebia a ciência como um conjunto de conhecimentos compartilhados por todos os membros da sociedade, que deveriam julgar a credibilidade das postulações científicas de acordo com suas expectativas e valores morais. Mas as decisões acerca do fazer científico não caberiam à sociedade, e sim ao próprio cientista, sempre adequando seus valores aos da sociedade. 3.2 Charles Wright Mills (1916-1962) Charles Wright Mills (1916-1962) nasceu em Waco, no Texas, Estados Unidos. Mestre em Artes, Filosofia e Sociologia pela Universidade do Texas, concluiu, em 1942, seu doutorado em Sociologia e Antropologia pela Universidade de Wisconsin. Foi professor de Sociologia nas universidades de Maryland e Columbia, onde passou a lecionar em 1947 e permaneceu até a morte, em 1962. Charles Mills representa uma tendência quase marginal na Sociologia dos Estados Unidos, por apresentar uma visão crítica e militante da sociedade estadunidense e da própria Sociologia. Influenciado por Karl Marx e Max Weber, Mills procurou conciliar o conceito de classe social com o de status, visando esclarecer processos e mecanismos dos conflitos e das mudanças sociais. Por meio de pesquisas, tentou elucidar a complexidade de estruturas de poder, particularmente das elites (em lugar de classes dominantes), e de seu papel na mudança social, fugindo da ideia de revolução como única via para a transformação social. Charles Wright Mills é conhecido principalmente por seu livro A imaginação sociológica, publicado originalmente nos Estados Unidos em 1959. Nele, o autor propõe que os sociólogos, ao exercer a profissão, não deixem a imaginação e a criatividade de lado em favor de uma pretensa objetividade e neutralidade do trabalho científico. Para Mills, os grandes intelectuais da história nunca abriram mão da reflexão e da criatividade e mantiveram uma postura crítica diante da realidade. Atribuindo aos sociólogos a responsabilidade de agentes ativos na sociedade, cabendo-lhes tomar parte nos debates públicos de sua época, Mills defendia a ideia de que a Sociologia deveria ser compreensível para o grande público. Para ele, a ciência social era inseparável da vida pessoal do cientista: a intuição, a imaginação e o comprometimento com o tempo em que se vivia eram fundamentais para compreender cientificamente a sociedade. Suas obras foram publicadas em vários idiomas. Além da citada anteriormente, as mais importantes são: A nova classe média (1951), A elite do poder (1956), Sobre o artesanato intelectual (1959) e Os marxistas (1962). Mills escreveu também artigos em revistas e dois livros que tiveram grande exposição na mídia dos Estados Unidos, por seu caráter polêmico: As causas da Terceira Guerra Mundial (1958), no qual discute a corrida nuclear, e A Revolução em Cuba (1960), em que analisa a fase inicial da Revolução Cubana. Outros sociólogos que defendem uma postura crítica na Sociologia estadunidense, continuadores ou não de Charles Wright Mills, são Irving Louis Horowitz (1929-2012), Martin Nicolaus (1928-) e Alvin Gouldner (1920-1980). REFERENCIAL TEÓRICO BOTTOMORE, T.; et al. Dicionário do pensamento social do século XX. Trad. Eduardo Francisco Alves. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. COULON, A. A Escola de Chicago. Trad. Tomás R. Bueno. 1ª ed. Campinas: Papirus, 1995. CUIN, C. H.; GRESLE, F. História da Sociologia. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ensaio, 1994. DOMINGUES, J. M. A sociologia de Talcott Parsons. 1ª ed. São Paulo: Annablume, 2008. GASTALDO, É. (org.); et al. Erving Goffman, desbravador do cotidiano. 1ª ed. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2004. NOVA, S. V. Introdução à Sociologia. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2016. VALLADARES, L. do P. A Escola de Chicago: impacto de uma tradição no Brasil e na França. 1ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 2005. VÁRIOS, autores. O livro da sociologia. As grandes ideias de todos os tempos. Trad. Rafael Longo. 1ª ed. São Paulo: Globo, 2015. SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia PUCRS - PPG em Ciências Sociais Avenida Ipiranga, 6681 - Partenon CEP: 90619-900 - Porto Alegre, RS [email protected] Emanuel Isaque Cordeiro da Silva ©2019 Estimule a criatividade. Respeite os direitos autorais.
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História do pensamento social na Alemanha: uma abordagem históricaEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaHISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA NA ALEMANHA HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I SOCIOLOGY IN GERMANY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mail's: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA Na Alemanha, a Sociologia foi profundamente influenciada pela discussão filosófica, histórica e metodológica que se desenvolveu entre o final do século XIX e o início do século XX. E…Read moreHISTÓRIA DA SOCIOLOGIA: O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA I A SOCIOLOGIA NA ALEMANHA HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I SOCIOLOGY IN GERMANY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mail's: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)9.8143-8399. PREMISSA Na Alemanha, a Sociologia foi profundamente influenciada pela discussão filosófica, histórica e metodológica que se desenvolveu entre o final do século XIX e o início do século XX. Em seus fundamentos encontra-se o pensamento de vários filósofos, como Johann Gottlieb Fichte (1762 -1814), Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775 -1854), Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768 -1834), Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 -1831) e Friedrich W. Nietzsche (1844-1900). O representante mais expressivo da Sociologia alemã é Max Weber (1864-1920). Outros pensadores, entretanto, contribuíram significativamente para a formação e o desenvolvimento da Sociologia na Alemanha, entre os quais Ferdinand Tönnies (1855 -1936), Werner Sombart (1863-1941), Georg Simmel (1858-1918) e os estudiosos que a partir da década de 1920 constituíram a chamada Escola de Frankfurt. A obra desses autores liga-se fortemente ao processo de unificação alemã, promovido somente após o triunfo de Otto von Bismarck na Guerra Franco-Prussiana (1871), e à aceleração da industrialização alemã. Esses dois fatores conferiram à Alemanha uma situação muito diferente da de outros países europeus. A alteração nas estruturas de poder, na Alemanha, não ocorreu por meio de uma revolução, como na França, mas por um acordo entre a bur-guesia industrial e os grandes proprietários de terra, tendo em vista uma transição mais adequada aos seus interesses. Vale salientar, em nota, que após a Guerra Franco-Prussiana (1870-71), os príncipes alemães se reuniram no palácio de Versalhes (França), onde aclamaram Guilherme I, da Prússia, como o imperador alemão. Assim surgia o Império da Alemanha, em 1871. A burguesia industrial não estava preocupada em alterar de modo significativo a estrutura fundiária, e os grandes proprietários, que se encastelaram na burocracia estatal, não permitiram a formulação de uma legislação trabalhista que prejudicasse os interesses da burguesia. Assim se fez uma mudança “por cima”, sem levar em conta os interesses dos trabalhadores urbanos ou rurais. Destacam-se aqui dois importantes soció-logos alemães: Georg Simmel e Max Weber, pela presença no Brasil. Depois, brevemente, falar-se-á aqui da famosa Escola de Frankfurt. 1. Georg Simmel (1858-1918) Nascido em Berlim, Georg Simmel é um pensador difícil de enquadrar em alguma tendência ou campo específico do conhecimento. Vamos ler um trecho do que escreveu sobre ele o sociólogo brasileiro Leopoldo Waizbort: Quem tentar esboçar a fisionomia de Georg Simmel (1858-1918), logo se encontra em meio a dificuldades que são características próprias daquilo que se quer apreender. Simmel sempre postulou para seu próprio pensamento uma mobilidade e uma plasticidade para se adaptar ao seu objeto – uma multiplicidade de direções, uma defesa do fragmento –, que se opõem a toda tentativa de fixação e acabamento, a toda pretensão de sistema. Por isso todos os rótulos que lhe são atribuídos, apesar de possuírem seu teor de verdade, sempre soam tão falsos: vitalismo, relativismo, esteticismo, formalismo, irracionalismo, psicologismo, impressionismo e tantos mais. Disto também é exemplo o fato de Simmel, hoje considerado, ao lado de Max Weber e Ferdinand Tönnies, um dos “pais” da sociologia alemã, não poder ser classificado sem mais como “sociólogo”, sob pena de se perderem várias outras dimensões que são essenciais ao seu pensamento (WAIZBORT, 2000. p. 11). G. Simmel foi o último dos sete filhos de um próspero comerciante judeu convertido ao cristianismo. Com a morte do pai, herdou uma fortuna considerável que lhe permitiu independência para desenvolver a vida acadêmica. Estudou História e Filosofia na Universidade de Berlim, onde foi aluno das mais importantes figuras acadêmicas da época. Em 1881, defendeu uma tese sobre Immanuel Kant e recebeu o título de doutor em Filosofia. Entre 1885 e 1914, lecionou Filosofia, Ética e Sociologia na Universidade de Berlim, mas nunca foi incorporado formalmente à universidade. Ocupou o cargo de professor titular de Filosofia somente em 1914, em Estrasburgo, cidade onde permaneceu até a morte, em 1918. Na virada do século XIX para o século XX na Alemanha, houve uma intensa efervescência filosófica, cultural e artística, cenário em que se desenvolveram a psicanálise, a teoria da relatividade, o positivismo lógico e a música atonal. Nesse cenário, Simmel tornou-se um conferencista muito aclamado e escreveu artigos e ensaios sobre os mais variados temas da Filosofia, como lógica, teoria do conhecimento, ética, estética ou metafísica, além de temas da Psicologia, da Sociologia, da História e da religião. Escreveu também muitas biografias (de Johann Wolfgang von Goethe, de Friedrich Nietzsche, de Immanuel Kant e de Rembrandt, entre outros). Suas obras sociológicas mais importantes são: Da diferenciação social (1890), A filosofia do dinheiro (1907), Sociologia (1908) e Questões fundamentais da Sociologia (1917). Georg Simmel teve influência marcante no desenvolvimento da Sociologia na Alemanha, nos Estados Unidos (em especial na Escola de Chicago) e na França (em Durkheim e seus colaboradores diretos). Suas obras foram traduzidas para o francês e o inglês, muitas vezes antes de ser publicadas em alemão. 2. Max Weber (1864-1920) Max Weber nasceu em 21 de abril de 1864, em Erfurt, e morreu em Munique, em 1920. De família abastada, teve uma educação formal de boa qualidade, o que lhe permitiu uma erudição notável. Com 18 anos, ingressou na Universidade de Heidelberg, onde escolheu como área de concentração o Direito e como correlatas a História, a Filosofia e a Economia. Nessa universidade, teve o primeiro contato com os escritos de Immanuel Kant e com neokantianos, os quais nunca deixou de lado em seus estudos. Em 1889, concluiu o doutorado em Direito Comercial com uma tese sobre a história das sociedades comerciais da Idade Média. Em 1891, defendeu outra tese: A importância da história agrária romana para o direito público e privado. Em 1894, tornou-se professor de Economia na Universidade de Freiburg e, dois anos depois, transferiu-se para a Universidade de Heidelberg. A partir de 1897, acometido de uma depressão profunda, não conseguiu desenvolver as atividades acadêmicas. Entre 1902 e 1903, retomou as atividades intelectuais, mas fora da universidade, pois não tinha condições psicológicas para ministrar aulas. No ano seguinte, tornou-se coeditor do Arquivo de Ciências Sociais, publicação muito importante para o desenvolvimento dos estudos sociológicos na Alemanha. Entre agosto e dezembro de 1904, viajou, com Ferdinand Tönnies e Werner Sombart, aos Estados Unidos, por ocasião da Exposição Universal de Saint-Louis, onde entrou em contato com as igrejas e seitas protestantes daquele país e também com vários escritos de Benjamin Franklin (1706-1790), o que foi fundamental para suas pesquisas sobre a relação entre a ética protestante e o capitalismo. Em 1907, recebeu uma herança significativa. A partir de então, dedicou-se exclusivamente à investigação histórica e sociológica. Em 1909, colaborou na fundação da Sociedade Alemã de Sociologia. Ao ser deflagrada a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Weber foi convocado como oficial da reserva para dirigir um hospital militar. Entre as atividades no hospital encontrou tempo para continuar a escrever partes do livro que foi publicado postumamente por sua esposa, com o título Economia e sociedade. Além disso, desenvolveu estudos sobre ética econômica e as religiões universais e escreveu uma série de artigos para os grandes jornais da Alemanha. Nesses artigos, criticou a estrutura partidária do país e a burocratização das esferas políticas na Alemanha, afirmando que aquela situação ainda era a herança de Otto von Bismarck. Em 1917, pronunciou uma conferência – A ciência como vocação – e produziu um escrito, no qual explicitou seu método – Ensaio sobre neutralidade axiológica nas ciências sociológicas e econômicas. Pelas ideias expostas em debates e nos jornais e por sua erudição, Max Weber, após a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, fez parte da comissão que redigiu, em 1919, a nova constituição política alemã, conhecida como a Constituição de Weimar. Pode-se afirmar que a vida de Max Weber foi dedicada aos estudos, à pesquisa e à participação ativa na política alemã de seu tempo, por meio de conferências e artigos para jornais e revistas. Weber não media esforços para analisar e com-preender mais profundamente os temas que elegia. Aprendeu grego e hebraico para ler a Bíblia no original, espanhol para ler os documentos sobre as companhias de navegação e comércio espanhol, russo para ler os jornais sobre os acontecimentos na Rússia de 1905 até a revolução de 1917, inglês para ler os textos estadunidenses sobre a vida religiosa e a ética dos protestantes. Para Max Weber, o indivíduo é o núcleo de análise por ser o único que pode definir intenções e finalidades para seus atos. Desse modo, o ponto de partida da Sociologia é a compreensão da ação dos indivíduos, atuando e vivenciando situações sociais com determinadas motivações e intenções. Instituições como Estado e família só ganham sentido quando vistas da perspectiva das relações sociais. Assim, Max Weber não concebe a sociedade como um bloco, uma estrutura una, mas como uma teia de relações capazes de produzir sentido. A obra de Max Weber é vasta e engloba história, direito e economia, passando pelas questões religiosas, pelos processos burocráticos, pela análise da cidade, da música e, enfim, pela discussão metodológica das ciências humanas e dos conceitos sociológicos. Entre os seus escritos, podemos destacar: A ética protestante e o “espírito” do capitalismo (1904-1905/1920), A ciência como vocação (1917), A política como vocação (1919), Economia e sociedade (1920), História geral da economia (1923) e Ensaios reunidos de sociologia da religião (1917/1920). Outros sociólogos alemães mantiveram-se em atividade após a Primeira Guerra Mundial, como Ferdinand Tönnies, Leopold von Wiese (1876 -1969), Hans Freyer (1887-1969) e Franz Oppenheimer (1864 -1943), que fundou, em 1919, a primeira cátedra de Sociologia na Alemanha, em Frankfurt. 3. A Escola de Frankfurt Logo após a morte de Max Weber, abriu-se um novo horizonte para a Sociologia alemã com a fundação do Instituto de Pesquisa Social, vinculado à Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt, que ficou conhecido como Escola de Frankfurt. Em 1923, um grupo de intelectuais – entre eles Friedrich Pollok (1894-1970), Leo Löwenthal (1900-1993), Karl August Wittfogel (1896-1988), Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969) – desenvolveu uma análise da sociedade contemporânea com base em concepções filosóficas de Immanuel Kant, Friedrich Hegel e Friedrich Nietzsche, em visões sociológicas de Karl Marx e de Max Weber e no pensamento de Sigmund Freud. Os integrantes do grupo de Frankfurt pretendiam desenvolver uma teoria crítica da sociedade capitalista e buscavam explicar fenômenos que iam da análise da personalidade autoritária à indústria cultural. Mantiveram a crítica ao positivismo e ao pragmatismo, procurando demonstrar a necessida-de de refletir sobre as condições que permitiram a emergência do nazismo e sobre o significado dessa ideologia. As reflexões desses intelectuais culminaram com uma crítica à razão instrumental e às formas de controle sobre a sociedade contemporânea. Além dos estudiosos citados, são representantes desse pensamento Walter Benjamin (1892-1940), Erich Fromm (1900-1980) e Herbert Marcuse (1898-1979), entre outros. Todos os integrantes da Escola de Frankfurt precisaram sair da Alema-nha por causa da perseguição nazista. Adorno e Horkheimer voltaram ao país depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Deram continuidade à Escola de Frankfurt, entre outros, Jürgen Habermas (1929-), da segunda geração, e Axel Honneth (1949-), da terceira e atual geração. REFERENCIAL TEÓRICO CUIN, C. H.; GRESLE, F. História da Sociologia. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ensaio, 1994. CULTURAL, A. Max Weber. Textos selecionados. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Col. Os Pensadores). NOVA, S. V. Introdução à Sociologia. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2016. VANDENBERGHE, F. As sociologias de Georg Simmel. 1ª ed. Petrópolis: Vozes, 2018. WAIZBORT, L. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: USP, Curso de Pós-Graduação em Sociologia/Editora 34, 2000. SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia PUCRS - PPG em Ciências Sociais Avenida Ipiranga, 6681 - Partenon CEP: 90619-900 - Porto Alegre, RS [email protected] Emanuel Isaque © 2019
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HISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I SOCIOLOGY IN FRANCE Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mail's: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399. PREMISSA A partir do último quartel do século XIX, a Sociologia como saber acadêmico, isto é, universitário, desenvolveu-se especialmente na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Em outros lugares também se desenvolveu um saber sociológico, mas não tão vigoroso nem tão ampl…Read moreHISTORY OF SOCIOLOGY: THE DEVELOPMENT OF SOCIOLOGY I SOCIOLOGY IN FRANCE Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE. E-mail's: [email protected] e [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399. PREMISSA A partir do último quartel do século XIX, a Sociologia como saber acadêmico, isto é, universitário, desenvolveu-se especialmente na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. Em outros lugares também se desenvolveu um saber sociológico, mas não tão vigoroso nem tão amplo e com tanta influência quanto nesses países. A SOCIOLOGIA NA FRANÇA No início do século XX, a França ainda estava sob a sombra da Guerra Franco-Prussiana (1870 -1871) e de seus desdobramentos. A derrota nessa guerra e o aniquilamento da Comuna de Paris deixaram marcas profundas na sociedade francesa, demandando a reformulação de sua estrutura produtiva, tecnológica e educacional. A chamada Terceira República Francesa (1871-1940), declarada durante a Guerra Franco-Prussiana, caracterizou-se pela radicalização das posições políticas e foi marcada por escândalos e crises. Durante esse período, a miséria e o desemprego conviveram com uma grande expansão industrial, ocasionando o fortalecimento das associações e organizações de trabalhadores e, consequentemente, a eclosão de greves e o aguçamento das lutas sociais, campo propício ao desenvolvimento das teorias socialistas. Muitas inovações tecnológicas propiciaram, nesse período, uma expansão significativa na esfera da produção, e invenções como o telégrafo, o avião, o cinema e o automóvel transformaram o ambiente social. As inovações e os problemas da sociedade capitalista, que permeavam a vida dos franceses, levaram à proposição de explicações para o que estava acontecendo. Nessa época, destacaram-se no cenário intelectual alguns pensadores que participaram ativamente da institucionalização da Sociologia na França. Destacam-se, entre outros, Frédéric Le Play (1806-1882), René Worms (1869-1926), Jean-Gabriel de Tarde (1843-1904) e Émile Durkheim (1858-1917). Esse último é considerado o sociólogo mais importante da França de então e, por isso, merece destaque. Émile Durkheim (1858-1917) Émile Durkheim nasceu em Épinal, em 15 de abril de 1858, e morreu em Paris, em 1917. Em 1879, ingressou na Escola Normal Superior, na qual teve professores de reconhecida competência, como Foustel de Coulanges (1830-1889), historiador de renome na França, e recebeu influência de filósofos neokantianos como Émile Boutroux (1845-1921) e Charles Renouvier (1815-1903). Em 1882 graduou-se em Filosofia. A fim de ampliar sua formação, viajou para a Alemanha em 1885, onde permaneceu durante um ano. Lá, teve aulas com Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920) e conheceu as obras de Wilhelm Dilthey (1833-1911), Ferdinand Tönnies (1855-1936) e George Simmel (1858-1918). Em 1887, tornou-se professor na Faculdade de Letras de Bordeaux, onde lecionou Pedagogia e Ciência Social até 1902. Em 1896, fundou a revista L’année Sociologique, em torno da qual se congregaram jovens colaboradores que posteriormente dariam continuidade a seu trabalho. Em 1906 assumiu a cadeira de Ciência da Educação na Universidade de Sorbonne e, em 1910, conseguiu transformá-la em cátedra de Sociologia. De 1893 a 1899, Durkheim publicou três de seus principais livros – Da divisão do trabalho social (1893), As regras do método sociológico (1895) e O suicídio (1897). Nessas obras e também em As formas elementares da vida religiosa, de 1912, conforme apontamento do sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983), a argumentação de Durkheim segue um roteiro preciso: • como ponto de partida, define-se o fenômeno a ser analisado; • a seguir, refutam-se todas as interpretações anteriores; • por último, desenvolve-se uma explicação propriamente sociológica do fenômeno considerado; Entre outras obras expressivas de Émile Durkheim, publicadas por ele ou organizadas e publicadas posteriormente por seus alunos e seguidores, encontram-se Educação e sociologia (1905), Sociologia e filosofia (1924), A educação moral (1902) e Lições de sociologia (1912). Émile Durkheim tornou-se a grande expressão da Sociologia francesa. A Sociologia foi para ele uma vocação pessoal e uma missão política, já que a concebia como uma ciência que permite a compreensão da crise social e moral da sociedade francesa e indica os remédios para restabelecer a solidariedade entre os membros dessa sociedade. A principal preocupação de Durkheim, já presente em Saint-Simon, foi dar um estatuto científico à Sociologia. Para isso, formulou alguns parâmetros lógicos importantes: • os fatos sociais só podem ser explicados por outro fato social; • os fatos sociais devem ser analisados como se fossem coisas, isto é, em sua materialidade; • é necessário abandonar os preconceitos ao analisar os fatos sociais. Atribuindo os males da sociedade de seu tempo a certa fragilidade moral (ideias, normas e valores), Durkheim propôs a formulação de novas concepções morais capazes de guiar a conduta dos indivíduos. De acordo com Durkheim, a ciência, e em especial a Sociologia, por meio de suas investigações, poderia indicar os caminhos e as soluções, pois os valores morais constituiriam elementos eficazes para neutralizar as crises econômicas e políticas, mediante a constituição de relações estáveis entre as pessoas. Assim, o elemento fundamental seria a integração social, assegurada pela consciência coletiva e pela solidariedade, que permitiriam a articulação funcional de todos os elementos da realidade social. Durkheim preocupou-se também com o processo educacional e com a contribuição da Sociologia para que a educação francesa se desvencilhasse das amarras religiosas existentes em seu tempo. Suas análises da questão educacional estão relacionadas com a possibilidade de se instituir uma educação de cunho laico e republicano, em contraposição à presença religiosa e monarquista no sistema de ensino francês. Vinculada à perspectiva de transformação da educação francesa e a uma nova moral burguesa, a Sociologia como disciplina foi inicialmente ministrada nos cursos secundários e só depois nos universitários. Tendo a educação como constante objeto de estudo em sua vida acadêmica, Durkheim refletiu não só sobre a história da organização educacional francesa, como também sobre os conteúdos ministrados. 2 A Sociologia na França depois de Durkheim Os principais continuadores do trabalho de Durkheim foram Marcel Mauss (1872-1950), Maurice Halbwachs (1877-1945), François Simiand (1873-1935), Paul Fauconnet (1874-1938) e Célestin Bouglé (1870-1940). Todos eles partiram de pontos de vista durkheimianos, mas não seguiram necessariamente os pressupostos e as posições do mestre e professor. Desenvolveram pesquisas próprias e até questionaram Durkheim em muitos pontos. Halbwachs, por exemplo, não aceitava a análise do pensador sobre o suicídio. Na Sociologia francesa de orientação marxista, destacam-se Henri Lefebvre (1901-1991); Lucien Goldman (1913-1970), nascido na Romênia; Louis Althusser (1918-1990), nascido na Argélia; Nikos Poulantzas (1936-1979), nascido na Grécia; e Michael Löwy (1938), nascido no Brasil. Entre os sociólogos franceses do século XX, das mais variadas tendências, podem ser citados: Georges Gurvitch (1894-1965), Georges Friedman (1902-1977), Raymond Aron (1905-1983), Roger Bastide (1898-1974), Jean Duvignaud (1921 -2007), Michel Crozier (1922-2013), Alain Touraine (1925-), Pierre Bourdieu (1930-2002), Raymond Boudon (1934 -2013) e Michel Maffesoli (1944-). 3 Pierre Bourdieu (1930-2002) Pierre Bourdieu nasceu em um vilarejo no sudoeste da França. Em 1951, ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Em 1954, graduou-se em Filosofia, assumindo a função de professor em Moulins. Na mesma década, foi enviado à Argélia, então colônia francesa, para prestar o serviço militar. Em 1958, assumiu o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras em Argel. Nesse período, iniciou uma pesquisa sobre a influência da colonização francesa na sociedade cabila. De volta à França, em 1960 tornou-se assistente do sociólogo Raymond Aron, na Faculdade de Letras de Paris. Na década de 1970, atuou como professor em importantes instituições estrangeiras, como as universidades de Harvard e de Chicago, nos Estados Unidos, e o Instituto Max Planck, em Berlim, na Alemanha. Em 1982, tornou-se docente da Escola de Sociologia do Collège de France, instituição que o consagrou como um dos maiores intelectuais de seu tempo. Pierre Bourdieu desenvolveu estudos em diversas áreas do conhecimento humano, discutindo temas como educação, cultura, literatura, arte, mídia, linguística e política. Sua discussão sociológica centralizou-se na tarefa de desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominação, contribuindo significativamente para a formação do pensamento sociológico contemporâneo. Desenvolveu também conceitos específicos, como o de violência simbólica, por meio da qual a classe dominante impõe sua cultura aos dominados e legitima suas forças, que expressam seus gostos de classe e seu estilo de vida, gerando o que ele define como distinção social. Analisando a Sociologia como disciplina, Bourdieu lançou um olhar crítico sobre a formação do sociólogo como censor e detentor de um discurso de verdade sobre o mundo social. Destacou-se ainda por se posicionar com muita clareza contra o neoliberalismo e a globalização capitalista. Entre as obras de Bourdieu traduzidas no Brasil, destacamos: A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino (1970), A economia das trocas simbólicas (1974), A distinção: crítica social do julgamento (1979), O poder simbólico (1989), A miséria do mundo (1993), Escritos de educação (1998), A dominação masculina (1998) e Esboço de uma autoanálise (2004). REFERENCIAL TEÓRICO CUIN, C. H.; GRESLE, F. História da Sociologia. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Ensaio, 1994. GIANOTTI, J. A. Durkheim. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. et al. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores). NOVA, S. V. Introdução a Sociologia. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
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Entendemos a Educação Infantil em amplo sentido, isto é, há um leque de conceitos em que pode-se gozar dentro da Pedagogia e as Ciências da Educação, é nessa modalidade de ensino que podem-se englobar todas as esferas educativas vivenciadas pelas crianças de, conforme Lei, 0 à 5 anos de idade, pela família e, também, pelo próprio corpo social, antes mesmo de atingir a idade educativa obrigatória que é, vide Lei, aproximadamente a partir dos 7 anos de idade. A EI também pode ser considerada como …Read moreEntendemos a Educação Infantil em amplo sentido, isto é, há um leque de conceitos em que pode-se gozar dentro da Pedagogia e as Ciências da Educação, é nessa modalidade de ensino que podem-se englobar todas as esferas educativas vivenciadas pelas crianças de, conforme Lei, 0 à 5 anos de idade, pela família e, também, pelo próprio corpo social, antes mesmo de atingir a idade educativa obrigatória que é, vide Lei, aproximadamente a partir dos 7 anos de idade. A EI também pode ser considerada como uma das mais complexas fazes do desenvolvimento humano, em diversas esferas, seja ela a intelectual, emocional, social, motora, psicomotora, etc. uma vez que tratam-se de crianças que, muitas vezes, têm o primeiro contato com um novo ambiente, que é o ambiente escolar. Diante disso, torna-se primordial a inserção das crianças em berçários, creches e Educação Maternal, também denominado de pré-escola, para que as mesmas interajam entre seus semelhantes e comecem a aproximar-se da vida social e educacional, estando preparadas para uma nova etapa educacional. Mediante essa perspectiva da vida psicopedagógica das crianças, Kuhlmann Júnior ressalta que: Pode-se falar de “Educação Infantil” em um sentido bastante amplo, envolvendo toda e qualquer forma de educação da criança na família, na comunidade, na sociedade e na cultura em que viva (2003. p. 469). Mediante a análise de Kuhlmann, logo, a EI designa a periodicidade regular a uma entidade educativa exterior ao domicílio, isto é, trata-se do lapso da vida escolar em que se volta-se, pedagogicamente, ao público entre 0 e 5 anos de idade no Brasil; vale salientar que nessa idade entre 0 e 5 anos, as crianças não estão submetidas a obrigatoriedade do ingresso na vida escolar. A Constituição brasileira de 1988 define no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), Seção I (Da Educação), Artigo 208 que: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: Inciso IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. (Constituição Federal, 2016. p. 63). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, especificamente a Lei 9394/96, denomina a Creche como sendo a entidade responsável por promover o primeiro contato das crianças com o ambiente escolar, a idade é determinada como sendo de 0 a 3 anos de idade (Artigo 30. Inciso I). Também denomina de pré-escola a instituição responsável pelo ensino de crianças entre 4 e 6 anos de idade (Artigo 30. Inciso II). Não obstante, mediante Lei 11274/06 que reedita o Artigo 32 da Lei 9394/96, o ensino fundamental passou a ser de 9 (nove) anos de idade e não mais de 8 (oito), logo, as crianças que com 6 (seis) anos de idade não eram submetidas a obrigatoriedade do estudo, passaram a fazer parte da conformação obrigatória, isto é, elas já não fazem mais parte do ensino eletivo ou optativo da pré-escola e sim do ensino fundamental obrigatório. Dito isto, a LDB diz na Seção II (Da Educação Infantil) e no Artigo 29 que a Educação Infantil é tida como a primeira etapa da Educação Básica, e tem por objetivo, a promoção e o favorecimento do desenvolvimento integral da criança de 0 à 5 anos de idade, nos mais variados aspectos possíveis, sendo eles o físico, psicológico, intelectual e social, sendo mais que uma complementação da instrução familiar e da sociedade (BRASIL, 2005. p. 17). Seguindo a linha teórica acerca das crianças, o Artigo 30, da mesma, ressalta que a EI será promovida por meio de creches para crianças de 0 a 3 anos e em pré-escolas para o público entre 4 e 5 anos de idade, como enaltecido supracitadamente. No que se refere a avaliação, no Artigo 31 esse processo será feito porventura do acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem que haja quaisquer tipos de promoção, mesmo que vise o acesso ao Ensino Fundamental. Vale enfatizar que essa modalidade de ensino tem uma finalidade pedagógica, um trabalho que se apropria da realidade e dos conhecimentos infantis como estopim e os amplia mediante atividades que tem uma certa significação concreta para a vida dos infantes e, isocronicamente asseguram a aquisição de novos conhecimentos. Doravante e por meio dessa perspectiva, é imprescindível que o educador da EI preocupe-se com o arranjo e aplicação dos trabalhos fazendo, assim, uma contribuição para a ascensão do infante de 0 a 5 anos. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998 ressalta que deve-se levam em conta que os infantes são distintos entre si, isto é, que cada um possui um ritmo peculiar de aprendizagem. Dito isto, o educador deverá preparar-se para promover aos educandos uma educação alicerçada na condição de aprendizagem peculiar de cada um deles, considerando-se bastante singulares e com particularidades. Para isso, o governo deverá fornecer um alicerce na formação dos educadores, preparando-os para enfrentar esse mundo repleto de dificuldades mas, no fim, de uma extensa realização pessoal e profissional. Ante as características peculiares dos ritmos das crianças, o grande desafio que ora implica na EI é com que os profissionais consigam compreender, conhecer e reconhecer o jeito peculiar dos infantes serem e estarem inseridos no mundo. O RCN da modalidade EI ainda explicita que a entidade promovente da EI deve tornar acessível a todos os infantes que ora frequentam-no, indiscriminadamente, elementos culturais que enriquecem a ascensão e a inserção social dos mesmos. A EI é caracterizada, historicamente, pelo assistencialismo reduzido e a um recinto que vise, primordialmente, os cuidados com os infantes. Ao passo dos anos, e diversas metamorfoses ocorridas nas tendências educacionais, passou a ser teorizada como um simples processo educativo. Paulo Freire (1921-1997) já alertava que: Quando se tira da criança a possibilidade este ou aquele espaço da realidade, na verdade se está alienando-a da sua capacidade de construir seus conhecimentos. Porque o ato de conhecer é tão vital quanto comer ou dormir; e eu não posso comer por alguém (FREIRE, 1983. p. 36). Logo, nesse contexto é sumamente impossível desassociar os termos cuidar e o educar, eixos cêntricos que dão características peculiares na constituição do espaço e do ambiente escolar nesse lapso da educação. Doravante, contradizendo ao que muitos ainda pensam o cuidar e o educar não remetem à perspectiva assistencialista e ao processo de ensino e aprendizagem dos mesmos, uma vez que ambos complementam-se, além de integrarem-se para uma melhor promoção do desenvolvimento do infante, no que se refere à edificação de sua autonomia e totalidade. O infante carece de cuidados básicos no que se refere à saúde, os quais pode ser obtido mediante uma alimentação saudável e balanceada, assepsia, educação física, momentos de ópio, entre outras inúmeras situações peculiares à crianças e que exigem do educador uma atenção especial em relação aos cuidados com a criança. Todavia, é primordial que o profissional da EI desenvolva um trabalho educacional voltado ao favorecimento e a condução para a descoberta e edificação de sua identidade, apropriando-se de saberes necessários à constituição da autonomia tanto do infante, que ora se torna imprescindível quanto do próprio educador. No que tange a afetividade na EI, falamos de uma constituição do cenário contemporâneo dos ambientes escolares e que, no futuro, tornara-se sumamente imprescindível algum marco ou lapsos que persistem e poderão persistir na educação futura do fundamental e até mesmo do médio ou ensino universitário, principalmente questões de vivência com os outros. Compreensão do outro, desenvolvimento de projetos, percepção da interdependência, de não à quaisquer tipos de violência, administração de possíveis conflitos, descoberta do outro, participação em projetos comuns, prazer no esforço alheio, cooperativada são essenciais nesses primeiros anos escolares e, para que isso torne-se realidade, é necessário que se abra um leque de possibilidades para o futuro mediante a formação atual dos educadores, logo com um alicerce maior em suas formações, o educador(a) estará preparado para atuar frente ao infante, unindo esse lapso fundamental de sua vida dos primeiros anos escolares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. _______. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/1996. Brasília, 2005. _______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1983. KUHLMANN JR., M.. Educando a infância brasileira. In: LOPES, E. M. T.; FILHO, L. M. F.; VEIGA, C. G. (Org.). 500 anos de educação no Brasil. 4ªed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. LEÃO, J. L. de S. Educação Infantil no Brasil: Algumas Considerações. In: LEÃO, J. L. de S. O processo de inclusão escolar na educação infantil sob a ótica de assessoras pedagógicas da Secretaria Municipal de Educação do Natal/RN. 2008. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Pedagogia) – Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2018. p. 18.
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A Consolidação da Sociedade Capitalista e a Ciência da SociedadeEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaPREMISSA No século XIX, ocorreram transformações impulsionadas pela emergência de novas fontes energéticas (água e petróleo), por novos ramos industriais e pela alteração profunda nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Depois de 300 anos de exploração por parte das nações europeias, iniciou -se, principalmente nas colônias latino-americanas, um processo intenso de lutas pela independência. É no século XIX, já com a consolidação do sistema capitalista na …Read morePREMISSA No século XIX, ocorreram transformações impulsionadas pela emergência de novas fontes energéticas (água e petróleo), por novos ramos industriais e pela alteração profunda nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Depois de 300 anos de exploração por parte das nações europeias, iniciou -se, principalmente nas colônias latino-americanas, um processo intenso de lutas pela independência. É no século XIX, já com a consolidação do sistema capitalista na Europa, que se encontra a herança intelectual mais próxima da qual surgirá a Sociologia como ciência particular. No início desse século, as ideias do Conde de Saint-Simon (1760-1825), de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), de David Ricardo (1772-1823) e de Charles Darwin (1809-1882), entre outros, foram o elo para que Alexis de Tocqueville (1805-1859), Auguste Comte (1798-1857), Karl Marx (1818 -1883) e Herbert Spencer (1820-1903), entre outros, desenvolvessem reflexões sobre a sociedade de seu tempo. Auguste Comte e Karl Marx foram os pensadores que lançaram as bases do pensamento sociológico e de duas grandes tradições – a positivista e a socialista – que muito influenciaram o desenvolvimento da Sociologia no Brasil. 1 AUGUSTE COMTE E A TRADIÇÃO POSITIVISTA Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu em Montpellier, na França, em 19 de janeiro de 1798. Com 16 anos de idade, ingressou na Escola Politécnica de Paris, fato que teria significativa influência na orientação posterior de seu pensamento. De 1817 a 1824, foi secretário do Conde de Saint-Simon. Comte declarou que, com Saint -Simon, aprendeu muitas coisas que jamais encontraria nos livros e que, no pouco tempo em que conviveu com o conde, fez mais progressos do que faria em muitos anos, se estivesse sozinho. Toda a obra de Comte está permeada pelos acontecimentos que ocorreram após a Revolução Francesa de 1789. Ele defendeu parte dos princípios revolucionários e criticou a restauração da monarquia, preocupando-se fundamentalmente em reorganizar a sociedade, que, no seu entender, estava em ebulição e mergulhada no caos. Para Comte, a desordem e a anarquia imperavam em virtude da confusão de princípios (metafísicos e teológicos), que não se adequavam à sociedade industrial em expansão. Era, portanto, necessário superar esse estado de coisas, usando a razão como fundamento da nova sociedade. Propôs, então, a mudança da sociedade por meio da reforma intelectual plena das pessoas. De acordo com o pensador, com a modificação do pensamento humano, por meio do método científico, que ele chamava de “filosofia positiva”, haveria uma reforma das instituições. Com a proposta do estudo da sociedade por meio da análise de seus processos e estruturas, e da reforma prática das instituições, Comte criou uma nova ciência, à qual deu o nome de “física social”, passando a chamá-la posteriormente de Sociologia. A Sociologia representava, para Comte, o coroamento da evolução do conhecimento, mediante o emprego de métodos utilizados por outras ciências, que buscavam conhecer os fenômenos constantes e repetitivos da natureza: a observação, a experimentação, a comparação e a classificação. De acordo com esse pensador, a Sociologia, como as ciências naturais, deve sempre procurar a reconciliação entre os aspectos estáticos e os dinâmicos do mundo natural ou, no caso da sociedade humana, entre a ordem e o progresso. O lema da “filosofia positiva” proposta por Comte era “conhecer para prever, prever para prover”, ou seja, o conhecimento é necessário para fazer previsões e também para solucionar possíveis problemas. A influência de Comte no desenvolvimento da Sociologia foi marcante, sobretudo, na escola francesa, evidenciando-se em Émile Durkheim e seus contemporâneos e seguidores. Seu pensamento esteve presente em muitas das tentativas de criar tipologias para explicar a sociedade. Suas principais obras são: Curso de filosofia positiva (1830-1842), Discurso sobre o espírito positivo (1848), Catecismo positivista (1852) e Sistema de política positiva (1854). Para concluirmos, Comte explanava que para a superação da anarquia reinante na nova sociedade industrial, a filosofia positivista defendia a subordinação do progresso à ordem. O mesmo era contra o retorno de Luís XVIII ao trono: em sua concepção, a sociedade industrial que emergia requeria um governo fundado na razão. 2 A TRADIÇÃO SOCIALISTA: KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS Karl Heinrich Marx nasceu em Tréveris, na antiga Prússia, hoje Alemanha, em 1818 e, em 1830, ingressou no Liceu Friedrich Wilhelm, nessa mesma cidade. Anos depois, foi cursar Direito na Universidade de Bonn, transferindo-se para Berlim em seguida. Pouco a pouco, entretanto, seus interesses migraram para a Filosofia, área na qual defendeu, em 1841, a tese de doutorado A diferença da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Sua vida universitária foi marcada pelo debate político e intelectual influenciado pelo pensamento de Ludwig Feuerbach (1804-1872) e, principalmente, pelo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770- 1831). Friedrich Engels (1820-1895) nasceu em Barmen (Renânia), na antiga Prússia, hoje Alemanha, filho mais velho de um rico industrial do ramo têxtil. Terminou sua formação secundária em 1837 e a partir de então sua formação intelectual foi por conta própria (autodidata), com alguns cursos universitários esparsos e de curta duração. Desde cedo começou a trabalhar nas empresas de seu pai e foi nessa condição que se deslocou para Bremen por três anos e depois foi enviado pelos pais a Manchester, na Inglaterra, onde trabalhou nas fábricas da família. Engels ficou impressionado com a miséria na qual viviam os trabalhadores das fábricas inglesas. Os dois, Marx e Engels, se encontraram em 1842, quando Marx passou a escrever para A Gazeta Renana, jornal da província de Colônia, do qual Engels era colaborador e mais tarde editor-chefe. O jornal, que criticava o poder prussiano, foi fechado em 1843, e Marx se viu desempregado. Ao perder o emprego, mudou-se para Paris, na França. Ali escreveu, em 1844, os Manuscritos econômico-filosóficos (só publicados em 1932) e, junto com F. Engels, o livro A sagrada família. Por sua vez, F. Engels, em 1844, decidiu voltar para a Alemanha, onde publicou, em 1845, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Entre 1845 e 1847, Marx exilou-se em Bruxelas, na Bélgica, onde escreveu A ideologia alemã (em parceria com Friedrich Engels) e Miséria da filosofia (1847), obra na qual criticou o filósofo Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Em 1848, ainda na Bélgica, a parceria com Engels se solidificou ao escreverem juntos o livreto O Manifesto Comunista. Em 1848, Marx foi expulso da Bélgica e retornou a Colônia, na Alemanha (Prússia), sempre pensando na possibilidade de uma mudança estrutural em sua terra natal. Isso, entretanto, não aconteceu e Marx foi expulso da Alemanha em 1849, ano em que migrou para Londres, na Inglaterra, onde permaneceu até o fim da vida. Lá escreveu O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852), sua mais importante obra de reflexão sobre a vida política europeia do século XIX, desenvolveu pesquisas e concluiu seu maior trabalho: O capital: crítica da economia política. O primeiro volume dessa obra foi publicado em 1867; os outros três, em 1885, 1894 e 1905, após a morte de Marx, revisados por F. Engels. 2.1 O contexto histórico e a obra de Marx e Engels Para situar a obra de Marx e Engels, é necessário conhecer um pouco do que acontecia em meados do século XIX. Com as transformações que ocorriam no mundo ocidental, principalmente na esfera da produção industrial, houve um crescimento expressivo no número de trabalhadores industriais urbanos, com uma consequência evidente: precariedade da vida dos operários nas cidades. As condições de trabalho no interior das fábricas eram péssimas. Os empregados eram superexplorados, alimentavam-se mal e trabalhavam em ambientes insalubres. Para enfrentar essa situação e tentar modificá-la, os trabalhadores passaram a se organizar em associações e sindicatos e a promover movimentos de reivindicação. Desenvolveu-se, então, uma discussão das condições sociais, políticas e econômicas para se definirem as possibilidades de intervenção nessa realidade. Desde o início do século XIX, muitos pensadores discutiram essas questões, nas perspectivas socialista e anarquista. Na Inglaterra podem ser citados, entre outros: William Godwin (1756-1836), Thomas Spence (1750-1814), Thomas Paine (1737-1809), Robert Owen (1771-1858) e Thomas Hodgkin (1787-1866). Na França, destacaram-se Étienne Cabet (1788- 1856), Flora Tristan (1803-1844), Charles Fourier (1772-1837) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Marx e Engels levaram em conta esses pensadores, debatendo com alguns contemporâneos e criticando-os. Além disso, incorporaram a tradição da economia clássica inglesa, presente principalmente nas obras de Adam Smith e de David Ricardo. Pode-se dizer, portanto, que Marx e Engels desenvolveram seu trabalho com base na análise crítica da economia política inglesa, do socialismo utópico francês e da filosofia alemã. Esses dois autores não buscavam definir uma ciência específica para estudar a sociedade (como a Sociologia, para Auguste Comte) ou situar seu trabalho em um campo científico particular. Em alguns escritos, Marx afirmou que a História seria a ciência que mais se aproximava de suas preocupações, por abarcar as múltiplas dimensões da sociedade, a qual deveria ser analisada na totalidade, não havendo uma separação rígida entre os aspectos sociais, econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, culturais etc. O objetivo de Marx e Engels era estudar criticamente a sociedade capitalista com base em seus princípios constitutivos e em seu desenvolvimento, visando dotar a classe trabalhadora de uma análise política da sociedade de seu tempo. Assim, a tradição socialista nascida da luta dos trabalhadores, muitos anos antes e em situações diferentes, tem como expressão intelectual o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. Para entender as concepções fundamentais de Marx e Engels é necessário fazer a conexão entre as lutas da classe trabalhadora, suas aspirações e as ideias revolucionárias que estavam presentes no século XIX na Europa. Para eles, o conhecimento científico da realidade só tem sentido quando visa à transformação dessa mesma realidade. A separação entre teoria e prática não é discutida, pois a “verdade histórica” não é algo abstrato e que se define teoricamente; sua verificação está na prática. Apesar de haver algumas diferenças em seus escritos, os elementos essenciais do pensamento de Marx e Engels podem ser assim sintetizados: • historicidade das ações humanas – crítica ao idealismo alemão; • divisão social do trabalho e o surgimento das classes sociais – a luta de classes; • o fetichismo da mercadoria e o processo de alienação; • crítica à economia política e ao capitalismo; • transformação social e revolução; • utopia – sociedade comunista. A obra desses dois autores é muito vasta e não ficou vinculada estritamente aos movimentos sociais dos trabalhadores. Pouco a pouco foi introduzida nas universidades como parte do estudo em diferentes áreas do conhecimento. Estudiosos de Filosofia, Sociologia, Ciência Política, Economia, História e Geografia, entre outras áreas, foram influenciados por ela. Na Sociologia, como afirma Irving M. Zeitlin, no livro Ideología y teoría sociológica, tanto Max Weber quanto Émile Durkheim fizeram, em suas obras, um debate com as ideias de Karl Marx. Pelas análises da sociedade capitalista de seu tempo e a repercussão que tiveram em todo o mundo, principalmente no século XX, nos movimentos sociais e nas universidades, Marx e Engels são considerados autores clássicos da Sociologia. No campo dessa disciplina, porém, o pensamento deles ficou um pouco restrito, pois perdeu aquela relação entre teoria e prática (práxis), ou seja, entre a análise crítica e a prática revolucionária. Essa relação esteve presente, por exemplo, na vida e na obra dos russos Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido como Lênin (1870-1924), e Leon D. Bronstein, conhecido como Trotsky (1879-1940), da alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919) e do italiano Antonio Gramsci (1891- 1937), que tiveram significativa influência no movimento operário do século XX. Com base no trabalho de Marx e Engels, muitos autores desenvolveram estudos acadêmicos em vários campos do conhecimento. Podemos citar, por exemplo, Georg Lukács (1885-1971), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940), Henri Lefebvre (1901-1991), Lucien Goldmanm (1913 -1970), Louis Althusser (1918 -1990), Nikos Poulantzas (1936-1979), Edward P. Thompson (1924-1993) e Eric Hobsbawm (1917 -2012). O pensamento de Marx e Engels continua, assim, presente em todo o mundo, com múltiplas tendências e variações, sempre gerando controvérsias. REFERENCIAL TEÓRICO GEMKOW, H.; PSUA, I. M. L. Marx e Engels: Vida e Obra. São Paulo: Alfa e Ômega, 1984. 232 pp. GIANOTTI, J. A. Comte. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 318 pp. (Col. Os Pensadores) KONDER, L. Marx: vida e obra. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. 154 pp. (Col. Vida e Obra).
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No Limiar do Pensamento Social: Novas Formas de Pensar a SociedadeEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaINTRODUÇÃO Para compreender como a Sociologia nasceu e se desenvolveu, é essencial analisar as transformações que ocorreram a partir do século XIV, na Europa ocidental, marcando a passagem da sociedade feudal para a sociedade capitalista, ou a passagem da sociedade medieval para a sociedade moderna. Para isso, é necessário realizar uma pequena viagem histórica, já que, para entender as ideias de um autor e de determinada época, é fundamental contextualizá-las historicamente. Em cada socied…Read moreINTRODUÇÃO Para compreender como a Sociologia nasceu e se desenvolveu, é essencial analisar as transformações que ocorreram a partir do século XIV, na Europa ocidental, marcando a passagem da sociedade feudal para a sociedade capitalista, ou a passagem da sociedade medieval para a sociedade moderna. Para isso, é necessário realizar uma pequena viagem histórica, já que, para entender as ideias de um autor e de determinada época, é fundamental contextualizá-las historicamente. Em cada sociedade, em todos os tempos, os seres humanos elaboraram explicações religiosas, míticas, culturais, étnicas etc. para as situações em que vivem. No século XIX, a busca por outro tipo de explicação para os fenômenos da sociedade – a explicação científica – deu origem à Sociologia. Para demonstrar como o pensamento social organizou-se historicamente e como a Sociologia estruturou o saber sobre a sociedade humana, este trabalho terá como objetivo estudar alguns autores que se sobressaíram no processo de desenvolvimento dessa ciência. PREMISSA A Sociologia surgiu como um corpo de ideias a respeito do processo de constituição, consolidação e desenvolvimento da sociedade moderna. É fruto da Revolução Industrial e, nesse sentido, é denominada “ciência da crise”, porque, com base nela, procurou-se dar respostas às questões sociais desencadeadas pelo processo revolucionário que, num primeiro momento, alterou a sociedade europeia e, depois, a maior parte do mundo. Como todas as ciências, a Sociologia não despontou de repente ou da reflexão de algum autor iluminado. Constituiu-se com base em conhecimentos sobre a natureza e a sociedade que se desenvolveram a partir do século XIV, acompanhando as mudanças que marcaram a transformação da sociedade feudal e a constituição da sociedade capitalista. Entre essas mudanças, a expansão marítima europeia e a ampliação do comércio ultramarino, a Reforma protestante e o desenvolvimento científico e tecnológico podem destacados. São o pano de fundo do movimento intelectual que alterou profundamente as formas de explicar a natureza e a sociedade. Essas mudanças estão todas vinculadas e não podem ser entendidas como eventos isolados. 1 A EXPANSÃO MARÍTIMA Com a circum-navegação da África e o descobrimento da rota para as Índias e para a América, a concepção de mundo dos europeus foi consideravelmente ampliada. A definição de um mundo territorialmente bem mais vasto, com outros povos, outras culturas e outros modos de explicar as coisas, requereu a reformulação da maneira de ver e de pensar dos europeus. Assim, ao mesmo tempo que conheciam novos povos e novas culturas, os europeus instalavam colônias na África, na Ásia e na América. Em razão disso, expandiu-se o comércio de mercadorias (sedas, especiarias e produtos tropicais, como açúcar, milho, tabaco e café) entre as metrópoles e as colônias, bem como entre os países europeus. Surgiu a possibilidade de um mercado muito mais amplo e com características mundiais. Este seria o primeiro grande movimento de globalização. A exploração de metais preciosos, principalmente na América, e o tráfico de escravos para suprir a mão de obra nas colônias deram grande impulso ao comércio, que não mais ficou restrito aos mercadores das cidades-repúblicas (Veneza, Florença ou Flandres), passando também para as mãos de grandes comerciantes e de soberanos dos Estados nacionais em formação na Europa. Toda essa expansão territorial e comercial acelerou o desenvolvimento da economia monetária, com a acumulação de capitais pela burguesia comercial, que, mais tarde, teve importância decisiva na gestação do processo de industrialização da Europa. 2 A REFORMA PROTESTANTE No século XVI, assistiu-se também ao movimento que ficaria conhecido como Reforma protestante. Os reformistas questionavam as condutas do clero, a estrutura da Igreja católica e a autoridade do Papa. Os líderes do movimento promoviam a valorização do indivíduo ao pregar a livre leitura das Escrituras Sagradas e dispensar a intermediação dos ministros da Igreja nas práticas religiosas e nos assuntos relativos à fé. A Reforma contribuiu, assim, para alimentar um movimento de resistência à autoridade e à tradição que desembocaria na Ilustração. Entre seus principais líderes figuram Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564). 3 O DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO A nova maneira de se relacionar com as coisas sagradas foi acompanhada de uma nova forma de analisar o universo e a vida em sociedade. A razão passou a ser considerada essencial para conhecer o mundo; com base nela, as pessoas se consideraram livres para julgar, avaliar, pensar e emitir opiniões sem se submeter a nenhuma autoridade transcendente ou divina. A análise do universo e da vida em sociedade com base no conhecimento racional, fundado na observação e na experimentação, difundiu-se de maneira lenta, entre os séculos XV e XVII. Os pensadores que adotaram essa forma de análise enfrentaram o dogmatismo e a autoridade da Igreja. Por meio do Concílio de Trento (1545-1563) e dos processos da Inquisição, por exemplo, os membros do clero procuraram impedir toda e qualquer manifestação que pudesse pôr em dúvida a autoridade eclesiástica, fosse no campo da fé, fosse no das explicações que se propunham para a sociedade e a natureza. Os principais representantes do pensamento racional nos séculos XV a XVII foram Nicolau Maquiavel (1469-1527), Erasmo de Roterdã (1466-1536), Nicolau Copérnico (1473- 1543), Galileu Galilei (1564 -1642), Thomas Hobbes (1588 -1679), Francis Bacon (1561- 1626), René Descartes (1596 -1650) e Baruch Spinoza (1632 -1677). Os conhecimentos desses precursores alimentaram outros pensadores, como John Locke (1632-1704), Gottfried Leibniz (1646-1716) e Isaac Newton (1643-1727), que propuseram novos princípios para a compreensão da sociedade e da natureza. Vale salientar, por fim, que os pensadores europeus dos séculos XV a XVII buscaram compreender os fenômenos da natureza e da sociedade por meio da observação e da experimentação. 4 AS TRANSFORMAÇÕES NO SÉCULO XVIII No final do século XVIII, na maioria dos países europeus, a burguesia comercial, formada basicamente por comerciantes e banqueiros, constituía uma classe poderosa, em razão, na maior parte das vezes, das ligações econômicas que mantinha com as monarquias. Além de sustentar o comércio entre os países europeus, a burguesia europeia lançava seus tentáculos a vários pontos do mundo, até onde pudesse chegar, comprando e vendendo mercadorias. O capital mercantil estendia-se também a outro ramo de atividade: gradativamente se organizava a produção manufatureira. A compra de matérias-primas e a organização da produção, por meio do trabalho domiciliar ou do trabalho em oficinas, levavam ao desenvolvimento de um novo processo produtivo em contraposição ao das corporações de ofício. Os organizadores das manufaturas passaram a se interessar cada vez mais pelo aperfeiçoamento das técnicas de produção, a fim de produzir mais com menos gente e aumentar significativamente seus lucros. Para tanto, procuraram financiar a invenção de máquinas que pudessem ser utilizadas no processo produtivo. Com a invenção das máquinas de tecer e de descaroçar algodão, e a aplicação industrial da máquina a vapor e de outros tantos inventos destinados a aumentar a produtividade do trabalho, desenvolveu-se o fenômeno que veio a ser chamado de maquinofatura. O trabalho que as pessoas faziam com as mãos ou com ferramentas passava, a partir de então, a ser realizado por máquinas, elevando muito o volume da produção de mercadorias. A utilização da máquina a vapor, que podia mover outras tantas, impulsionou a indústria construtora de máquinas e, consequentemente, a indústria voltada para a produção de ferro e, posteriormente, de aço. Nesse contexto de profundas alterações no processo produtivo, no qual a utilização do trabalho mecânico era cada vez mais frequente, o trabalho artesanal continuou a existir. A maquinofatura se completou com o trabalho assalariado, no qual eram utilizadas, numa escala crescente, a mão de obra feminina e a infantil. Longe da Europa, explorava-se ouro no Brasil, prata no México e algodão nos Estados Unidos da América e na Índia. A maioria dessas atividades era realizada com a utilização do trabalho escravo ou servil. Esses elementos, conjugados, asseguraram as bases do processo de acumulação necessária para a expansão da indústria na Europa. Essas mudanças, somadas à herança cultural e intelectual do século XVII, definiram o século XVIII como explosivo. Se no século anterior a Revolução Inglesa determinou novas formas de organização política, no século XVIII a Revolução Americana e a Francesa alteraram o quadro político ocidental e serviram de exemplo e parâmetro para as revoluções políticas posteriores. As transformações na esfera da produção, a emergência de novas formas de organização política e a exigência da representação popular conferiram características muito específicas a esse século, em que pensadores como Charles de Montesquieu (1689 -1755), Voltaire (1694 - 1778), Denis Diderot (1713 -1784), Jean le Rond d’Alembert (1717 -1783), David Hume (1711 -1776), Jean-Jacques Rousseau (1712 -1778), Adam Smith (1723 -1790) e Immanuel Kant (1724 -1804) procuraram, por caminhos às vezes divergentes, refletir sobre a realidade, na tentativa de explicá-la.
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Por que estudar filosofia?Emanuel Isaque Cordeiro da SilvaNão há professor que nunca tenha ouvido de seus alunos a pergunta "Por que estudar filosofia?". Há nessa indagação certo desconforto com a nova disciplina do currículo por lhes parecer inútil. No mundo atual, compreende-se a pouca disposição para uma disciplina voltada para a reflexão porque vivemos uma realidade pragmática, dominada pela imagem, pelo efêmero, pela velocidade e voltada para soluções imediatistas. Acrescentemos a esse quadro o fascínio que o mundo virtual exerce sobre as pessoas,…Read moreNão há professor que nunca tenha ouvido de seus alunos a pergunta "Por que estudar filosofia?". Há nessa indagação certo desconforto com a nova disciplina do currículo por lhes parecer inútil. No mundo atual, compreende-se a pouca disposição para uma disciplina voltada para a reflexão porque vivemos uma realidade pragmática, dominada pela imagem, pelo efêmero, pela velocidade e voltada para soluções imediatistas. Acrescentemos a esse quadro o fascínio que o mundo virtual exerce sobre as pessoas, principalmente das novas gerações. E não sem razão. A web nos abre portas para inúmeras possibilidades de informação, entretenimento, interação e para o contato direto com amigos e desconhecidos, numa verdadeira revolução - a revolução digital a que assistimos diariamente e da qual participamos a cada novo recurso tecnológico colocado à nossa disposição. Diante desse cenário, é um desafio atrair os jovens para a experiência conceitual da filosofia, visto haver um estranhamento inicial com a nova disciplina, cujo conteúdo e metodologia lhes são desconhecidos e dos quais não se sabe a "utilidade". Mas será justamente a riqueza do cotidiano que constitui o solo em que poderão ser contextualizados inúmeros temas que favorecem a argumentação de natureza filosófica. Por outro lado, em que pesem essas características dos novos tempos que poderiam favorecer o desprezo pela filosofia, temos percebido crescente interesse pelo debate filosófico nem sempre de modo explícito, mas subjacente ao questionamento cotidiano de questões políticas, éticas e estéticas. Por exemplo, o confronto entre países democráticos e os submetidos a tiranias laicas ou religiosas certamente desperta discussões em torno do que é certo ou errado na política; a celeuma em torno da legalização do aborto, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da eutanásia circula pela mídia e torna-se assunto em revistas, jornais e redes sociais, provocando controvérsias de natureza ética. Para aclarar a ideia acerca do ensino de filosofia e sua suma essencialidade, nos pares didáticos para o ensino médio, bem como para pessoas leigas e que se interessam pelo estudo de filosofia, cito o livro de Maria Aranha e Helena Martins, Filosofando: Introdução à Filosofia, da editora moderna. Na primeira parte, intitulada "A experiência filosófica", Aranha e Martins esboçam algumas justificativas sobre a importância do estudo da filosofia ao mesmo tempo que destacam sua especificidade: a capacidade de problematizar o senso comum e de exercitar a argumentação com base na tradição filosófica. Logo, mostrando a sumática primordialidade da filosofia para todas as esferas sociais e escolares. Por fim, cito a reflexão filosófica que é essencial para compreender os contrastes consequentes das rupturas e permanências no mundo contemporânea. A Filosofia é a mãe de todos os outros saberes! Emanuel Isaque, Recife, Pernambuco, Junho de 2019.
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Breve Histórico do Ensino de Filosofia no BrasilEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaO ensino de filosofia seguiu uma rota tortuosa desde a colônia até os tempos atuais. O breve histórico desse percurso tem o objetivo de reafirmar a necessidade dessa disciplina no currículo escolar, sobretudo porque sempre há aqueles que a consideram de pouca importância. No entanto, em um mundo cada vez mais pragmático, a formação exclusivamente técnica de nossos jovens dificulta o processo de conscientização crítica, além de desprezar a herança de uma sabedoria milenar. Os primeiros tempo…Read moreO ensino de filosofia seguiu uma rota tortuosa desde a colônia até os tempos atuais. O breve histórico desse percurso tem o objetivo de reafirmar a necessidade dessa disciplina no currículo escolar, sobretudo porque sempre há aqueles que a consideram de pouca importância. No entanto, em um mundo cada vez mais pragmático, a formação exclusivamente técnica de nossos jovens dificulta o processo de conscientização crítica, além de desprezar a herança de uma sabedoria milenar. Os primeiros tempos No Brasil, desde o século XVI, o ensino de filosofia fazia parte do chamado curso de artes oferecido pelos jesuítas aos filhos de colonos que concluíam o primeiro nível de letras humanas. É bem verdade que apenas alguns colégios dispunham desse curso, voltado exclusivamente para a elite colonial portuguesa. A base do ensino de filosofia era a tradição escolástica, e, mesmo durante os séculos seguintes, não houve interesse em abordar as conquistas das ciências modernas, já vigentes desde o século XVII, na perspectiva de Francis Bacon e das descobertas de Galileu Galilei. Do mesmo modo, não eram ensinadas as teorias de René Descartes e John Locke. Inspirado nos ideais da Contrarreforma, o ensino jesuítico reafirmava a autoridade da Igreja e dos clássicos, com o controle sobre as informações a que os alunos teriam acesso. No século XVIII, os fundamentos aristotélico-tomistas perduraram, com raras exceções, apesar de o marquês de Pombal ter expulsado os jesuítas. O próprio Pombal permitiu a divulgação de algumas dessas obras "esclarecidas", mas cuidou de elencar uma lista das proibidas. Contrariando o controle, as novas ideias circulavam no Brasil por meio de estudantes formados pela Universidade de Coimbra e também pela venda clandestina de panfletos e cópias manuscritas. Desse modo, nas aulas régias, instituídas por Pombal para substituir as escolas dos jesuítas, no geral foi mantida a educação elitista, livresca, desfocada da realidade brasileira durante o império e a república. Apesar do controle, havia exceções, nas poucas vezes em que intelectuais, professores e conhecedores de bibliografia atualizada ensinavam disciplinas como ciências modernas, filosofia e matemática. Algumas congregações religiosas, como a dos franciscanos, também se interessavam pelas contribuições científicas e filosóficas de seu tempo. Ensino de filosofia: entre facultativa e obrigatória A partir do século XIX, predominou um vaivém entre a filosofia como disciplina obrigatória ou facultativa. Com a criação de cursos jurídicos no Brasil, na década de 1820 - em São Paulo e Recife -, a filosofia tornou-se disciplina obrigatória do ensino médio, como pré- requisito para o ingresso ao curso superior, reforçando o caráter propedêutico daquele curso. Em 1915, uma reforma de ensino tornou a filosofia disciplina facultativa, mas o ministro Francisco Campos tentou reverter esse quadro em 1932, tornando-a novamente obrigatória. Conhecido pela atuação no movimento da Escola Nova, Campos aliou seus esforços aos de figuras importantes da pedagogia brasileira, como o sociólogo Fernando de Azevedo e o filósofo e educador Anísio Teixeira. A tendência escolanovista era renovadora e se fazia necessária diante da situação econômica do Brasil. Com o início da industrialização, surgia a necessidade de melhorar a escolarização, sobretudo para os segmentos urbanos. Francisco Campos introduziu as disciplinas de lógica, sociologia e história da filosofia no currículo escolar. Com a Reforma Capanema, em 19142, o ensino secundário dividiu-se em ginasial e colegial. Este último foi subdividido em científico, com ênfase no estudo de ciências, e clássico, que privilegiava a formação em humanidades. Nesse contexto, a filosofia se constituiu como disciplina obrigatória em um dos três anos do científico e em dois anos do curso clássico, com proposta de programa bastante extenso. No entanto, uma sequência de portarias reduziu gradativamente o número de horas-aula da disciplina, por fim, restrita ao último ano do colegial. Em 1961, foi promulgada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBJ, a Lei n. 4.024, ocasião em que o ensino de filosofia perdeu a obrigatoriedade. Período da ditadura militar Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), as aulas de filosofia foram extintas pela Lei n. 5.692, de 1971. Essa lei reformou o então chamado ensino de 1º e 2º graus e introduziu o ensino profissionalizante, de acordo com a tendência tecnicista proposta pelos acordos entre militares e tecnocratas. Um dos objetivos era adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica, com economia de tempo, esforços e custos. A educação tecnicista encontrava-se imbuída dos ideais de racionalidade, organização, objetividade, eficiência e produtividade, como se fosse uma empresa: esperava-se que, ao terminar cada um dos níveis, o aluno estivesse capacitado para ingressar no mercado como força de trabalho, caso necessário. Para implantar o projeto de educação proposto, o governo militar não revogou a LDB de 1961, mas introduziu alterações e fez atualizações. Enquanto a aprovação da LDB resultara de amplo debate na sociedade civil, o governo autoritário regulamentou as leis do ensino universitário (Lei n. 5.540/1968) e do ensino de 1º e 2º graus (Lei n. 5.692/1971) de maneira impositiva. Diversos acordos, conhecidos como MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development), ofereceram assistência técnica e cooperação financeira para implantar a reforma. A habilitação profissional constituiu-se em um emaranhado de "ofertas" que chegavam a 130 habilitações profissionais distribuídas conforme os cursos e as regiões do país. Algumas disciplinas desapareceram, como a de filosofia, e outras foram aglutinadas. Por sua vez, a inclusão de Moral e Cívica no primeiro nível e de Organização Social e Política no segundo exerceu a clara intenção de doutrinamento político. Há controvérsias em torno da extinção da filosofia do currículo escolar. Para alguns, a extinção revelava a intenção explícita dos governos militares de evitarem o desenvolvimento do pensamento crítico. Outros analisam de modo diferente, alegando que, com raríssimas exceções, o ensino da filosofia reduzia-se à história da filosofia, com ênfase na memorização, não representando, portanto, nenhuma ameaça ao regime de exceção, por desempenhar papel submisso e nada subversivo. Além disso, de acordo com o viés tecnicista da reforma, havia necessidade de mais espaço para incluir disciplinas voltadas para a habilitação profissional. Já nas universidades, era possível notar o crescente desprestígio da filosofia, tendo ocorrido perseguição a professores, muitos deles exilados. Todavia, o propósito de formar profissionais, conforme propunha a nova lei, não se concretizou. A escola pública se fragilizou ainda mais, enquanto algumas boas escolas da rede particular encontraram meios de contornar a lei e oferecer um ensino de qualidade com os mesmos conteúdos que visavam desenvolver o espírito crítico e, portanto, a capacidade de seus alunos pensarem por si mesmos. Em 1982, no clima da abertura democrática, a Lei n. 7.01-114 permitiu a reinserção da filosofia no currículo como optativa, a critério do estabelecimento de ensino. Nada foi conseguido sem esforço, mas com trabalho intenso e pressão da sociedade civil. Associações especialmente criadas para esse fim aglutinaram professores de cursos secundários e superiores para promoverem encontros, movimentos de protesto e contatos com autoridades governamentais, no esforço conjunto para alcançar aquele objetivo. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/1996 Após a aprovação da Constituição brasileira de 1988, restava elaborar a lei complementar para tratar das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A primeira LDB, de 1961, levara muito tempo para ser aprovada e ofereceu no final um texto já envelhecido. Devido a esse fato, havia interesse em acelerar a regulamentação da nova LDB, o que ocorreu em dezembro de 1996, com a publicação da Lei n. 9.394. O primeiro projeto da nova LDB baseou-se em amplo debate, não só na Câmara, mas também na sociedade civil, além de várias entidades sindicais, científicas, estudantis e segmentos organizados da educação. O projeto original exigiu do relator Jorge Hage importante trabalho de finalização, já que a nova lei não resultaria de exclusiva iniciativa do Executivo, e sim do debate democrático da comunidade educacional. No entanto, com apoio do governo e do ministro da Educação, o senador Darcy Ribeiro apresentou outro projeto que começara a ser discutido paralelamente e que terminou por ser aprovado. Como ficou a situação do ensino de filosofia? Apesar do movimento consistente que continuava defendendo o retorno da filosofia ao ensino médio, foi grande a decepção. Vejamos por quê. Ao estabelecer as finalidades da educação básica e as diretrizes dos conteúdos curriculares, essa lei destacava a importância da formação para o exercício da cidadania, a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos e de respeito ao bem comum e à ordem democrática. Foi recomendado também o aprimoramento do educando como pessoa humana, por meio de formação ética e desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Conforme a LDB sob Lei 9.394/98: Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II – consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; III – orientação para o trabalho; IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não- formais. Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Por fim, ficou claro no artigo 36, parágrafo 1º, inciso III (revogado pela Lei n. 11.684, de 2008), que os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação deveriam ser organizados de tal maneira que ao final do ensino médio o educando demonstrasse "domínio dos conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania". Embora a educação para a cidadania constituísse um objetivo visado por qualquer disciplina, com mais razão o professor de filosofia teria condições de abordá-la explicitamente, não só por tomá-la como um de seus conteúdos, mas principalmente pelo seu caráter problematizador e argumentativo, próprio da filosofia. Portanto, seria válido supor que o artigo 36 definisse a reinserção da filosofia no currículo, ministrada por profissional formado na área, o que de fato não se concretizou, e o ensino de filosofia permaneceu como não obrigatório. Posteriormente, conforme a Resolução CEB n. 3/1998, "as propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar o tratamento interdisciplinar e contextualizado para os conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania" (artigo 10, parágrafo 2º, alínea b]. Ou seja, professores de outras disciplinas seriam responsáveis por esses "temas transversais", orientação que prevaleceu nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Um pouco antes, em 1997, dando continuidade a anseios de educadores, o deputado federal Padre Roque Zimmermann apresentara projeto de lei para tornar obrigatório o ensino de filosofia e sociologia no currículo do ensino médio. Após sua aprovação no Senado, em 2001, o projeto foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Finalmente, em 2008, o artigo 36 da LDB sofreu alteração, tornando obrigatório o ensino de filosofia e de sociologia no currículo do ensino médio, por meio da Lei n. 11.684/2008. Na sequência da aprovação, continua em andamento a implantação desse projeto de ensino. Esperamos que o espaço conquistado não venha a sofrer mais tarde nova retração. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Ciências humanas e suas tecnologias. In: Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2006. ______________________________________. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. Disponível em: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Biblioteca do Senado. Acesso em: 11 Jun. 2019. ______________________________________. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio: Bases Legais. Brasília: MEC, 1999. ______________________________________. Resolução CEB n° 3 de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 1998. Disponível em: Resolução CEB n° 3 de 1998. Acesso em: 11 Jun. 2019. KOHAN, W. O. (Org.). Políticas do ensino de filosofia. Rio de Janeiro: DP6A, 2014.
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Os Novos Caminhos Opostos da Utopia: O Homem Entre Deus e AnimalEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaOS NOVOS CAMINHOS OPOSTOS DA UTOPIA: O HOMEM ENTRE DEUS E ANIMAL THE NEW OPPOSITE WAYS OF UTOPIA: THE MAN BETWEEN GOD AND ANIMAL Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Na Antiguidade, em particular em Aristóteles, os homens eram definidos por duas grandes oposições. Acima deles, havia os deuses; abaixo deles, havia os animais. O que os homens tinham em comum com um opunha-os ao outro; e o que os distinguia de um ligava-os ao outro. Os homens tinham em comum com os deuses o fato de serem raciona…Read moreOS NOVOS CAMINHOS OPOSTOS DA UTOPIA: O HOMEM ENTRE DEUS E ANIMAL THE NEW OPPOSITE WAYS OF UTOPIA: THE MAN BETWEEN GOD AND ANIMAL Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Na Antiguidade, em particular em Aristóteles, os homens eram definidos por duas grandes oposições. Acima deles, havia os deuses; abaixo deles, havia os animais. O que os homens tinham em comum com um opunha-os ao outro; e o que os distinguia de um ligava-os ao outro. Os homens tinham em comum com os deuses o fato de serem racionais — o que os opunha aos animais, que não podem argumentar ou raciocinar. Mas os homens tinham em comum com os animais o fato de serem viventes mortais — o que os opunha aos deuses, que são viventes imortais. Havia, portanto, três tipos de viventes (zôa) ou, por assim dizer, três "faunas": os viventes imortais racionais, os viventes mortais irracionais e o homem, entre seus dois "Outros": nem irracional como os animais nem imortal como os deuses. Isso garantia a natureza humana. O homem está no centro do mundo, não no sentido de que é a espécie superior, mas no sentido de que sua natureza, por mais imperfeita que seja, está encerrada, e como que a meio caminho, entre duas outras naturezas perfeitas: o animal e o deus. Sabíamos o que tínhamos de fazer, pois sabíamos o que somos. Mas porque sabíamos que não somos nem animais nem deuses, sabíamos também o que não podíamos fazer. Querer subir ao céu dos deuses era pecar por húbris, pela "desmedida" daquele que quer ultrapassar seus limites naturais. Inversamente, tender a descer ao nível dos animais, abandonar sua faculdade racional, era cair na vergonhosa bestialidade. Hoje, porque não sabemos mais quem somos, nós, seres humanos, ora nos identificamos com os animais (liberais), ora com os deuses (libertarianos). Essas são as duas utopias de nossa Modernidade. Não utopias de quem imagina viver em outro lugar, mas utopias de quem imagina ser outro. Não podemos mais pensar o que somos: seres humanos. Perdemos as duas referências que nos definiam: nossos limites superior e inferior. Como os outros animais, somos fruto da evolução natural e o que nos diferencia deles não é nem uma diferença absoluta nem uma oposição de natureza. Hoje sabemos que existe consciência na maioria dos animais superiores; que há modos de comunicação em muitas espécies sociais e de inteligência nos primatas; e que há modos de transmissão de conhecimentos culturais em certas espécies de chimpanzés etc. Por outro lado, não acreditamos mais que o Céu seja habitado por deuses imortais. Para boa parte da Modernidade, o Céu é vazio: é o que chamamos de secularização do mundo; e para outra parte da Modernidade, para a qual Deus ainda é mestre absoluto, Ele é tão inconcebivelmente grande, tão elevado e tão distante de nós que não podemos mais nos definir em relação a Ele. Portanto, não há nenhuma distinção que nos separe dos animais, mas ao mesmo tempo há uma distância infinita que nos separa do além. Surgem então as duas grandes utopias que hoje se contrapõem no horizonte humano. De um lado, a utopia pós-humanista é herdeira do ideal libertário do gozo; ela sonha como um novo "eu", mais poderoso do que jamais foi, e triunfante sobre sua própria animalidade e mortalidade. De outro lado, a utopia animalista é herdeira das grandes esperanças de libertação coletiva do século XX; ela sonha com um novo "nós", uma nova comunidade além da política, a comunidade de todos os animais sensíveis. Sonhamos para o homem um futuro divino ou um destino animal. Haveria lugar para uma utopia humanista entre essas duas utopias anti-humanistas? Ainda é possível sonhar para a humanidade um destino à sua medida? É muito tarde para uma nova utopia política ou ainda não é hora para uma utopia humanista, para a revolução cosmopolítica? Seria possível deduzir a priori esses três ideais a partir de uma única certeza: nós nos tornamos indivíduos. Mas como seriam os programas revolucionários na era dos direitos subjetivos? Livrar-nos do Mal. Nós quem? Talvez você e eu. Ou os habitantes de uma nova Cidade pós-política. O primeiro tipo de programa seria o de uma utopia libertariana: o Mal seria tudo que obstrui e limita a ação, o pensamento e a vida individuais: a doença, a velhice, a morte, em resumo: a animalidade. O direito seria o privilégio de viver melhor, viver mais, viver sempre. Eu tenho esse direito! Quem seríamos nós? Seríamos apenas, e para sempre, eus. Nossa ética seria na primeira pessoa: ser eu plenamente. Pós-humanismo. Quanto ao segundo tipo de programa, das duas uma. Ou os habitantes da nova Cidade seriam de um gênero novo ou então a própria Cidade é que seria de um gênero novo. No primeiro caso, os indivíduos não seriam mais humanos, pois a Cidade seria estendida a todos os seres sensíveis. O Mal seria o sofrimento ou a dominação. A Cidade ideal, a Calípolis de Platão, seria uma Zoópolis. Todos os seres sensíveis seriam detentores dos mesmos direitos, isto é, de imunidades. Quem seríamos nós? Seríamos animais sensíveis aos animais sensíveis. Nossa ética seria na segunda pessoa: compaixão, culpa. Animalismo. No segundo caso, os indivíduos seriam humanos, pois a Cidade seria estendida a todos os homens. O Mal seria a guerra ou a condição de estrangeiro. A Cidade boa, a Calípolis de Platão, seria uma Cosmópolis. Todos os seres humanos seriam detentores dos mesmos direitos, isto é, de liberdades iguais. Quem seríamos nós? Seríamos a humanidade. Nossa ética seria na terceira pessoa: justiça. Cosmopolitismo. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – Agropecuarista, Autodidata, Escritor, Estudante, Pesquisador e Professor. Acadêmico do curso de Zootecnia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). WhatsApp: (82) 9.8143-8399.
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Panorama Histórico dos Problemas FilosóficosEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaAntes de entrar cuidadosamente no estudo de cada filósofo, em suas respectivas ordens cronológicas, é necessário dar um panorama geral sobre eles, permitindo, de relance, a localização deles em tempos históricos e a associação de seus nomes com sua teoria ou tema central. l. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS - No sétimo século antes de Jesus Cristo, nasce o primeiro filósofo grego: Tales de Mileto2 . Ele e os seguintes filósofos jônicos (Anaximandro: Ἀναξίμανδρος: 3 610-546 a.C.) e Anaxímenes: (Άνα…Read moreAntes de entrar cuidadosamente no estudo de cada filósofo, em suas respectivas ordens cronológicas, é necessário dar um panorama geral sobre eles, permitindo, de relance, a localização deles em tempos históricos e a associação de seus nomes com sua teoria ou tema central. l. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS - No sétimo século antes de Jesus Cristo, nasce o primeiro filósofo grego: Tales de Mileto2 . Ele e os seguintes filósofos jônicos (Anaximandro: Ἀναξίμανδρος: 3 610-546 a.C.) e Anaxímenes: (Άναξιμένης: 586-524 a.C.) tentaram expressar/elucidar o que é a arché, ou constitutivo fundamental do Universo. 4 Também sobressaem as teorias de Pitágoras (Ὁ Πυθαγόρας: 570 a.C.- 495 a.C.), completas de misticismo e Matemática; a de Heráclito (Ἡράκλειτος ὁ Ἐφέσιος: 540-470 a.C.), o filósofo do devir e o de seu oponente, Parmênides (Παρμενίδης: 530-460 a.C.), que elucida a primeira teoria do ser, e para qual é alcunhado como o iniciador da Metafísica. Anaxágoras (Ἀναξαγόρας: 500 a.C.- 428 a.C.) esboça uma teoria sobre o Nous, o espírito divino. Por outro lado, Demócrito (Δημόκριτος: Grécia: 460-370 a.C.) e Empédocles (Ἐμπεδοκλῆς: 490 a.C.-430 a.C.) insistem no materialismo. Em contrapartida, os sofistas (Parmênides, Cálicles (Καλλικλῆς: personagem platônico cuja existência é duvidosa) e Górgias (Γοργίας: 485 a.C.-380 a.C.)) gozam das suas aptidões à dialética, e colocam o relativismo como uma posição filosófica. Sócrates será o inimigo mais temível dessa posição. Este é o começo do movimento filosófico de Atenas, que culmina nos séculos quinto e quarto, tal qual, posteriormente, veremos. 2. O APOGEU GREGO – Sócrates (Σωκράτης: 469 a.C.-399 a.C.), Platão (Πλάτων: 428/427- 348/347 a.C.) e Aristóteles (Ἀριστοτέλης: 384 a.C.-322 a.C.) formam o triunvirato dos grandes filósofos gregos. O primeiro (Sócrates), com seu método "maiêutico" e sua teoria do conceito; o segundo (Platão), com sua teoria das ideias e seu estilo literário (dialogista); e o terceiro (Aristóteles), com a estruturação dos principais ramos filosóficos, como a Lógica, a Metafísica, a Ética, a Psicologia racional e a Política; todos eles elevaram a Filosofia para um posto de primeira ordem. Doravante, todos os filósofos tornam-se credores das contribuições desses gênios. Em certos autores, é clara a influência de Platão ou de Aristóteles. Sendo que, ambos os filósofos, tiveram influência absoluta de Sócrates, uma vez que Platão fora seu discípulo, e Aristóteles discípulo de Platão. A Idade Média, por exemplo, foi toda ela, em sua gênese e desenvolvimento, alicerçada no pensamento e nas ideias platônicas; tal era histórica é caracterizada pela luta em favor de um ou de outro autor; o platonismo tomou precedência nos primeiros séculos do cristianismo; somente após o décimo século Aristóteles foi redescoberto. 3. A FILOSOFIA CRISTÃ MEDIEVAL - Santo Agostinho (354 a.C.-430 a.C.) se destaca, no quinto século, com sua teoria da iluminação e a aplicação da teoria platônica ao Cristianismo. No século XIII, São Tomás de Aquino (1225-1274), sintetiza Aristóteles com o Cristianismo. Os dois autores formam o núcleo da filosofia cristã em seus respectivos séculos. A escolástica teve seu tempo de decadência. Se mencionam, principalmente, dois autores: João Duns Escoto (1266-1308) e Guilherme de Ockham (1285-1347). O primeiro é o "Doutor Sutil ", e o segundo cai em um fideísmo e um nominalismo, para todos os conceitos criticáveis. Em uma segunda parte, tentaremos explicar os respectivos pensamentos dos autores mencionados, e outros que pertencem ao mesmo tempo, antigos e medievais. Naquela época, a Filosofia era puramente realista, aplicada ao mundo e ao homem. Somente na Idade Moderna, a Filosofia assumirá o problema do conhecimento como a base e o começo de todo filosofar. 4. A FILOSOFIA RACIONALISTA (MODERNA) - Na Idade Moderna, sobressai o racionalismo de Descartes (1596-1650) prolongado, então, com Malebranche (1638-1715) (ocasionalismo), Espinosa (1632 -1677) (panteísmo) e Leibniz (1646-1716) (teoria das mônadas). Estamos nos séculos XVII e XVIII. A atenção será focada nas disputas filosóficas da corrente empirista contra a racionalista. 5. A FILOSOFIA EMPIRISTA – O empirismo é florescido, principalmente, na Inglaterra. Francis Bacon (1561-1626), primeiro, e depois Locke (1632-1704) com sua rejeição de ideias inatas, Berkeley (1685-1753) com postura e ideias paradoxais, também idealistas e Hume (1711-1776), com suas famosas críticas contra o princípio da causalidade e o conceito de substância, são os principais autores. 6. KANT E OS IDEALISTAS ALEMÃES - Como a tentativa de sintetizar o racionalismo e empirismo, está a teoria de Kant (1724-1804), no século XVIII. Para o seu gênio seguido pelos três idealistas alemães mais importantes: Fichte (1762-1814) (idealismo subjetivo), Schelling (1775-1854) (idealismo objetivo) e Hegel (1770-1831) (idealismo absoluto). Esses Autores representam o ápice da especulação filosófica. A análise, a profundidade, a complexidade da expressão e o espírito sistemático são as características do gênio alemão idealista. 7. OS FILÓSOFOS DO SÉCULO XIX - Antes de tudo, é necessário mencionar, no século dezenove, aos dois grandes críticos de Hegel, que são Kierkegaard (1813-1855) (precursor do existencialismo) e Marx (1818-1883) (com seu materialismo dialético). O próximo é outro casal: Nietzsche (1844-1900) (teoria do Super-homem) e Schopenhauer (1788-1860) (com seu absoluto pessimismo). Comte (1798-1857) com sua doutrina positivista, completará o quadro desses filósofos. Numa outra oportunidade, vamos desmembrar sobre o pensamento e principais ideias acerca desses autores. 8. OS FILÓSOFOS DO SÉCULO XX - Antes de tudo, há um autor que iluminou a filosofia do século XX: Edmund Husserl (1859-1938), fundador do método fenomenológico. Em seguida, existem dois fluxos que são derivados diretamente de Husserl, a saber, o existencialismo e a axiologia. Dentro da corrente axiológica, estudaremos Scheler (1874-2928). Por outro lado, o existencialismo tem quatro autores principais; dois são alemães: Heidegger (1889-1976) e Jaspers (1883-1969); e os demais são franceses: Sartre (1905-1980) e Marcel (1889-1973). Heidegger insiste em que seu tema tratado em sua filosofia não é a unicidade do homem, mas o ser em geral. Jaspers é famoso por seu conceito de transcendência (Deus). Sartre é um antiteísta sincero, e seu existencialismo é definido como um pensamento que assume todas as consequências da negação de Deus. Em contraste, Gabriel Marcel é um filósofo Católico, que conseguiu uma análise profunda das situações humanas, que aparecem em íntima concordância com as verdades cristãs. Vamos terminar com Russell (1872-1970), autor básico do positivismo lógico. Cronologia de filósofos e suas escolas até nossos dias ➢ Filosofia Antiga - Escola naturalista da Jônia: Tales, Anaximandro e Anaxímenes; - Escola matemática da Itália: Pitágoras e os pitagóricos; - Escola idealista de Eléia: Xenófanes (570-475 a.C.), Parmênides, Zenão (490/85-420 a.C.) e Meliso (h.443); - Escola empirista: Heráclito, Empédocles e Anaxágoras; - Escola atomista de Abdera: Leucipo (h.437) e Demócrito; - Escolas de Atenas: - Sofistas: Protágoras (480-410), Górgias (484-375?); Sócrates, Platão e Aristóteles; - Pirronismo: Pirro (h.365-h.275); - Estoicismo: Zenão de Cítio (359/33-262) e Crisipo (281/77-208); - Epicurismo: Epicuro (341-270); - Nova Academia: Arcesilau (315-241) e Carnéades (214-129); Romanos: Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), Marco Aurélio (121-180) e Cícero (106-43). - Escola greco-judia: Fílon de Alexandria (25 a.C.-50 d.C.); - Neoplatonismo: Plotino (204/5-270), Porfirio (h.233-304), Jâmblico (h.250-330) e Proclo (h.411-485). ➢ Filosofia patrística - Apologistas: São Justino (100/10-165), Ireneu de Lyon (h.140-h.l 77) e Atenágoras (fines s. II); - Alexandrinos: São Clemente (h.145/50-215) e Orígenes (h.185-255); - Africanos: Tertuliano (h.160-230), Arnóbio (h.260-h.327) e Lactâncio (nascido h. 250); - Gregos: São Basílio (h.330-379), São Gregório de Nazianzo (330-390), São Gregório de Níssa (330-390) e Pseudo-Dionísio (h.500); - Latinos: São Hilário (h.315-367), Santo Ambrósio (333-397) e Santo Agostinho; - Outros: Claudiano (+h.473), Boécio (480-524), São Isidoro (h.560-633) e Beda (672/3-735). ➢ Filosofia Medieval/Escolástica - Judeus: Isaac Israeli (+h.940), Salomão Ibn Gabirol (h.l020-p.l058) e Maimônides (1135- 1204); - Árabes: Alquindi (h. 796-874), Al-Farabi (870-950), Avicena (980-1037), Algazali (1058- 1111) e Averróis (1126-1198); - Escola palatina: Alcuíno de Iorque (730/5-804), Rábano Mauro (h.784-856), Escoto Erígena (h.810-h.870) e Papa Silvestre II (+1003); - Dialéticos: Santo Anselmo (1033/4-1109) e Pedro Abelardo (1079-1142); - Tradutores: Domingo Gundisalvo (meados s. XII), Gerardo de Cremona (h. 1114-1187); - Enciclopedistas: Teodorico de Chartres (+1155), Hugo de São Vitor (+1141) e Vicente de Beauvais (+1264); - Universidades: Guilherme de Auvergne (1180- 1249) e Sigerio de Brabante (+h.l284); - Dominicanos: São Alberto Magno (1206-1280) e Santo Tomás de Aquino; - Franciscanos: Alexandre de Hales (1170/80-1245), São Boaventura (1217-1274), Roger Bacon (h.1210/14-1292), João Duns Escoto, Raimundo Lulio (1235-1315) e Guilherme de Ockham (h.1285-1349). ➢ Filosofia Moderna - Humanistas Renascentistas: Ficino (1433-1499), Erasmo (1467-1536), Maquiavel (1469- 1527), Thomas More (1480-1535), Juan Luis Vives (1492-1540) e Giordano Bruno (1548- 1600); - Racionalismo: Descartes, Malebranche, Espinosa e Leibniz; - Empiristas: Francis Bacon, Thomas Hobbes (1588-1679), Locke, Berkeley e Hume; - Escola escocesa: Thomas Reid (1710-1796); Iluministas: Voltaire (1694-1778), Condillac (1715-1757), Diderot (1713-1784) e J. J. Rousseau (1712-1778). - Idealismo transcendental: Kant; - Idealismo subjetivo: Fichte; - Idealismo objetivo: Schelling; - Idealismo absoluto: Hegel; - Pessimismo: Schopenhauer; - Ecletismo: Cousin (1792-1867); - Positivismo: A. Comte, J. S. Mill (1806-1873) e H. Spencer (1820-1900); - Socialismo: H. Saint-Simon (1760-1825), Ch. Fourier (1772-1837) e K. Marx; - Vitalismo: Nietzsche e W. Dilthey (1833-1912). ➢ Filosofia Contemporânea - Intucionismo: H. Bergson (1859-1941); - Pragmatismo: Ch. S. Peirce (1839-1914), W. James (1842-1910) e J. Dewey (1859-1952); - Fenomenologia: Husserl, Scheler, N. Hartmann (1882-1950) e M. Merleau-Ponty (1908- 1961); - Existencialismo: Jaspers, Heidegger, Marcel e Sartre; - Atomismo lógico: B. Russell (1872-1970) e L. Wittgenstein (1889-1951); - Positivismo lógico: M. Schlick (1882-1936), R. Carnap (1891-1970 ) e A. J. Ayer (1910- 1990). - Filosofia analítica: J. L. Austin (1911-1960), G. Ryle (1900-1976), W.V.O. Quine (1908- 2000), P. F. Strawson (1919-2003) e H. Putnam (1926-); - Hermenêutica: H. G. Gadamer (1900-2002), P. Ricoeur (1913-2007) e J. Habermas (1929-). - Estruturalismo e pós-estruturalismo: F. de Saussure (1857-1913), C. Lévi-Strauss (1908- 2009) e M. Foucault (1926-1984). - Filosofia pós-moderna: J. F. Lyotard (1924-1999), G. Deleuze (1925-1995), J. Derrida (1930- 2004), R. Rorty (1931-2007) e G. Vattimo (1936-). - Comunitaristas: A. Maclntyre (1929-), Ch. Taylor (1931-). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHAUÍ, M. Iniciação à Filosofia. Vol. Único. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2013. 460 p. SANTOS, R. dos. Filosofia: Uma breve introdução. 1ª ed. Pelotas: Dissertativo Incipiens, 2014. 108 p. . Rua do Riachuelo, 303, Centro, Rio de Janeiro, RJ Casa Histórica de Osório CEP: 20230-011 E-mail: [email protected]
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Os Humanos dos Direitos Contra as Utopias PolíticasEmanuel Isaque Cordeiro da Silva, Eduarda Carvalho da Silva Fontain, and Alana Thaís Mayza da SilvaOs direitos subjetivos são direitos e, em primeiro lugar, dos homens. Mas os "homens" também não conseguiriam coligar muito bem as energias. Acreditamos cada vez menos na humanidade. As reivindicações proliferam porque são irredutivelmente singulares. Essa é a diferença que vale e importa. Como diz Marcel Gauchet: em oposição ao ideal democrático original (de Rousseau, por exemplo), em que se exigia de: [...] cada cidadão que se apropriasse do ponto de vista do conjunto a partir de seu próp…Read moreOs direitos subjetivos são direitos e, em primeiro lugar, dos homens. Mas os "homens" também não conseguiriam coligar muito bem as energias. Acreditamos cada vez menos na humanidade. As reivindicações proliferam porque são irredutivelmente singulares. Essa é a diferença que vale e importa. Como diz Marcel Gauchet: em oposição ao ideal democrático original (de Rousseau, por exemplo), em que se exigia de: [...] cada cidadão que se apropriasse do ponto de vista do conjunto a partir de seu próprio ponto de vista, na nova configuração que se desenha o que prevalece é a disjunção, e que cada um faça valer sua particularidade diante de uma instância do geral do qual não se pede em nenhum momento que ele abrace o ponto de vista. (GAUCHET, 1998). O homem nunca aparece no horizonte de nossas mobilizações, porque está sufocado nas novas formas de fazer o nós. É verdade que o homem, a humanidade, o humanismo nunca se deram bem com as utopias. Nem com as utopias literárias nem com as utopias em ação. As primeiras se apoiavam em certa concepção do ser humano: bom em si mesmo, mas vivendo em comunidades políticas que precisavam ser refundadas. As utopias em ação se apoiavam em uma visão geral da humanidade na história (raça contra raça, classe contra classe), mas a revolução que conduziria à libertação e à saída da história deveria ser realizada no interior de um país, de uma nação ou de um povo, mensageiro do destino de toda a humanidade. Foi assim com o nazismo. O ariano é o Prometeu da humanidade [...]; ele sempre mostrou ao homem o caminho que deveria percorrer para tornar-se o mestre dos outros seres vivos sobre a terra; se o fizessem desaparecer, uma escuridão profunda desceria sobre a terra, em alguns séculos a civilização humana acabaria e o mundo se tornaria um deserto (HITLER, 1939). E preciso acabar com o humanismo e o cosmopolitismo. E partir a história humana ao meio: ela sempre foi a história da luta da raça ariana contra seus inimigos, em particular contra a raça judia. E necessário recorrer a uma solução final: livrar a terra para sempre dos judeus para finalmente assegurar o triunfo da raça ariana: a Alemanha é a detentora desse papel predestinado. Foi assim com o "socialismo real". Mais uma vez era necessário partir a história humana ao meio. Ela sempre foi a história da luta de classes: não pode mais haver classes. Desde sempre houve propriedade privada. Ela deve ser abolida. Mas o fim definitivo das classes e da propriedade deve passar primeiro pela exacerbação da luta de classes no interior de um país: o proletariado e o campesinato são herdeiros desse papel histórico. Assim, na época em que o marxismo era considerado um horizonte intelectual intransponível, e a revolução proletária era vista como o horizonte intransponível desse horizonte, "o homem" do "humanismo" era desprezado porque supunha uma unidade de essência além das comunidades verdadeiras, definidas em si mesmas por um antagonismo fundamental: antagonismo interno das classes (exploradoras/exploradas), antagonismo externo dos povos (opressores/oprimidos) ou das culturas (dominantes/minoritárias) etc. Não se podia conceber uma causa comum à humanidade nem preparar ou defender uma revolução hipotética dos humanos. E, além do mais, contra quem e contra o quê? "Não vejo homem", dizia-se após Marx, "vejo apenas operários, burgueses, intelectuais." O homem não era a medida de todas as coisas, o verdadeiro padrão de medida era menor: por exemplo, os burgueses ou os proletários. A humanidade, ou melhor dizendo, a realidade da história definia-se em um nível inferior. As utopias revolucionárias parecem ter abandonado o horizonte ideológico de nossa Modernidade. Em todo caso, as utopias políticas. Mas pode ser que nossa época ainda tenha o poder de conceber novas utopias. Pois não nos livramos delas tão facilmente. Expulsas pela porta da história, elas retornam pela janela da imaginação. Expulsas de nosso ideal político, serão pós-políticas. Podemos vislumbrar essas novas utopias revolucionárias nos dois traços que definem o contemporâneo, através da ambiguidade da expressão "direitos humanos". Negativamente, delineiam-se de forma indireta a partir das dúvidas sobre o que somos. Positivamente, cumprem o que sabemos que somos: indivíduos. REFERENCIAL TEÓRICO GAUCHET, M. La religion dans la démocratie. Paris: Gallimard, 1998. Col. Folio Essas. HITLER, A. Mein Kampf. Mon combat. La Défense Française, 1939. (Édition intégrale) Cópia de: FRANCIS WOLFF. Três Utopias Contemporâneas. São Paulo: Unesp, 2018.
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Os Direitos Humanos Contra as Utopias PolíticasEmanuel Isaque Cordeiro da Silva, Alana Thaís Mayza da Silva, and Eduarda Carvalho da Silva FontainSe vivemos juntos apenas porque temos direitos e para termos mais direitos, então não temos nenhum motivo para imaginar uma salvação comum: a salvação não está no comum, mas no próprio. Por oposição ao Direito (em inglês, Law) que, impondo-se a todos de cima para baixo, normatiza objetivamente as relações entre cidadãos, há agora o império crescente dos direitos subjetivos (em inglês, rights) reivindicações particulares que tentam impor-se a todos de baixo para cima. Esses direitos costumam…Read moreSe vivemos juntos apenas porque temos direitos e para termos mais direitos, então não temos nenhum motivo para imaginar uma salvação comum: a salvação não está no comum, mas no próprio. Por oposição ao Direito (em inglês, Law) que, impondo-se a todos de cima para baixo, normatiza objetivamente as relações entre cidadãos, há agora o império crescente dos direitos subjetivos (em inglês, rights) reivindicações particulares que tentam impor-se a todos de baixo para cima. Esses direitos costumam ser descritos como sendo de dois tipos ou duas gerações. De um lado, há, ou houve em um primeiro momento depois da Revolução Francesa, o reconhecimento dos direitos-liberdades (direitos de fazer alguma coisa: ir e vir, associar-se, reunir-se, manifestar opiniões, praticar uma religião etc.); de outro lado, há, ou houve em um segundo momento depois da Segunda Guerra Mundial, os direitos sociais, os chamados direitos-créditos, os direitos ao beneficio de certa prestação da parte de um poder público (direitos a alguma coisa: educação, saúde, trabalho etc.). Eles se fundamentam em dois sentidos opostos da ideia de direitos. Os direitos-liberdades definem um território de igual independência de todos e cada um com relação às ingerências do poder público; os direitos-créditos definem um horizonte de expectativa de todos e cada um com relação às ações desse mesmo poder público. De um lado, impedem o Estado de agir em certas esferas de ação dos indivíduos; de outro, obrigam o Estado a agir em certas esferas a favor dos indivíduos. No entanto, do ponto de vista da perda do ideal de uma salvação comum, estes e aqueles vão no mesmo sentido. Tornamo-nos duplamente liberais. Liberais porque apreciamos viver em uma sociedade de liberdade igual, assegurando por direitos negativos a esfera de autonomia de cada um de nós. Liberais porque, gostando ou não, vivemos em uma sociedade de mercado e esperamos ações do Estado que corrijam os efeitos das desigualdades econômica e social gerados por esse sistema. Queremos um Estado que nos faça menos desiguais e ao mesmo tempo garanta nossa independência dele e dos outros. A demanda preocupada de menos injustiça substituiu mais uma vez a vontade do Bem. Em todos os lugares do mundo onde essas duas condições da autonomia individual (liberdades fundamentais e prestações sociais) não são satisfeitas, os povos aspiram a elas. Em muitos casos, a Cidade ideal desses povos é semelhante à nossa pobre Cidade real, que, no entanto, não nos satisfaz. Não tentamos mais nos realizar por e na comunidade política e não aspiramos mais a nos fundir nela. O que esperamos do Estado é que nos permita viver sem ele. É pelo fato de não acreditarmos mais no político que nossos sonhos tomam a forma lúcida e prosaica de demanda sem fim de novos direitos individuais. E pelo fato de não acreditarmos mais na Cidade justa, na Cidade e na Justiça, que multiplicamos os focos de reivindicação. Queremos não só mais direitos de (fazer) e mais direitos a (serviços), como queremos esses direitos a outros seres além de nós. Assim, há dois movimentos paralelos: de um lado, uma multiplicação de tipos de direitos (liberdades, mas sobretudo créditos); de outro, uma proliferação de detentores de direitos; em última instância, todo grupo de interesses real ou supostamente real é considerado um detentor de direitos. Em vez de ser outro nome para a igualdade de todos — o que eram originalmente —, os direitos se tornaram sinônimo de interesses particulares. Contra as desigualdades entre homens e mulheres, reivindicamos paradoxalmente os "direitos das mulheres"; contra os maus-tratos e a carência de educação, apelamos aos "direitos da criança"; contra as discriminações, defendemos os "direitos dos homossexuais"; contra a medicina invasiva, exigimos respeito aos "direitos dos doentes"; contra as falhas dos transportes públicos, reivindicamos o reconhecimento dos "direitos dos usuários" etc. O "direito ao trabalho" é invocado tanto pelo desempregado que exige do poder público que lhe dê emprego quanto pelo não grevista que exige acesso ao seu posto de trabalho, contrapondo-se aos piquetes. Exigimos do Estado que reconheça o direito dos fumantes de fumar e o dos não fumantes de não ser expostos à fumaça, o dos não crentes de blasfemar e o dos crentes de não ser ofendidos; queremos que o Estado conceda aos solteiros o direito aos filhos, e às crianças, o direito "a um papai e a uma mamãe". E, finalmente, onde antes se impunham deveres morais ou normas jurídicas, hoje surgem inesperados beneficiários putativos de novos direitos: as culturas autóctones, os animais, os robôs, a Natureza, a biosfera, a Terra- mãe etc. — de tal forma a palavra "direito" se tornou mobilizadora e coligadora de energias em torno de uma causa, graças à sua extraordinária ambiguidade (Vantagem? Habilitação? Permissão? Privilégio? Não ingerência? Poder? Reivindicação? Imunidade?). Tudo isso, no fundo, é prazeroso e marca a vitória (para nossa infelicidade, geograficamente parcial e socialmente frágil) da autonomia individual sobre a onipotência dos Estados, as sociedades fechadas, as culturas fusionais ou os integrismos religiosos. Mas incita muito pouco a utopia e, menos ainda, a revolução. Cópia de: FRANCIS WOLFF. Três Utopias Contemporâneas. São Paulo: Unesp, 2018.
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Morte e Renascimento das UtopiasEmanuel Isaque Cordeiro da Silva, Alana Thaís Mayza da Silva, and Eduarda Carvalho da Silva FontainEstamos cansados das utopias. Estamos cansados das utopias literárias e dos devaneios sobre a Cidade ideal: as utopias em ação que foram os totalitarismos do século XX nos nausearam. Os horrores reais de uns nos impedem de sonhar com os outros. Nossas antigas utopias De Platão a Thomas More, de Étienne Cabet a Fourier, as utopias falavam da rejeição do presente e do real: “Existe o mal na comunidade dos homens”. Mas não lhe contrapunham o futuro nem o possível; elas descreviam um impossível …Read moreEstamos cansados das utopias. Estamos cansados das utopias literárias e dos devaneios sobre a Cidade ideal: as utopias em ação que foram os totalitarismos do século XX nos nausearam. Os horrores reais de uns nos impedem de sonhar com os outros. Nossas antigas utopias De Platão a Thomas More, de Étienne Cabet a Fourier, as utopias falavam da rejeição do presente e do real: “Existe o mal na comunidade dos homens”. Mas não lhe contrapunham o futuro nem o possível; elas descreviam um impossível desejável: “Seria bom viver lá!”. Não eram programas políticos planejando meios de atingir um objetivo racional. Contentavam-se em querer o melhor. E mais valia o Bem nunca obtido a um Mal menor amanhã. As utopias eram revolucionárias, mas em palavras: “Os homens vivem assim, sempre viveram assim, deveriam viver de outra forma”. Todas as utopias comunistas do século XIX foram assim. Quando se tratava de arregaçar as mangas, havia um esforço para criar à distância, e durante um certo período, uma pequena comunidade real mais ou menos em conformidade com o sonho. Os utopistas eram revolucionários quando não eram realistas, e quando eram realistas não eram revolucionários. Nunca visaram a eliminar o Mal para sempre e derrubar as comunidades políticas existentes para instaurar o Bem. Por exemplo, Étienne Cabet, com seu comunismo cristão, imaginou a cidade ideal de Icária e tentou fundar uma colônia icariana em New Orleans, em 1847. Charles Fourier, com seu falanstério, estava em busca de uma harmonia universal que se formaria livremente por afeição de seus membros. O mais realista de todos, Saint-Simon, descreveu uma sociedade fraterna, cujos membros mais competentes (industriais, cientistas, artistas, intelectuais, engenheiros) tinham a tarefa de administrar a França da forma mais econômica possível, a fim de torná-la um país próspero, onde reinariam o interesse geral e o bem comum, a liberdade, a igualdade e a paz; a sociedade seria uma grande fábrica. Mas o sonho de uma associação entre industriais e operários baseada na fraternidade, na estima e na confiança desfez-se na realidade das grandes empresas capitalistas dos saint-simonianos, no Canal de Suez e nos caminhos de ferro franceses. No fundo, aconteceu o mesmo com os teóricos do "comunismo científico" no século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels. Eles, é claro, eram autenticamente revolucionários e profundamente realistas, pois fundamentaram seu projeto político em uma análise do funcionamento econômico e histórico do capitalismo, mas a ideia comunista e a abolição da propriedade privada permaneceram em estado de esboço nas obras dos autores do Manifesto, um ideal abstrato e, por assim dizer, vazio, ou, em todo caso, tão utópico quanto nos teóricos franceses. Nos Manuscritos de 1844, a ideia comunista é pura especulação conceitual em torno da "apropriação real da essência humana pelo homem e para o homem" ou "a verdadeira solução da luta entre existência e essência, entre objetivação e afirmação de si mesmo, entre liberdade e necessidade". Em A ideologia alemã, é uma expressão puramente verbal para designar "o movimento real que abole a ordem estabelecida". Em Engels, é "o ensinamento das condições da libertação do proletariado" (Princípios do comunismo). E uma ideia até mais vaga e abstrata nos marxistas do que nos utopistas, pois é dissociada de qualquer tentativa de fundamentação conceitual e qualquer análise concreta dos meios de sua realização. E ainda como um sonho de Cidade ideal, em que "cada um recebe conforme suas necessidades", como circulava entre os utopistas franceses do comunismo no século XIX. Ao contrário de suas predecessoras, as utopias em ação dos totalitarismos do século XX situam-se no cruzamento de um ideal revolucionário ("partir ao meio a História do mundo", segundo Nietzsche em Ecce homo, depois retomado pelos maoístas) e um programa realista de transformação política radical. Enquanto as utopias de Platão a Engels evitavam os meios de se atingir o ideal para preservar sua perfeição, as utopias em ação fazem o inverso: retardam indefinidamente a realização do ideal para empregar da melhor forma os meios capazes de realizá-lo. Não é mais uma questão de sonhar com o Bem, mas de lutar indefinidamente contra o Mal. E, desde a República de Platão,5 o Mal na comunidade política tem duas faces: ou é Impuro ou Desigual. Portanto, a Cidade deve ser: ou uma comunidade de iguais, cuja unidade perfeita é garantida pelo fato de que tudo é comum entre eles; ou uma comunidade pura, cuja unidade perfeita é garantida pelo fato de que todos têm a mesma origem. Define-se ou pelo comum das posses (nada deve pertencer a ninguém, mas a todos) ou pela identidade dos seres (ninguém deve ser estrangeiro): o comum que temos (ou deveríamos ter) ou aquilo que somos (ou deveríamos ser). Naturalmente, nessa união de idealismo revolucionário e realismo programático, o Bem absoluto, o Puro, o Comum, é uma idealidade fora de alcance: o combate mortal contra o Mal torna-se a obsessão dos regimes de terror. O Puro deve começar excluindo. Mas nunca chega a excluir por completo, porque o já purificado nunca é suficientemente puro. A ponto de a ideia se transformar em um delírio infinito de rechaçar e depois expulsar, a fim de exterminar. Os judeus e os ciganos, que encarnavam o micróbio maléfico que ameaça a pureza da raça e do sangue ariano, tinham de ser caçados até nos mais ínfimos recantos do território sob domínio nazista e eliminados como pulgas. O Comum e o comunismo também estão fora de alcance. Começa-se expropriando. Mas ainda há a propriedade e o privado. E, portanto, nunca se chega a expropriar, despossuir, comunizar por completo. As lutas contra as classes (supostamente) proprietárias ou avessas à coletivização, os pequenos proprietários de terra, geram deportações em massa (deskulakização) ou organização sistemática de grandes fomes (Holodomor). Por isso, apesar da formidável esperança de emancipação que o ideal comunista representou durante quase um século para as classes ou povos explorados do mundo inteiro, ele se despedaçou no século XX contra o muro do "socialismo real". Nos antípodas do comunismo imaginado, ao qual se supunha que conduziria infalivelmente, o ideal comunista se transformou em uma máquina tirânica, burocrática e totalitária. A sociedade sem Estado sugerida por Engels na obra Anti- Dühring6 tornou-se seu contrário, uma ditadura do Estado contra a sociedade. O terrível fracasso dessa utopia em ação destruiu os sonhos de libertação coletiva — enquanto "a exploração do homem pelo homem" continua indo muito bem. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo das utopias revolucionárias em nome do Puro. Enquanto o ideal comunista quase desapareceu dos programas políticos, a ideologia purista do sangue e da raça, a ilusão da origem comum (seja biológica ou religiosa) e, portanto, o ódio destruidor do estrangeiro continuam a alimentar as utopias coletivas e seus massacres em série: genocídio ruandês contra os tutsis, depuração étnica dos muçulmanos na ex-lugoslávia (em particular na Bósnia), limpeza étnica de cristãos, turcomanos xiitas e no autoproclamado "Estado islâmico" etc. O fim das utopias? Felizmente, parece que somos poupados de tudo isso em nossas "democracias ocidentais", após setenta anos de paz sob as asas da Europa, algumas décadas de relativa prosperidade econômica e tranquilidade política sob a frágil proteção de nossos sistemas representativos. Não acreditamos mais na salvação comum. Nem na salvação nem no comum. Há três razões para isso, todas as três interligadas: o fim do político, a desconfiança em relação ao Bem, o reino dos direitos individuais. As utopias políticas conduziram ao desastre. Não conseguem mais nos fazer sonhar com o futuro como faziam no passado, porque estamos absorvidos por nosso hoje e por nós mesmos. A política parece ter derrotado o político. A política são estratégias coletivas ou táticas individuais, é o império dos "eles" ou o reino dos "eus". O político é a afirmação da existência de um "nós" ("nós, o povo"), além das comunidades de famílias ou amigos, das comunidades regionais ou religiosas, além das identidades de gênero ou origem, e aquém da comunidade humana em geral. As peripécias usuais dos governos representativos sufocaram o sentimento de pertencimento coletivo e a aspiração a um destino comum, que ressurgem apenas quando uma emoção violenta abala o corpo social, quando existe uma ameaça extremista ou ocorre um atentado terrorista. Em situações normais, porém, os acasos da conquista ou do exercício do poder escondem o político, isto é, as condições de unidade da comunidade. Não acreditamos mais no Bem. Não sonhamos mais com uma Cidade bondosa, finalmente livre do Mal. Aspiramos simplesmente a uma sociedade — ou um mundo — menos má. Prova dessas aspirações são as manifestações que mobilizam a juventude dos países ocidentais ou sublevam os povos do planeta de vez em quando. Movimentos altermundialistas contra o capitalismo financeiro, Fórum Social Mundial (Porto Alegre), Occupy Wall Street, Indignados, Nuit Debout etc. Movimentos a favor da democracia nos países da Europa do Sul nos anos 1970, na América Latina e, em outros continentes, lutas de emancipação na praça da Paz Celestial (Pequim), na praça Tahrir (no Cairo), na praça Taksim (Istambul), de Sidi Bouzid (Tunísia), revolução dos guarda-chuvas (Hong Kong) etc. Apesar da diversidade de contextos e objetivos, em todas essas revoltas há uma constante que as distingue das utopias revolucionárias passadas: as pessoas se revoltam contra alguma coisa, elas não se mobilizam por alguma coisa. Sabemos o que elas rejeitam (injustiça, miséria, corrupção, humilhação, arbitrariedade, segregação e repressão), mas desconhecemos a que aspiram. Ou melhor, é como se tudo que desejassem fosse justamente um "menos" — menos injustiça, menos miséria, menos arbitrariedade, menos corrupção, menos segregação, menos repressão etc. —, ou o menos possível, mas nunca o impossível de um horizonte coletivo. Os que almejam em todo o mundo derrubar um poder tirânico ainda sonham com essa nossa "democracia" que não nos encanta mais, porque acreditamos que as liberdades fundamentais em que ela consiste são para sempre e ela se resume a votarmos esporadicamente em políticas que não nos satisfarão. Pois quando não há mais nada contra o que se revoltar, restam apenas motivos para reivindicar. Contudo, ninguém mais sonha com uma Cidade perfeita: nem os que protestam contra sua miséria e servidão nem os que lutam por condições de vida decentes e pela satisfação de seus interesses. Não há mais utopia política. Foi assim que se instalou entre nós o reino dos direitos individuais. Pois não desejamos mais um Estado ideal que nos una e nos faça um nós, um nós inédito, um nós que seja um nós mesmos: esperamos somente que esse Estado nos deixe em paz, cada um por si, e nos permita realizar as aspirações individuais a que acreditamos ter direito. O sonho de emancipação coletiva se estilhaçou em uma multiplicidade dispersa de desejos. Podemos indicar a data recente em que esse "nós" considerado poderoso demais começou a se encolher em "eus" triunfantes. Quando esses "eus" ainda usavam a máscara do antigo "nós" para se legitimar. No último terço do século XX, as reivindicações individualistas ainda tinham uma coloração revolucionária; as pessoas não sonhavam mais com a libertação de uma classe ou de um povo, mas ainda sonhavam com uma libertação política: a dos desejos individuais. O ideal proletário adquiriu um matiz libertário: foram os movimentos de "Maio de 68". O conceito de revolução recuava na história social e progredia nos costumes. Nesses movimentos dos países capitalistas ocidentais, as pessoas acreditavam, apoiavam, afirmavam em textos e discursos que tudo na vida de cada um era político por natureza, para além da própria política. O amor era político: elas acreditavam que as relações entre homens e mulheres, os sentimentos, a sexualidade eram determinados pela existência social — logo eram políticos. A arte também era política: a arte falsa era a arte reacionária, a música tonal, a pintura figurativa, o romance ou o cinema narrativos etc. A "verdadeira arte" era a das vanguardas, revolucionária na forma e messiânica no conteúdo. A moral, por sua vez, era política de um extremo a outro. Ou então era oca, ridícula. (Isso foi antes de tudo virar ética.) Este era o programa: libertação coletiva das aspirações individuais, "viver sem tempo morto e gozar sem obstáculos". Desde o início do século XXI, não existe mais utopia política. Nem sonhos de libertação social; ela se despedaçou contra o muro da realidade totalitária: de suas esperanças restam apenas algumas conquistas, cada vez mais frágeis, do Estado providência. Nem sonhos de realização libertária; eles se chocaram contra o fim das ilusões e o retorno do conservadorismo. Dos primeiros e dos segundos sobrou apenas o império dos direitos. A era do indivíduo não precisa mais se abrigar sob a ideologia da libertação: o vocabulário liberal dos direitos subjetivos é suficiente. De fato, os direitos individuais, na esteira e conforme o modelo muitas vezes infiel dos "direitos humanos", tornaram-se nosso único ideal, depois que perdemos a fé no Ideal. Pois a ideia de "direitos humanos" é a dupla negação de toda utopia política: porque se trata de "direitos" e porque se trata de "humanos". Cópia de: FRANCIS WOLFF. Três Utopias Contemporâneas. São Paulo: Unesp, 2018.
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Sociologia: Aspectos Estruturais e ConjunturaisEmanuel Isaque Cordeiro da Silva, Alana Thaís Mayza da Silva, and Eduarda Carvalho da Silva FontainSOCIOLOGY: STRUCTURAL AND CONJUNCTURAL ASPECTS Sabemos, por intermédio de pesquisas na área sociológica, que o nascimento e formação da Sociologia como ciência é proveniente de uma série de metamorfoses históricas. Isso implica dizer que as idiossincrasias mais genéricas da Sociologia têm um elo peculiar com a maneira como o corpo social se organizou e estruturou ao passo do final do século XIX e início do século XX. O feitio do arranjo da vida em corpo social nesse lapso, isto é, o feitio d…Read moreSOCIOLOGY: STRUCTURAL AND CONJUNCTURAL ASPECTS Sabemos, por intermédio de pesquisas na área sociológica, que o nascimento e formação da Sociologia como ciência é proveniente de uma série de metamorfoses históricas. Isso implica dizer que as idiossincrasias mais genéricas da Sociologia têm um elo peculiar com a maneira como o corpo social se organizou e estruturou ao passo do final do século XIX e início do século XX. O feitio do arranjo da vida em corpo social nesse lapso, isto é, o feitio de conformar a educação, o conhecimento em geral, a política dos Estados, a indústria, o comércio e as relações monetárias entre os países industrializados do período, constituem o alicerce para reflexão acerca da razão de a Sociologia ter se conformado como uma ciência peculiar, divergentemente da História e da Filosofia. Durante as revoluções que se decorrera nos séculos de nascimento da Sociologia, três pensamentos serviram de alicerce para tentar compreender as complexas metamorfoses sociais da época. Marx, Durkheim e Weber analisaram o corpo social capitalista de suas respectivas épocas e enfatizaram elementos que podem ser considerados essenciais e centrais da Sociologia. Assim, ainda que partiram da mesma referência empírica, que nada mais é do que o corpo social, cada um deles obtiveram interpretações divergentes sobre a conformação social e sobre os componentes conjunturais do corpo social. Todavia, é imprescindível compreender, com base na Sociologia nascente, o que é estrutura social e o que é conjuntura social. Para o antropólogo Radcliffe-Brown (1881-1955), “a estrutura social designa a rede complexa de relações sociais que existe realmente e une seres humanos individuais num certo meio natural” 5 . Ou seja, a estrutura social dá as características de ambiência e vivência dos indivíduos na vida sodalícia, esses aspectos foram analisados e estudados pelos autores supracitados na tentativa de elucidação das transformações que se decorrera na Europa da industrialização. Para Raymond Boudon (1934-2013): [...] a expressão "estrutura social" é empregada como sinônimo de organização social: conjunto das modalidades de organização de um grupo social e dos tipos de relações que existem no interior e entre diversos domínios de toda a sociedade (tanto ao nível do parentesco como da organização econômica e política). (BOUDON, 1990)6 Isto é, a estrutura social emprega termos mais genéricos da vida sodalícia, o que implica dizer que se relaciona diretamente com a organização das esferas sociais e dos indivíduos. À medida em que se estrutura e se organiza a sociedade, aparecerão vastas transformações nos meios de produção, comércio, etc. Logo, caber-se-á ao cientista social, como acontecera na gênese da Sociologia, estudar essa estrutura e organização e como tais termos e aspectos afetam a sociedade e os meios econômicos e políticos. Em termos mais didáticos: (Alana) A sociedade é composta de elementos estruturais e conjunturais/ocasionais. Essa relação é fundamental para demonstrar que a sociedade é resultado de um processo histórico. [...] (Emanuel) Há mecanismos estruturais que são sempre repostos nas conjunturas e que garantem a perpetuação das sociedades. Ao mesmo tempo em que conferem à sociedade suas características centrais, os componentes estruturais são reconstituídos nas diferentes conjunturas com o rótulo da novidade. As relações familiares, a organização do trabalho e da política, o sistema educacional, a escola, a produção, o comércio, as religiões, etc., podem servir de exemplos para entender como a novidade é influenciada pelos aspectos permanentes de uma sociedade, de um modo de produção da vida em sociedade. [...] (Alana) É importante refletir de que maneira as condições particulares dos indivíduos tem ressonâncias da história passada, de sua família, de questões que aparentemente não têm implicações diretas em sua vida. É importante explicitar, assim, que aquilo que somos e o que pensamos é um resultado histórico-social. [...] (Emanuel) É necessário propor uma reflexão aos indivíduos sobre hábitos e costumes que nos parecem novos mas que de fato são herdados e têm fundamento na história da sociedade em que vivemos. Essa reflexão irá ajudar os indivíduos a identificar a presença de alguns desses hábitos e costumes na vida de todos os dias é um exercício que pode contribuir para a compreensão e a fixação desse conteúdo. [...] (SILVA, Emanuel Isaque Cordeiro da. SILVA, Alana Thaís Mayza da. Da sociedade estrutural e conjuntural na vida pragmática. [Entrevista cedida a] Eduarda Carvalho da Silva Fontain. Diálogo entre amigos. Colégio de Aplicação da UFPE, Recife – PE. 08 Jun. 2019). Os corpos sociais, por mais divergentes que sejam, capitalistas ou socialistas, escravistas, libertários, indígenas, africanos, monogâmicos ou orientais, têm componentes genéricos que se reproduzem ao passar do tempo. Esses componentes genéricos são a base do corpo social e se caracterizam como componentes típicos, ou seja, componentes que acabam tornando um corpo social completamente divergente de outro. A conformação social, assim sendo, é feitiada mediante características genéricas que dão individualidade ao corpo social e se reproduzem ao passar do tempo. Logo, dá-se a entender que se um corpo social tem seus componentes conformais destruídos, ele perde sua individualidade, metamorfoseando-se em outro tipo de sodalício. Aclarando melhor, pensemos no corpo social ao qual fazemos parte: o corpo social capitalista. Ainda que os pensadores sociais antes supracitados tenham perspectivas divergentes quanto as esferas que conformam o corpo, ambos aceitam que o labor é o componente cêntrico da estrutura do sodalismo capitalista. Não obstante, ao se analisar o labor contemporâneo e o labor que desenvolvemos atualmente, podemos notar vastas divergências. Por exemplo, na contemporaneidade o computador é usado na grande parte das profissões, algo que há trinta anos atrás era novidade para muitas ainda. O corpo social, assim, passou de uma conjuntura7 a outra, reproduzindo o labor, todavia esse mesmo labor se metamorfoseou. Ante o supracitado texto, concluímos que sempre estamos envoltos de conjunturas sociais. Não obstante, há componentes sodalísticos que se reproduzem em todas as conjunturas particulares. Isso implica dizer que, mediante toda a história do capitalismo sempre houve labor e laboradores. Logo, essa alínea dá noção de que a ideia de trabalho e trabalhador é uma parte inerente da conformação social. Todavia, o labor foi metamorfoseado inúmeras vezes, seja na forma de exploração ou até mesmo no vínculo do trabalhador com seu trabalho. Bem como na maneira como nos organizamos alicerçados no trabalho ou no elo que temos com os indivíduos com o qual trabalhamos. Observe ambas as imagens, uma da década de 30 e outra de quase 70 anos depois. Note como a maneira de se trabalhar, de como trabalhar, do ambiente de trabalho, da forma de se trabalhar se modificaram ao longo dos anos e, vale destacar, com essa modificação as máquinas e os computadores ganharam mais espaço dentro das indústrias, principalmente nas indústrias automobilísticas. Assim, de um lado, o labor em generalidade permanece, e com isso se mantém como componente cêntrico da conformação social. Todavia, no outro lado, em cada conjuntura histórica o labor se apropria de idiossincrasias peculiares, porém nem com isso desapodera-se de suas características genéricas. Por exemplo, temos um labor remunerado, ou seja, laboramos em troca de um salário. Contudo, esse mesmo salário poderá sofrer alterações em conformidade com greves, crises monetárias, introdução de novas tecnologias, qualificação profissional, da inflação, etc. Diante do supracitado texto, vimos que a conjuntura histórica, ou seja, um determinado período da História, repõe os componentes estruturantes do corpo social. Com isso, na esfera conjuntural podem existir novas protestações sociais, sejam elas individuais ou grupais, porém essas protestações sociais estão, em uma dada forma, relativas a aspectos genéricos, o feitio de conformação histórica do corpo social. Isso implica afirmar, que o corpo social é imprescindivelmente uma construção histórica e que a Sociologia é uma ciência que tem como finalidade supra analisar e compreender os componentes de regulação relativos ao que é permanente e ao que é ocasional. Por fim, aprendemos que: [...] para que possamos entender a essência do corpo social, devemos sempre pensar de forma primordial em elementos permanentes e nos componentes ocasionais [...] e que o esqueleto de um corpo social é moldada por componentes centrais que os definem como distintos de outros corpos, isto é, componentes que dão individualidade à uma sociedade. (SILVA, Emanuel Isaque Cordeiro da. Da sociedade estrutural e conjuntural na vida pragmática. [Entrevista cedida a] Eduarda Carvalho da Silva Fontain. Diálogo entre amigos. Colégio de Aplicação da UFPE, Recife – PE. 08 Jun. 2019). E que: [...] Nas conjunturas históricas, podemos encontrar novos feitios de reprodução de aspectos estruturantes, ou seja, a conjuntura nada mais faz do que reproduzir esses aspectos conformacionais, reelaborando seus conteúdos. (SILVA, Alana Thaís Mayza da. Da sociedade estrutural e conjuntural na vida pragmática. [Entrevista cedida a] Eduarda Carvalho da Silva Fontain. Diálogo entre amigos. Colégio de Aplicação da UFPE, Recife – PE. 08 Jun. 2019). SBS - Sociedade Brasileira de Sociologia PUCRS - PPG em Ciências Sociais Avenida Ipiranga, 6681 – Partenon CEP: 90619-900 - Porto Alegre, RS [email protected]
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Introdução a Cidadania e aos Direitos HumanosEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaHá uma vinculação direta entre democracia, cidadania e direitos humanos. Uma sociedade será mais democrática à medida que os direitos de cidadania se ampliarem para uma quantidade maior de seus membros. Nesse sentido, qual é o critério utilizado para definir o grau de expansão da cidadania em uma sociedade? • Cidadania Com base na trajetória histórica inglesa, o sociólogo T. H. Marshall2 estabeleceu uma divisão dos direitos de cidadania em três estágios. O primeiro ocorre com a conquista d…Read moreHá uma vinculação direta entre democracia, cidadania e direitos humanos. Uma sociedade será mais democrática à medida que os direitos de cidadania se ampliarem para uma quantidade maior de seus membros. Nesse sentido, qual é o critério utilizado para definir o grau de expansão da cidadania em uma sociedade? • Cidadania Com base na trajetória histórica inglesa, o sociólogo T. H. Marshall2 estabeleceu uma divisão dos direitos de cidadania em três estágios. O primeiro ocorre com a conquista dos direitos civis (garantia das liberdades individuais, como a possibilidade de pensar e de se expressar de maneira autônoma), da garantia de ir e vir e do acesso à propriedade privada. A conquista desses direitos foi influenciada pelas ideias iluministas e resultou da luta contra o absolutismo monárquico do Antigo Regime. Esse processo teve como resultado maior o advento da isonomia, ou seja, da igualdade jurídica. O direito de ser tratado com equidade é um exemplo de direito civil. Na imagem, passeata de famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que vivem na ocupação Zumbi dos Palmares, em São Gonçalo (RJ, 2014), em comemoração ao dia da consciência Negra. O segundo estágio refere-se aos direitos políticos, entendidos como a possibilidade de participação da sociedade civil nas diversas relações de poder presentes em uma sociedade, em especial a possibilidade de escolher representantes ou de se candidatar a qualquer tipo de cargo, assim como de se manifestar em relação a possíveis transformações a serem realizadas. Os direitos políticos têm relação direta com a organização política dos trabalhadores no final do século XIX. Ao buscar melhores condições de trabalho, eles se utilizaram de mecanismos da democracia – por exemplo, a organização de partidos e sindicatos – como modo de fazer valer seus direitos. Por fim, o terceiro estágio corresponde aos direitos sociais vistos como essenciais para a construção de uma vida digna, tendo por base padrões de bem- estar socialmente estabelecidos, como educação, saúde, lazer e moradia. Esses direitos surgem em decorrência das reivindicações de diversos grupos pela melhora da qualidade de vida. É o momento em que cidadãos lutam por melhorias no sistema educacional e de saúde pública, pela criação de áreas de lazer, pela seguridade social etc. O direito de organização política é um exemplo de direito político. Na imagem, manifestação de estudantes em frente ao Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, contra as mudanças no sistema educacional do país. Santiago (Chile, 2014). Por ter sido construída tendo como referência o modelo inglês, a tipologia cronológica de Marshall recebeu críticas ao ser aplicada como modelo universal. Ao longo desse percurso, muitas constituições, como a estadunidense (1787) e a francesa (1791), preconizaram o respeito aos direitos individuais e coletivos, o que hoje é incorporado pelas instituições de diversos países. Podemos destacar outras iniciativas que tinham o mesmo objetivo, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). O direito à moradia é um exemplo de direito social no Brasil. No entanto, ele não é garantido para a maioria da população. Na imagem, protesto de integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), contra a reintegração de posse, em São Paulo (SP, 2014). E o que define hoje um cidadão? De acordo com Marshall, cidadão é aquele que exerce seus direitos civis, políticos e sociais de maneira efetiva. Percebe-se que o conceito de cidadania está em permanente construção, pois a humanidade se encontra sempre em luta por mais direitos, maior liberdade e melhores garantias individuais e coletivas. Ser cidadão, portanto, significa ter consciência de ser sujeito de direitos – direito à vida, ao voto, à saúde, enfim, direitos civis, políticos e sociais. A ideia de direitos humanos têm como contrapartida a de deveres, uma vez que os direitos de um indivíduo são condicionados ao cumprimento de seus deveres. O Estado, por sua vez, tem o dever de garantir os direitos humanos, protegendo-os contra violações (embora, em muitos casos, ele próprio as cometa, desrespeitando a Constituição). No Brasil, a extensão dos direitos de cidadania é bastante restrita. Apenas uma parcela da população tem acesso aos direitos básicos. Diversos grupos têm seus direitos violados constantemente. Exemplos disso são os casos de violência contra a mulher, que muitas vezes são ignorados ou minimizados pela sociedade e pelo Estado. A violência contra a mulher é um exemplo de violação dos direitos e da negação de cidadania. Na imagem, cartaz de campanha, veiculada em 2014, que mostra que muitas mulheres sofrem com essa violência ao redor do mundo. • Direitos Humanos A ideia de direitos humanos como algo extensivo a todos os indivíduos surgiu após a Segunda Guerra Mundial, diante das barbaridades e efeitos destrutivos produzidos pelo conflito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela ONU, criada em 1945 com o objetivo de proporcionar o diálogo e impedir conflitos entre os países por questões políticas, econômicas ou culturais. A Declaração teve por base os direitos essenciais à vida e à liberdade e o reconhecimento da pluralidade como meio de combater ações disdiscriminatória. Uma série de tratados internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados desde 1945 expandiram o corpo do direito internacional sobre os direitos humanos. Eles incluem a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), entre outras. Os direitos humanos são valores que visam ao respeito mútuo em detrimento dos privilégios restritos a determinados grupos, por isso não devem ser pensados como benefícios particulares ou privilégios de grupos elitizados. Como sabemos, a simples declaração de um direito não faz necessariamente que ele seja implementado na prática, mas abre espaço para sua reivindicação. Uma das características básicas dos direitos humanos é o fato de estabelecerem que a injustiça e a desigualdade são intoleráveis. É preciso perceber que os indivíduos não são apenas beneficiários no processo histórico de afirmação dos direitos humanos, mas também autores responsáveis pela construção e pela reivindicação da expansão e da garantia desses direitos. Todas as conquistas relacionadas aos direitos humanos são resultado de processos históricos, das mobilizações e de demandas da população. A prática de esportes e o lazer são direitos essenciais para a formação adequada da juventude. Entretanto, falhas na atuação do Estado nem sempre permitem que os jovens tenham acesso a esses direitos. Na imagem, crianças jogam futebol à beira- mar na Praia Redonda em Icapuí (CE, 2014). Assim, as lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos e abriram espaços de reivindicação para a criação dos direitos sociais, dos direitos das chamadas “minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, jovens, crianças, indígenas – e do direito à segurança planetária, simbolizado pelas lutas ecológicas e contra as armas nucleares. Já as lutas populares por participação política ampliaram os direitos civis: direito de opor-se à tirania, à censura, à tortura; direito de fiscalizar o Estado por meio de associações, sindicatos ou partidos políticos; direito à informação sobre as decisões governamentais. A divisão entre direitos civis, políticos e sociais não deve nos levar a perder de vista uma característica intrínseca aos direitos humanos: sua indivisibilidade. Isso equivale a dizer que os direitos não podem ser exercidos de maneira parcial. Todas as pessoas devem gozar do conjunto total de direitos e de cada um na sua totalidade. De acordo com a Declaração e Programa de Viena, de 1993, todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Portanto, devem ser tratados de modo global, justo e equitativo. Embora as características específicas de local, contexto e cultura precisem ser levadas em consideração, é dever do Estado promover e proteger todos os direitos humanos de maneira integral, independentemente de qual seja seu sistema político, econômico e cultural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1967. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.
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Teoria Democrática ContemporâneaEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaA partir do século XIX, a teoria democrática foi desenvolvida com base no confronto entre duas doutrinas políticas: o liberalismo e o socialismo. O liberalismo é um projeto que defende as limitações dos poderes governamentais, buscando a proteção dos direitos econômicos, políticos, religiosos e intelectuais dos membros da sociedade. Ou seja, para os liberais o poder do Estado deve ser limitado, pois eles acreditam que a verdadeira liberdade depende da menor interferência possível do Estado …Read moreA partir do século XIX, a teoria democrática foi desenvolvida com base no confronto entre duas doutrinas políticas: o liberalismo e o socialismo. O liberalismo é um projeto que defende as limitações dos poderes governamentais, buscando a proteção dos direitos econômicos, políticos, religiosos e intelectuais dos membros da sociedade. Ou seja, para os liberais o poder do Estado deve ser limitado, pois eles acreditam que a verdadeira liberdade depende da menor interferência possível do Estado e das leis nesses direitos. A defesa do liberalismo tem como principal representante Benjamin Constant. Membro da Assembleia Nacional Francesa, escreveu a obra A liberdade dos antigos comparada com a dos modernos, na qual afirma que a liberdade dos modernos, que deve ser promovida e desenvolvida, é a liberdade individual na relação com o Estado (ou seja, as liberdades civis e políticas), enquanto a liberdade dos antigos, que se tornou impraticável, é a liberdade de participação direta na formação das leis.1 Outros autores como, como o francês Alexis de Tocqueville2 e o inglês John Stuart Mill3 , defenderam a ideia de que a única estrutura democrática compatível com o Estado liberal seria a democracia representativa. Uma passagem interessante para o nosso debate sobre a democracia é o princípio do dano, de Stuart Mill. Por esse princípio, cada indivíduo tem o direito de agir como quiser desde que suas ações não prejudiquem outras pessoas. Se a ação afeta diretamente apenas a pessoa que a está realizando, a sociedade em tese não tem o direito de intervir, mesmo que o indivíduo esteja prejudicando a si próprio. Contudo, se os indivíduos fizerem algo ruim para si mesmos ou para sua propriedade podem indiretamente prejudicar a coletividade, já que ninguém vive isolado, devendo por isso ser impedidos de fazê-lo. Stuart Mill isenta desse princípio aqueles que são incapazes de se governar. Em síntese, todo o processo de democratização, como se deu nos Estados liberais democráticos, consiste numa transformação mais quantitativa do que qualitativa do regime representativo. Ou seja, o avanço da democracia nesses regimes ocorre em duas direções: no alargamento gradual do direito do voto e na multiplicação dos órgãos representativos. Para a doutrina socialista, o sufrágio universal é apenas o ponto inicial do processo de democratização do Estado, enquanto para o liberalismo é o ponto de chegada. Alguns dos principais teóricos do socialismo, como Antonio Gramsci4 e Rosa Luxemburgo5 , afirmam que o aprofundamento do processo de democratização na perspectiva das doutrinas socialistas ocorre de dois modos: por meio da crítica à democracia representativa (e da retomada de alguns temas da democracia direta) e pela ampliação da da participação popular e do controle do poder por meio dos chamados “conselhos operários”. Em outras palavras, a diferença crucial entre a democracia dos conselhos e a democracia parlamentar é que a primeira reconhece ter havido um deslocamento dos centros de poder dos órgãos tradicionais do Estado para a grande empresa, na sociedade capitalista. Por isso, o controle que o cidadão pode exercer por meio dos canais tradicionais da democracia política não é suficiente para impedir os abusos de poder. Logo, o controle deve acontecer nos próprios lugares de produção, e seu protagonista é o trabalhador real, não o cidadão abstrato da democracia formal. Mais recentemente, na metade do século XX, surgiu a corrente pluralista. Os pluralistas, em particular Robert Dahl6 , cientista político estadunidense, não procuravam estabelecer uma definição abstrata e teórica acerca da democracia, mas, por meio da observação das experiências de sistemas políticos, estipularam alguns requisitos mínimos: funcionários eleitos, eleições livres justas e frequentes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para associações e cidadania inclusiva. Com base nesses critérios são caracterizadas quatro estruturas de governo: hegemonias fechadas, que são regimes em que não há disputa de poder e a participação política é limitada; hegemonias inclusivas, regimes em que não há disputa de poder, mas ocorre participação política; oligarquias competitivas, regimes nos quais há disputa de poder, mas com limitada participação política; e poliarquias, regimes em que não há disputa de poder e participação política ampliada. Joseph Schumpeter (1883-1950), economista austríaco, criticou as teorias clássicas de democracia, especialmente na relação estabelecida entre a democracia e a soberania popular7 . Para o autor, a definição clássica de democracia supõe duas ficções incapazes de resistir a uma análise realista: a existência do bem comum e a universalidade da racionalidade dos indivíduos. Para Schumpeter, a unidade da vontade geral, que constituiria o bem comum, e a racionalidade dos indivíduos seriam mitos, porque, para ele, esses elementos se tornaram irracionais por não conseguirem definir coerentemente suas preferências diante da influência da propaganda e de outros métodos de persuasão. Dessa forma, Schumpeter rompe com a ideia de democracia como soberania popular para propô-la como método, um tipo de arranjo institucional (de governos) para alcançar decisões políticas. Assim, sugere a superação do impedimento provocado pela irracionalidade das massas, reduzindo sua participação na política ao ato da produção de governos (ato de votar). As atribuições político-administrativas ficariam a cargo das elites eleitas. Essa é uma postura polêmica, na medida em que propõe uma redução da participação popular. Contrário a essa visão, o cientista político canadense C. B. Macpherson8 , sustenta que a liberdade e o desenvolvimento individual só podem ser alcançados plenamente com a participação direta e contínua dos cidadãos na regulação da sociedade e do Estado. Macpherson defende uma transformação estruturada em um sistema que combine partidos competitivos e organizações de democracia direta, que criam uma base real para a existência da democracia participativa. Mas, para que esse modelo pudesse se desenvolver, seria necessário que os partidos políticos se democratizassem, com princípios e procedimentos de democracia direta, complementada e controlada por organizações geridas por pessoas comuns, em seus locais de trabalho e nas comunidades locais. Na teoria das elites, o poder político pertence ao restrito círculo de pessoas que toma e impõem decisões a todos os membros que tenha de recorrer, como ação radical, à força. Ainda na doutrina liberal, mas opondo-se ao pluralismo, existem os elitistas, que utilizam o termo “elite” como referência a grupos sociais superiores de vários tipos. O termo seria empregado no pensamento social e político somente no final do século XIX. Essas teorias sociológicas, propostas pelos pensadores Vilfredo Pareto (1848-1923), sociólogo e economista francês; Gaetano Mosca (1858-1941), cientista político italiano, e Robert Michels (1876-1936), sociólogo alemão radicado na Itália, defendem que em toda sociedade existe apenas uma minoria, que, por diversos motivos, vem a se tornar detentora do poder. Pareto afirmava que existe uma “circulação das elites”, ou seja, uma minoria de pessoas que se alternam no poder. Mosca justifica o poder das elites governamentais pelo fato de serem uma minoria articulada e organizada, enquanto os governos seriam uma classe numerosa, mas dividida e desorganizada. Ao estudar as formações partidárias, Michels destacou como a própria estrutura das organizações favorecia o surgimento das elites e sua longa permanência no poder. Nas palavras de Michels, essa estabilidade das elites no poder é a “lei de ferro das oligarquias”. Ao longo dos últimos séculos foram construídas diversas interpretações e teorias acerca dos objetivos e conteúdos da democracia. Na prática, a democracia pode ser um modelo de governo que amplia as capacidades de desenvolvimento social, político e econômico, com base em princípios de igualdade e cidadania, ou se tornar uma simples “regra” para formar governos que não priorizem necessariamente o atendimento das demandas sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONSTANT, B. A liberdade dos antigos comparada à dos modernos. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2015. DAHL, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1987. ________. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. LUXEMBURGO, R. Têxteis. Paris: Editions Socieles, 1982. MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo, de Hobbes e Locke. Tradução de Nelson Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MICHELS, R. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: Ed. da UnB, 1982. MILL, J. S. Sobre a liberdade. Petrópolis: Vozes, 1991. SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1984. SILVA, A. et. al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016. TOCQUEVILLE, A. A democracia na América: leis e costumes. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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Teoria Democrática ModernaEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaEm meados do século XVI, surgiu a ideia de autonomia do indivíduo, que deu origem ao individualismo e ao liberalismo político. A concepção de democracia que se desenvolveu com base nesses princípios assumiu um perfil bastante diferente daquele utilizado na Grécia antiga. Se antes a democracia estava diretamente ligada à ideia de igualdade, em sua nova versão passou a ser relacionar primordialmente com a ideia de liberdade. Em decorrência dos ideais desenvolvidos naquele momento histórico, o…Read moreEm meados do século XVI, surgiu a ideia de autonomia do indivíduo, que deu origem ao individualismo e ao liberalismo político. A concepção de democracia que se desenvolveu com base nesses princípios assumiu um perfil bastante diferente daquele utilizado na Grécia antiga. Se antes a democracia estava diretamente ligada à ideia de igualdade, em sua nova versão passou a ser relacionar primordialmente com a ideia de liberdade. Em decorrência dos ideais desenvolvidos naquele momento histórico, o principal dilema político fundamentava-se na limitação de poder do soberano (que às vezes se confundia com o próprio Estado) e na ampliação das liberdades individuais, como o direito a dispor da propriedade material e a defender-se judicialmente. Até hoje, grande parte do debate político tem como tema a defesa dos ideias liberais ou a crítica a eles. Na perspectiva do filósofo inglês Thomas Hobbes, a constituição e o funcionamento de uma sociedade pressupõem que os indivíduos cedam, por transferência, seus direitos naturais (mantendo somente o direito de conservarem sua vida) ao soberano. O autor entendia que os seres humanos, em estado de natureza (isto é, compartilhando do direito a tudo o que existe, em razão de não haver limitação legal), tendem a agir pela força e pela violência para conseguir o que desejam, o que acabaria provocando uma guerra contínua entre todos. Para Hobbes, a justificativa para o poder absoluto dos reis residia na compreensão de que os homens em estado de natureza se encontrariam em constante conflito. Na foto, palácio na Arábia Saudita, em 2012, uma das poucas monarquias absolutas da atualidade. Por isso, para disciplinarem a si mesmos e garantirem o bem-estar físico e material, seria necessário que os indivíduos firmassem um contrato social regulado por uma autoridade soberana. Hobbes manifestou preferência pela monarquia absolutista, pois acreditava que as assembleias e os Parlamentos estimulam os conflitos graças às disputas entre diferentes facções e partidos. O poder absoluto defendido por Hobbes se justificava pela transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano. É um nome desse contrato social que o poder deve ser exercido, e não para a realização da vontade pessoal do soberano. Por conta dessa perspectiva, Hobbes não pode ser considerado defensor da democracia. Entretanto, seu pensamento é importante, pois serve de parâmetro para as reflexões sobre a organização do poder construídas posteriormente. No século XVII, John Locke, também filósofo inglês, propôs uma reflexão bem diferente das de Hobbes. Para ele, o poder soberano deve permanecer nas mãos dos cidadãos, que são os melhores juízes dos próprios interesses. Cabe ao governante retribuir a delegação de poderes ao garantir as prerrogativas individuais: segurança jurídica e propriedade privada. Assim, o contrato social teve como função garantir os direitos naturais para todos. Esse pensamento é uma das bases do liberalismo político. Entretanto, deve ser ressaltado que sua implantação não permitiu a construção da igualdade propagada por Locke, mas foi uma das estruturas de consolidação do poder da burguesia. As ideias de Locke são uma das referências para o desenvolvimento da democracia representativa. Na imagem, vemos o palácio de Westminster, em Londres, onde estão situadas as casas do Parlamento e ocorrem as principais decisões políticas do Reino Unido. Para Locke, o princípio da maioria é fundamental para o funcionamento das instituições políticas democráticas, assim como as leis, que devem valer para todos. Por isso, segundo o filósofo, a elaboração das leis precisa estar a cargo de representantes escolhidos pelo povo, que exerceriam o papel de legisladores no interesse da maioria: o regime político proposto por Locke é, portanto, uma democracia representativa. O escritor e filósofo político suíço Jean-Jacques Rousseau se preocupou com o problema da legitimidade da ordem política. Para ele, a desigualdade ocasionada pelo advento da propriedade privada é a causa de todos os sentimentos de ruins do ser humano. No contrato social, é preciso definir a questão da igualdade e do comprometimento de todos com o bem comum. Se a vontade individual é particular, a do cidadão, que vive em sociedade e tem consciência disso, deve ser coletiva e voltada para o bem comum. A participação política é, portanto, ato de deliberação pública que organiza a vontade geral, ou seja, traduz os elementos comuns a todas as vontades individuais. Esse seria, portanto, o núcleo do conceito de democracia. Em seu livro Do Contrato Social2 , Rousseau afirma que a democracia só pode existir se for diretamente exercida pelos cidadãos, sem representação política, pois a vontade geral não poderia ser representada, apenas exercida diretamente. Para Rousseau, a democracia direta é o único sistema legítimo de autoridade e de ato político.3 Em O espírito das leis, o filósofo e político Montesquieu, afirmou que igualdade na democracia é algo muito difícil de garantir plenamente. Partindo do princípio de que é necessário um controle externo para que os sistemas políticos funcionem bem, esse pensador defende a criação de regras que estabeleçam limites aos detentores do poder a fim de manter a liberdade dos indivíduos. Por isso, propôs a divisão da esfera administrativa em três poderes ou funções independentes entre si: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. De maneira resumida, cabem ao poder Legislativo as funções de fiscalizar o poder Executivo, votar leis de interesse público nas instâncias relativas (municipal, estadual e federal) e, em situações específicas, julgar autoridades como o presidente da República ou os próprios membros do Parlamento. O Executivo é o poder do Estado que, nos moldes da Constituição de um país, tem por atribuição governar a nação e administrar os interesses públicos, colocando em prática políticas públicas e leis, e garantindo o acesso aos direitos. Por fim, o poder Judiciário é exercido pelos juízes, que têm a capacidade e a prerrogativa de julgar com base nas regras constitucionais e nas leis criadas pelo poder legislativo. Para Montesquieu, a democracia não pode prescindir da divisão entre os poderes. Na imagem, foto da Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), 2013. A democracia, na perspectiva de Montesquieu, seria garantida pelo equilíbrio entre os três poderes, assegurando assim maior liberdade aos indivíduos. A liberdade, porém, só existiria com moderação, o que equivaleria a fazer tudo o que as leis permitissem (pois, se um cidadão pudesse fazer tudo o que as leis proibissem, não teria mais liberdade, por que todos poderiam fazer o mesmo). Karl Marx e Friedrich Engels acreditavam que um governo democrático seria inviável numa sociedade capitalista, pois a regulação democrática da vida não poderia se realizar com as limitações impostas pelas relações capitalistas de produção. Seria necessário, portanto, mudar as bases da sociedade para criar possibilidade de uma política democrática. Para entender a posição desses autores com relação à democracia, é necessário entender como eles percebem a função do Estado na sociedade capitalista. Para Marx e Engels, os princípios que protegem a liberdade dos indivíduos e defendem o direito à propriedade tratam as pessoas como iguais apenas formalmente. O movimento em favor do sufrágio universal e de igualdade política é reconhecido por Marx como um passo importante, mas, segundo esse autor, seu potencial emancipador está limitado pelas desigualdades de classe. Desse modo, as democracias liberais seriam cerceadas pelo capital privado, que restringiria sistematicamente as opções políticas. De acordo com esse olhar, a liberdade nas democracias capitalistas é, portanto, puramente formal, pois a desigualdade de classe prevalece. Nas palavras de Marx: “Na democracia liberal, o capital governa”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores). LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Martin Claret, 2002. MARX, K. O capital: crítica a economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores). MARX, K.; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. ROUSSEAU, J. J. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix, 1971. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.
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Heródoto E A Primeira Tipologia de GovernoEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaHERÔDOTOS iniciou o estudo histórico, pois antes dele só havia logógrafos, ou seja, escritores gregos em prosa, que se limitavam a transcrever dados e a repetir os mitos e as lendas locais. A história, com esse autor, passou a ter um significado de pesquisa e estudo, contrapondo-se ao momento anterior, sem compromisso com a veracidade e a investigação. A vida pessoal do autor, fazendo inúmeras e interessantes viagens, permitiu-lhe escrever com um caráter novo, baseado no conhecimento efetivo. Ho…Read moreHERÔDOTOS iniciou o estudo histórico, pois antes dele só havia logógrafos, ou seja, escritores gregos em prosa, que se limitavam a transcrever dados e a repetir os mitos e as lendas locais. A história, com esse autor, passou a ter um significado de pesquisa e estudo, contrapondo-se ao momento anterior, sem compromisso com a veracidade e a investigação. A vida pessoal do autor, fazendo inúmeras e interessantes viagens, permitiu-lhe escrever com um caráter novo, baseado no conhecimento efetivo. Houve, porém, muito em sua obra História de generalidades, de lendas e do impossível.3 Não obstante, existia cuidado em relação às suas descrições, separando as informações transcritas das que ele vira, bem como do que ele apenas ouvira de testemunhas oculares e dos simples relatos. A forma atual da obra, dividida em nove livros, por sua vez subdivididos em capítulos, veio desde a época helenística, sendo esta divisão bastante aleatória e desorganizada. Depois da morte de Cambises (séc. VI a.C.), segundo rei persa, os sete nobres tomaram o 4 poder dos magos e passaram a discutir que melhor forma de governo deveria haver na Pérsia. Esta discussão, narrada por HERÔDOTOS, em História, foi o início da tipologia de formas de governo. O fato descrito era imaginário, tendo sido o autor o primeiro a formular esse tipo de discussão, antes das grandes sistematizações platônicas e aristotélicas. O pensamento de HERÔDOTOS foi expresso por meio de três interlocutores. O primeiro era Otanes, que defendia a democracia e criticava as outras formas. Depois, vinha Megábizos, que propunha a oligarquia e destratava as outras soluções e, por fim, Dario que defeque defendia a monarquia.5 Em relação à democracia, encontrava-se dito que: 80. Otanes, apoiou a entrega do governo para o povo persa, pois, para ele o governo não deveria caber a um único homem, isto é, um único homem não deverei se encarregar de governar algo que é de todos, uma vez que suas decisões não poderiam agradar a massa, nem mesmo serem boas para todos. Ele ainda explicita a insolência e a extremidade das decisões de Cambises, bem como a do mago no governo persa. Para ele, não haveria um equilíbrio no governo do homem único, uma vez que no poder esse homem pode fazer apenas o que lhe apraz, sem prestar conta de seus atos. Otanes ainda afirma que, quando um homem recebe toda e máxima autoridade, poderá ser o mais virtuoso entre os homens, porém esse poder o levará a abandonar seu modo normal de pensar. Com essa autoridade, o desejo de gozar dos bens gera a insolência, e a natureza fez os homens invejosos desde os primórdios. Essas duas causas citadas, geram a gênese de toda a maldade humana; pois, o orgulho e a inveja os fará cometer desvairados crimes. Um tirano, segundo ele, tendo tudo em suas mãos, deveria desconhecer a inveja, todavia, a sua natureza faz com que suas decisões sejam em desfavor para com os seus concidadãos: esse tirano, tem inveja da condição de vida dos homens de bem, e se compraz com os piores de todos os homens, e ninguém melhor que ele poderá acolher todas as calúnias. Segundo ele, ainda, esse tirano é o mais inconsequente de todos os homens; se alguém, por um acaso, se mostra comedido em seus louvores, ele fica transtornado por não ser adulado de forma servil, em contrapartida, se é adulado servilmente fica transtornado por estar lidando com um adulador. Depois de tudo isso, Otanes ainda explicita os maiores de seus defeitos que é a subversão dos costumes ancestrais, a violência contra as mulheres e a condenação de pessoas a morte sem antes julgá-las, apenas para o seu bel-prazer. Em dissídio a tudo isso, o governo do povo traz consigo a igualdade perante a lei, e ainda, que nenhuma das injustiças cometidas por um governante único é cometida nele. Além disso, todas as funções governamentais são atribuídas através de sorteio, e os detentores responderão pelos seus atos no exercício das mesmas, e que todas as decisões são submetidas ao martelo da assembleia popular. Otanes termina sua fala fortalecendo a ideia de fim do governo de um homem só e o elevamento do povo no poder, pois tudo está na maioria.6 Já por conta da aristocracia, também chamada de oligarquia, constava que: 81. Após Otanes opinar, foi a vez de Megábizos, que propôs a instituição de uma oligarquia. Em sua fala, defendeu a necessidade de extinção do governo de um único homem tal qual apresentou Otanes anteriormente, todavia, discordou do mesmo quando vos exorta a entrega do poder na mão do povo, afastando-se da melhor opinião. Segundo Megábizos, nada o era mais insensato e insolente quanto uma multidão indolente. Para ele, salvar-se da insolência de um tirano era essencial e viável, mas a trocar pela insolência de uma multidão era algo inviável e completamente inadmissível. O tirano faz tudo sabendo o que faz, ao passo que o povo nem isso sabe; e não saberia de nenhuma forma sem antes aprendera com outros, nem sabe ver as coisas por si mesmo, não distinguindo aquilo que é melhor para ele, não se tem perspectiva sobre algo, lançando-se de cabeça baixa aos assuntos do governo e demais outros, avançando cegamente, como um rio na enchente? Para ele, tal forma de poder deveria ser pensado para aqueles que querem o mal dos persas, e deveria ser escolhido um grupo dos melhores e mais virtuosos homens entregando-lhes o poder, e ainda afirma que eles mesmos poderiam fazer parte desse grupo. Termina dizendo que é algo natural esperar dos melhores homens as melhores decisões.7 Por fim, encontrava-se formulada a concepção de monarquia, do seguinte modo: 82. Após as opiniões dos regimes democrático e oligárquico, em terceiro e último lugar foi emitida a voz de Dario que explanou a monarquia como melhor forma de governo para a Pérsia. Segundo ele, as palavras proclamadas anteriormente por Megábizos a respeito do regime popular foram bem ditas, porém deficientes quanto ao alicerce da explicação da oligarquia. Ainda exalta que, teoricamente, os três regimes apresentados eram completos e o melhor possível; o regime popular era excelente, bem como a oligarquia e o governo de um único homem; mas para ele o governo de um único homem era de longe o melhor. Nada parece mais preferível no governo de um único homem, se este é o melhor entre todos; sendo sua circunspecção semelhante a si mesmo, ele governará irrepreensivelmente o povo, e ninguém melhor para guardar os planos para derrotar os inimigos do que esse homem. Ao passo que numa oligarquia o fato de várias pessoas desejarem pôr o seus respectivos talentos em função do bem público gera constantes e profundas divergências entre os mesmos; como cada um desses indivíduos quer fazer valer a sua palavra ante aos demais, o resultado disso é a inimizade exacerbada, e a inimizade gera consigo dissensões e que as dissensões geram consigo derramamento de sangue, e desse derramamento de sangue é gerado o governo de um único homem; logo, isso provoca que o regime de um homem único no poder é o melhor para todos. Por outro lado, entregando o governo e o poder ao povo é impossível evitar a eclosão da incompetência, e para ele, quando há incompetência na esfera pública, os homens maus são levados à divisão pela inimizade, esses homens divididos, posteriormente se unem numa amizade solidária, para num futuro prejudicar a sociedade, pois as pessoas capazes de prejudicar a comunidade entram em conluio para prejudicá-la juntas. Essa situação se alastra até o aparecimento de alguém como sustentáculo do povo para pôr fim de uma vez por todas às incompetência; então, esse herói do povo conquista a admiração de todos, e essa admiração emerge como um governante único; aqui se evidencia também a superioridade e a essência do governo de um único homem, sendo este o melhor. No auge de sua fala, Dario conclui alicerçando a ideia do poder de um único homem explorando, agora a ideia de libertação do povo. Em sua fala ele pergunta de onde nos veio a nossa liberdade e a quem devemos? Do governo popular, da oligarquia ou do governo de um único homem? E sustenta ainda a ideia de que, libertos graças a um único homem, devem preservar o governo de um único; além disso, não deveriam abolir as instituições deixadas pelos antepassados, uma vez que elas funcionam bem; isso não seria melhor.8 O estilo utilizado foi o de que cada personagem defendia uma das formas de governo e atacara as outras duas, de modo que a cada elogio à monarquia, aristocracia ou democracia, existiam duas críticas. O resultado da contenda foi que, depois de ouvidas as três opiniões, 9 cinco dos sete conjurados opinaram pela monarquia, que foi a forma de governo escolhida. Deve-se observar que Dario, além de indicar a forma de governo vencedora, ainda foi escolhido como o novo monarca, mediante a utilização de um ardil que preparou e que lhe possibilitou ser o grande rei persa. Não obstante, depois de várias vitórias, foi derrotado 10 pelos gregos, na batalha de Maratona, em 490 a.C., guerra esta que se constituiu no verdadeiro objeto da História. HERÔDOTOS foi autor marcante, que deu veracidade à história, ainda que também houvesse muito de lenda em sua obra. Além de ter base filosófica sofista, o texto do autor iniciou a discussão fundamental sobre as formas de governo, que acabou dominando a teoria política posterior. Ainda que seu pensamento tivesse as devidas características dos pensamentos platônico e aristotélico, demonstrou o cuidado na pesquisa e no estilo literário fluído e agradável.
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Expressões Históricas da DemocraciaEmanuel Isaque Cordeiro da SilvaEmanuel Isaque Cordeiro da Silva1 [email protected] WhatsApp: (81) 97109-4655 Somente a partir do século XX, a democracia passou a ser considerada por muitos um critério de legitimação da vida política. Ao longo de sua trajetória, o pensamento democrático se modificou, incorporando e abolindo diferentes elementos. Desse modo, duas expressões da democracia, a direta e a representativa, tiveram lugar na história ocidental. Democracia direta Na democracia clássica, em Atenas, todos aqueles que…Read moreEmanuel Isaque Cordeiro da Silva1 [email protected] WhatsApp: (81) 97109-4655 Somente a partir do século XX, a democracia passou a ser considerada por muitos um critério de legitimação da vida política. Ao longo de sua trajetória, o pensamento democrático se modificou, incorporando e abolindo diferentes elementos. Desse modo, duas expressões da democracia, a direta e a representativa, tiveram lugar na história ocidental. Democracia direta Na democracia clássica, em Atenas, todos aqueles que fossem considerados cidadãos podiam e deviam participar da criação e da manutenção de uma vida em comum. O demos (povo) era a autoridade soberana para exercer funções legislativas e judiciárias. Ou seja, a cidadania ateniense requeria participação direta dos cidadãos nos assuntos da pólis (cidade). Ostracismo, uma prática da Grécia antiga Com atual significado de isolamento, exclusão ou afastamento das próprias funções, a prática do ostracismo era uma forma de desterro na Grécia antiga. De tempos em tempos, ocorria uma votação em que os indivíduos considerados uma ameaça à comunidade podiam ser deportados. Utilizando um pedaço de cerâmica (ostraka, em grego), os cidadãos anotavam o nome da pessoa impopular para que ela fosse banida por dez anos. Apesar da punição, não havia prejuízos para o condenado o que se referia aos direitos e bens. A virtude cívica, princípio de compromisso de todos os atenienses, implicava dedicação à cidade republicana e subordinação da vida privada aos assuntos públicos e ao bem comum. Nesse modelo, o conceito de cidadão está associado à participação, pois cada cidadão interfere diretamente nos interesses do Estado. Na prática, o exercício da democracia direta consiste na discussão, sem intermediários, das principais questões de interesse comum. Na Grécia antiga, as assembleias populares reuniam os cidadãos na Ágora, praça pública onde se deliberaram leis, impunham-se sanções etc. Esse modelo, entretanto, dificilmente seria possível em comunidades mais numerosas do que as das cidades-Estado gregas, nas quais o conceito de “cidadão” era aplicado a um número restrito de pessoas. Democracia representativa O conceito moderno de democracia representativa surgiu com as revoluções burguesas da Europa, entre os séculos XVII e XIX, especialmente com os ideais iluministas de liberdade e primado da razão, bem como da independência dos Estados Unidos, no século XVIII. O pilar desse modelo é a noção de soberania popular, que se efetiva pelo exercício do voto. Além dela, outras instituições políticas foram criadas e se tornaram indispensáveis para caracterizar um regime como democrático: a separação dos poderes, o respeito às leis, a livre manifestação do pensamento e a cidadania. O modelo se caracteriza pela representação política. Na democracia representativa as deliberações coletivas não são tomadas diretamente pelos cidadãos, mas por pessoas eleitas para tal finalidade. A participação dos cidadãos é indireta, periódica, formal e se expressa por meio das instituições eleitorais e dos partidos políticos. Nas últimas décadas, em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, surgiram questionamentos ao modelo representativo, na medida em que, em muitos casos, os representantes eleitos pelo voto popular constam agir em defesa de interesses de grupos dominantes. Democracia participativa Em muitos países ocidentais, como os da América Latina, a democracia representativa mostrou-se incapaz de fazer que os governos agissem de acordo com os interesses da maioria dos cidadãos. Então, a democracia participativa surgiu como alternativa de superação das deficiências do sistema representativo, já que os dois não são necessariamente antagônicos. Suas principais propostas buscam ampliar a participação cidadã nos assuntos públicos e reduzir a distância entre representantes e representados. Apesar de não ser amplamente adotada, a democracia participativa visa propiciar uma ação política mais igualitária, baseada em grande número de grupos sociais, que, articulados em rede contribuem para orientar as ações governamentais no sentido de atender às necessidades da maioria dos cidadãos. Um dos exemplos desse modelo de democracia é o orçamento participativo, que tem o intuito de sujeitar o uso dos recursos municipais à opinião pública. Por meio de reuniões comunitárias, propostas são coletadas, prioridades são votadas e, com base nessas emendas, é elaborada a Lei Orçamentária Anual (LOA), que depois é encaminhada ao poder legislativo para votação. Nesse caso, a sociedade civil passa a preencher espaços que antes eram ocupados por uma elite burocrática, muitas vezes distante da realidade da população local e que atende outros interesses. De acordo com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, a democracia participativa é exercida por mecanismos que buscam ampliar a participação social. Essa maneira de atuação do cidadão procura superar falhas do modelo representativo, já que este se tornou um método de formação de governo quando deveria ser uma prática social que inserisse na política os atores sociais excluídos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVA, A. et. al. Sociologia em Movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.
Emanuel Isaque Cordeiro da Silva
Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE
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Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPEOther student
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Universidade de São PauloOther
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RENÉ DESCARTES: UMA BIOGRAFIA RENÉ DESCARTES: A BIOGRAPHY Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - CAP-UFPE, IFPE-BJ e UFRPE. E-mails: [email protected] e [email protected]. WhatsApp: (82)98143-8399. Nascido em 1596 em Haia, nas fronteiras de Touraine e Poitou, em uma família nobre, René Descartes vem ao mundo ao mesmo ano em que Johannes Kepler (1671-1630), em seu primeiro trabalho publicado (Mysterium cosmographicum), prova a superioridade da astronomia moderna (a de Nicolau Copérnico (14…Read more
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PREMISSA No século XIX, ocorreram transformações impulsionadas pela emergência de novas fontes energéticas (água e petróleo), por novos ramos industriais e pela alteração profunda nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Depois de 300 anos de exploração por parte das nações europeias, iniciou -se, principalmente nas colônias latino-americanas, um processo intenso de lutas pela independência. É no século XIX, já com a consolidação do sistema capitalista na …Read more
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INTRODUÇÃO Para compreender como a Sociologia nasceu e se desenvolveu, é essencial analisar as transformações que ocorreram a partir do século XIV, na Europa ocidental, marcando a passagem da sociedade feudal para a sociedade capitalista, ou a passagem da sociedade medieval para a sociedade moderna. Para isso, é necessário realizar uma pequena viagem histórica, já que, para entender as ideias de um autor e de determinada época, é fundamental contextualizá-las historicamente. Em cada socied…Read more
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Não há professor que nunca tenha ouvido de seus alunos a pergunta "Por que estudar filosofia?". Há nessa indagação certo desconforto com a nova disciplina do currículo por lhes parecer inútil. No mundo atual, compreende-se a pouca disposição para uma disciplina voltada para a reflexão porque vivemos uma realidade pragmática, dominada pela imagem, pelo efêmero, pela velocidade e voltada para soluções imediatistas. Acrescentemos a esse quadro o fascínio que o mundo virtual exerce sobre as pessoas,…Read more
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O ensino de filosofia seguiu uma rota tortuosa desde a colônia até os tempos atuais. O breve histórico desse percurso tem o objetivo de reafirmar a necessidade dessa disciplina no currículo escolar, sobretudo porque sempre há aqueles que a consideram de pouca importância. No entanto, em um mundo cada vez mais pragmático, a formação exclusivamente técnica de nossos jovens dificulta o processo de conscientização crítica, além de desprezar a herança de uma sabedoria milenar. Os primeiros tempo…Read more
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OS NOVOS CAMINHOS OPOSTOS DA UTOPIA: O HOMEM ENTRE DEUS E ANIMAL THE NEW OPPOSITE WAYS OF UTOPIA: THE MAN BETWEEN GOD AND ANIMAL Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Na Antiguidade, em particular em Aristóteles, os homens eram definidos por duas grandes oposições. Acima deles, havia os deuses; abaixo deles, havia os animais. O que os homens tinham em comum com um opunha-os ao outro; e o que os distinguia de um ligava-os ao outro. Os homens tinham em comum com os deuses o fato de serem raciona…Read more
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Antes de entrar cuidadosamente no estudo de cada filósofo, em suas respectivas ordens cronológicas, é necessário dar um panorama geral sobre eles, permitindo, de relance, a localização deles em tempos históricos e a associação de seus nomes com sua teoria ou tema central. l. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS - No sétimo século antes de Jesus Cristo, nasce o primeiro filósofo grego: Tales de Mileto2 . Ele e os seguintes filósofos jônicos (Anaximandro: Ἀναξίμανδρος: 3 610-546 a.C.) e Anaxímenes: (Άνα…Read more
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Os direitos subjetivos são direitos e, em primeiro lugar, dos homens. Mas os "homens" também não conseguiriam coligar muito bem as energias. Acreditamos cada vez menos na humanidade. As reivindicações proliferam porque são irredutivelmente singulares. Essa é a diferença que vale e importa. Como diz Marcel Gauchet: em oposição ao ideal democrático original (de Rousseau, por exemplo), em que se exigia de: [...] cada cidadão que se apropriasse do ponto de vista do conjunto a partir de seu próp…Read more
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Se vivemos juntos apenas porque temos direitos e para termos mais direitos, então não temos nenhum motivo para imaginar uma salvação comum: a salvação não está no comum, mas no próprio. Por oposição ao Direito (em inglês, Law) que, impondo-se a todos de cima para baixo, normatiza objetivamente as relações entre cidadãos, há agora o império crescente dos direitos subjetivos (em inglês, rights) reivindicações particulares que tentam impor-se a todos de baixo para cima. Esses direitos costumam…Read more
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Estamos cansados das utopias. Estamos cansados das utopias literárias e dos devaneios sobre a Cidade ideal: as utopias em ação que foram os totalitarismos do século XX nos nausearam. Os horrores reais de uns nos impedem de sonhar com os outros. Nossas antigas utopias De Platão a Thomas More, de Étienne Cabet a Fourier, as utopias falavam da rejeição do presente e do real: “Existe o mal na comunidade dos homens”. Mas não lhe contrapunham o futuro nem o possível; elas descreviam um impossível …Read more
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SOCIOLOGY: STRUCTURAL AND CONJUNCTURAL ASPECTS Sabemos, por intermédio de pesquisas na área sociológica, que o nascimento e formação da Sociologia como ciência é proveniente de uma série de metamorfoses históricas. Isso implica dizer que as idiossincrasias mais genéricas da Sociologia têm um elo peculiar com a maneira como o corpo social se organizou e estruturou ao passo do final do século XIX e início do século XX. O feitio do arranjo da vida em corpo social nesse lapso, isto é, o feitio d…Read more
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Há uma vinculação direta entre democracia, cidadania e direitos humanos. Uma sociedade será mais democrática à medida que os direitos de cidadania se ampliarem para uma quantidade maior de seus membros. Nesse sentido, qual é o critério utilizado para definir o grau de expansão da cidadania em uma sociedade? • Cidadania Com base na trajetória histórica inglesa, o sociólogo T. H. Marshall2 estabeleceu uma divisão dos direitos de cidadania em três estágios. O primeiro ocorre com a conquista d…Read more
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A partir do século XIX, a teoria democrática foi desenvolvida com base no confronto entre duas doutrinas políticas: o liberalismo e o socialismo. O liberalismo é um projeto que defende as limitações dos poderes governamentais, buscando a proteção dos direitos econômicos, políticos, religiosos e intelectuais dos membros da sociedade. Ou seja, para os liberais o poder do Estado deve ser limitado, pois eles acreditam que a verdadeira liberdade depende da menor interferência possível do Estado …Read more
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Em meados do século XVI, surgiu a ideia de autonomia do indivíduo, que deu origem ao individualismo e ao liberalismo político. A concepção de democracia que se desenvolveu com base nesses princípios assumiu um perfil bastante diferente daquele utilizado na Grécia antiga. Se antes a democracia estava diretamente ligada à ideia de igualdade, em sua nova versão passou a ser relacionar primordialmente com a ideia de liberdade. Em decorrência dos ideais desenvolvidos naquele momento histórico, o…Read more
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HERÔDOTOS iniciou o estudo histórico, pois antes dele só havia logógrafos, ou seja, escritores gregos em prosa, que se limitavam a transcrever dados e a repetir os mitos e as lendas locais. A história, com esse autor, passou a ter um significado de pesquisa e estudo, contrapondo-se ao momento anterior, sem compromisso com a veracidade e a investigação. A vida pessoal do autor, fazendo inúmeras e interessantes viagens, permitiu-lhe escrever com um caráter novo, baseado no conhecimento efetivo. Ho…Read more
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Emanuel Isaque Cordeiro da Silva1 [email protected] WhatsApp: (81) 97109-4655 Somente a partir do século XX, a democracia passou a ser considerada por muitos um critério de legitimação da vida política. Ao longo de sua trajetória, o pensamento democrático se modificou, incorporando e abolindo diferentes elementos. Desse modo, duas expressões da democracia, a direta e a representativa, tiveram lugar na história ocidental. Democracia direta Na democracia clássica, em Atenas, todos aqueles que…Read more