RESUMO A percepção, o modo pelo qual sentimos o mundo, é comumente distinta da cognição, o modo pelo qual o pensamos. Entretanto, a percepção parece exercer um papel importante na justificação de crenças empíricas, ainda que haja divergência a respeito de como isso ocorre. A hipótese da penetrabilidade cognitiva da percepção problematiza ambas essas afirmações. Segundo essa teoria, estados cognitivos anteriores podem afetar a etiologia do conteúdo sensório da experiência, gerando, como efeito, u…
Read moreRESUMO A percepção, o modo pelo qual sentimos o mundo, é comumente distinta da cognição, o modo pelo qual o pensamos. Entretanto, a percepção parece exercer um papel importante na justificação de crenças empíricas, ainda que haja divergência a respeito de como isso ocorre. A hipótese da penetrabilidade cognitiva da percepção problematiza ambas essas afirmações. Segundo essa teoria, estados cognitivos anteriores podem afetar a etiologia do conteúdo sensório da experiência, gerando, como efeito, uma espécie de insensibilidade aos estímulos externos. Como resultado, lançam-se suspeitas quanto à isenção do “tribunal” da experiência. Este artigo tem o propósito de discutir casos de má penetrabilidade cognitiva como consequências de vícios intelectuais. Vícios intelectuais são traços de caráter, como dogmatismo e preconceito, que impedem o exercício apto e responsável da inquirição e outras práticas epistêmicas. Essa abordagem tem a dupla vantagem de, por um lado, elucidar esse “comércio ilegal” entre percepção e cognição, e por outro, responder ao problema da circularidade epistêmica, causado pela penetrabilidade cognitiva da percepção. ABSTRACT Perception, the way we experience the world, is often distinguished from cognition, the way we think about the world. However, even though there is no agreement about how it happens, perception seems to have an important role in the justification of empirical beliefs. The hypothesis of cognitive penetration ofperception contradicts such claims. According to such hypothesis, early cognitive states can affect the etiology of the contents of sensory experience, yielding a kind of insensibility to external stimuli. This casts doubts on impartiality of the “tribunal” of sense experience. The aim of this article is to discuss cases of bad cognitive penetrability which result from intellectual vices. Intellectual vices are character traits, such as dogmatism and prejudice, which prevent the apt and responsible exercise of inquiry and others epistemicpractices. This approach has two advantages: first, it elucidates “illegal trades” between perception and cognition, and second, it answers the problem of epistemic circularity, posed by the cognitive penetrability of perception.